Recentemente (2008) tivemos
no Brasil uma ampla discussão acerca da descriminalização total do aborto,
seguindo uma tendência da América Latina. Mal saímos desses intensos debates,
onde saiu vitorioso o grupo da não descriminalização, e outro assunto, de mesmo
caráter, de pronto surgiu; na verdade uma retomada de um antigo problema[i]: a
questão do aborto de fetos anencéfalos[ii].
Como em todos os assuntos de cunho eminentemente ético, este tem provocado uma
intensa discussão, desta feita no Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte
de justiça do Brasil.
Poucos casos,
porém, chamaram, à época, tanto a atenção quanto o da jovem
Eloá[iii],
assassinada com um tiro na cabeça, proferido por seu antigo namorado. O caso
teve ampla cobertura da impressa brasileira, o que acabou dando subsídios para
o levantamento de uma série de questionamentos, tais como: o que leva um jovem
estabilizado a cometer tal crime? Com quantos anos os pais devem permitir que
seus filhos namorem? A polícia brasileira está preparada para enfrentar
situações como essas?
Todos esses são
questionamentos justos, porém, queremos chamar a atenção não para o episódio,
propriamente dito, mas para o momento da decisão acerca do “final da vida” de
Eloá. Quando Eloá morreu? A partir de que nível de consciência o indivíduo pode
ser considerado morto? O que é a vida? O que é Ser-Humano? A ciência pode, de
fato, estabelecer quando a vida chega ao fim? Ou antes, no caso da anencefalia,
quando inicia? Estar “vivo” depende tão somente do pleno funcionamento das
atividades cerebrais? É lícito abreviar a “vida” (desligar máquinas que mantém
os sinais vitais ou mesmo extirpar fetos com anencefalia) de um ser, ainda que
com um nobre objetivo de doação de órgãos ou de diminuição do sofrimento da mãe?
Esses são questionamentos que, em si mesmos, possuem um viés filosófico
extremamente forte.
Os médicos,
antes de constatada a chamada “morte cerebral”, precisam seguir um rigoroso protocolo[iv]
que tem por objetivo medir o nível da atividade no cérebro. Quando esse nível
chega a um patamar muito baixo, o médico pode então atestar a morte do
paciente, liberando-o, mediante autorização da família, para a doação dos
órgãos. Foi precisamente o que ocorreu com Eloá. A ciência definiu o momento de
sua morte, mesmo ainda havendo funções vitais e consciência, ainda que em um
nível considerado baixo.
Esse protocolo,
muito embora possua aceitação mundial, acaba por definir o conceito de Ser
Humano; de Vida e de Morte. Para a ciência (ainda abordaremos esse assunto
mais adiante), o
homem está resumido ao cérebro. O que a filosofia tem a nos dizer
sobre isso? É certo ou errado desligar as máquinas que mantém os sinais vitais?
A eutanásia é um procedimento ético? O que a ética, enquanto objeto de pesquisa
da filosofia, tem a nos dizer sobre o aborto de fetos com anencefalia?
A questão do
direito à vida é um dos elementos basilares do homem – e, assim sendo, é
universal, o que pressupõe que em qualquer lugar do planeta esse direito é o
mesmo e está acima de qualquer outro. Nesse sentido a Ética filosófica
pergunta: pode a ciência definir – sozinha - o fim da vida? Acaso limitar o ser
humano a uma série de atividades cerebrais não significa simplificar algo que é
extremamente mais complexo? O homem é de fato - como quer a ciência - um ser
apenas constituído de elementos materiais ou ao contrário também de elementos
espirituais?
Estaria correto o Ministro do Supremo Tribunal Federal, relator da ação proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, quanto ao aborto em fetos com anencefalia, Marco Aurélio Mello, quando afirma que “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal”?
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/relator-vota-no-stf-pela-legalidade-do-aborto-de-feto-sem-cerebro.html.
Estaria correto o Ministro do Supremo Tribunal Federal, relator da ação proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, quanto ao aborto em fetos com anencefalia, Marco Aurélio Mello, quando afirma que “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal”?
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/relator-vota-no-stf-pela-legalidade-do-aborto-de-feto-sem-cerebro.html.
Para responder a essas e outras questões correlatas,
estaremos analisando a contribuição da filosofia Bergsoniana[v]
à difícil problemática que envolve o binômio cérebro-consciência. Aguardem as próximas postagens.
[i] Desde
2004. Para saber mais sobre o assunto, consultar a Revista Época, edição de
15/03/2004.
[ii] A anencefalia consiste em malformação rara do tubo
neural acontecida entre o 16° e o 26° dia de gestação caracterizada pela
ausência total ou parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de
defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária. Ao
contrário do que o termo possa sugerir, a anencefalia não caracteriza somente
casos de ausência total do encéfalo, mas sobretudo casos onde observa-se graus
variados de danos encefálicos, conforme http://pt.wikipedia.org/wiki/Anencefalia,
acessado em 01/11/2008.
[iii] A estudante
Eloá Pimentel foi refém do ex-namorado por 100 horas, em 10/2008. No desfecho
do seqüestro, a jovem e a amiga Nayara foram baleadas. Para saber mais sobre o
assunto, acessar o seguinte endereço eletrônico:
http://g1.globo.com/Noticias/eloa.html.
[iv]
Para saber sobre o protocolo de morte cerebral, acessar o site:
http://www.ufpe.br/utihc/morte.htm.
[v] Henri-Louis
Bergson (Paris, 18 de outubro de 1859 – Paris, 4 de janeiro de 1941) foi um
filósofo e diplomata francês. Conhecido principalmente por Matière et mémoire e
L'Évolution créatrice, sua obra é de grande atualidade e tem sido estudada em
diferentes disciplinas - cinema, literatura, neuropsicologia,
conforme: http://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Bergson.