A primeira controvérsia contra os Maniqueus:
O que fazia Deus antes de Criar a terra?
Mas o
cerne das principais polêmicas entre Agostinho e os Maniqueus, e a que nos
interessa aqui de forma mais direta, foi o embate sobre a pergunta acerca do
que fazia Deus antes de criar a terra. Ele apresenta a argumentação maniqueia
da seguinte forma:
Certamente
estão ainda mergulhados na cegueira do velho homem aqueles que dizem: que fazia
Deus antes de criar o céu e a terra? E acrescentam: se estava ocioso e nada
realizava, porque não ficou sempre assim, continuando a abster-se do trabalho?
Se existia em Deus um movimento novo, uma vontade nova de criar uma criatura
que ele ainda não tinha feito antes, como se pode falar de verdadeira
eternidade, onde nasce uma vontade que antes não existia? Mas a vontade de Deus
não é uma criatura; é anterior a toda criatura, pois nada seria criado se antes
não existisse a vontade do criador. Essa vontade pertence a própria substância
de Deus. Mas se algo surgiu na substância de Deus que antes não existia, não é
justo denomina-la substância eterna. Pelo contrário, se era eterna a vontade de
Deus que existisse a criatura, porque não é eterna também a criatura?[1].
Fica claro a intenção dos
maniqueus, que usando o método socrático-argumentativo, tentam deixar Agostinho
em situação embaraçosa entre duas encruzilhadas não gratas: se reconhece a
mudança na vontade de Deus caí no precipício de negar-lhe a eternidade; se por
outro lado admite a existência co-eterna das coisas admite integralmente o
pensamento dos maniqueus.
Para responder aos questionamentos
sugestionadores dos maniqueus, Agostinho, cautelosamente, leva a indagação para
um outro norte, procurando estabelecer parâmetros para sua resposta e ao mesmo
tempo esvaziar a pergunta dos maniqueus, uma vez que para Deus não há passado
nem futuro, mas apenas um eterno presente, isto é, Deus tudo vê, de forma
compacta e ao mesmo tempo, no “esplendor de sua sempre imutável eternidade”.
Agostinho reconhece o esforço deles para conhecer as coisas eternas, mas
adverte: nunca conseguirão chegar a esta compreensão; pelo menos enquanto não
se desvencilharem das realidades passadas e futuras.
Para Agostinho, não cabe sequer a
pergunta sobre o que Deus fazia antes da criação ou ainda, porque não quis
criar antes o que criou depois? Essas
questões pressupõem mudança e mudança é antítese de eternidade:
A
imutabilidade de Deus é necessariamente concomitante com sua esseidade. É a perfeição pela qual não há
mudança nele, não somente em seu ser, mas também em suas perfeições e em seus
propósitos e em suas promessas. Em virtude deste atributo ele é exaltado acima
de tudo quanto há, e é imune de todo acréscimo ou diminuição e de todo
desenvolvimento ou decadência em Seu Ser
e em suas perfeições [...]. Até a razão nos ensina que não é possível nenhuma
mudança em Deus, visto que qualquer mudança é para melhor ou para pior. Mas em
Deus, a perfeição absoluta, melhoramento ou
deterioração são igualmente impossíveis[2].
Eles – os maniqueus – estavam querendo achar um Deus que em sua própria
natureza é livre, por sua eternidade e soberania, preso aos mesmos caprichos de
suas consciências. Estavam usando as lentes erradas, jamais compreenderiam que,
em certo sentido, “o princípio” não o é em relação a Deus e sim em relação às
criaturas. Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele. Em Deus não pode
haver e não há movimentos, pois isto é próprio da criatura finita e não de
criador infinito, como afirma agostinho:
O céu e a
terra existem e, através de suas mudanças e variações, proclamam que foram
criadas [...], e todas as coisas proclamam que não se fizeram por si mesmas:
Existimos porque fomos criados; mas não existimos antes de existir, portanto
não podíamos ter criado a nós mesmos[3].
Como poderia uma obra de
arte existir antes da existência do seu criador? Se a pintura é contemplada e
enche cada vez mais partes do corpo até ficar todo ele tomado de um sentimento
estético indescritível, ela – a pintura – estará sempre proclamando que foi
criada; até mesmo seu valor é avaliado não pela sua beleza em si e sim pela
importância do seu criador; maior honra terá a obra em proclamar que é criatura
e nunca se dirá co-existente com seu criador, do contrário não seria criatura e
muito menos dirá ser a causa de sua própria existência e, ainda que possível
fosse, já estaria denunciada sua falácia, numa simples contemplação.
Assim também é o sentimento
da criação toda em relação ao seu criador, apenas com uma diferença: a tela
produzida é posterior ao seu criador porém, este, por ser também criatura de um
criador, só pode criar a partir de um outro corpo; ao contrário, a criação de
Deus, afirma Agostinho em sua confissão e conversa com seu criador:
Certamente não
fizestes como o artista, que se serve de um corpo para formar outro corpo,
imprimindo-lhe segundo a inspiração do espírito, a imagem que seu olhar
interior descobre [...] nem tinha à mão matéria alguma com que modelasses o céu
e a terra [...] portanto, disseste uma palavra e as coisas foram feitas, com a
tua palavra os criastes[4].
Excelente, porém difícil de entender.
ResponderExcluirÉ mesmo Ricardo. Por isso o tempo é um dos grandes problemas da humanidade.
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