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domingo, 23 de agosto de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 1/11



A problemática do tempo tem sido motivo de intensos debates em diversas épocas. Como sabemos, essa questão traz inúmeras outras questões a serem resolvidas. Uma delas é a de tentar sincronizar o tempo geral das Matemáticas e das Ciências em relação ao tempo interno de cada indivíduo. Contudo, um dos maiores e mais polêmicos dos problemas trazidos pela reflexão acerca do tempo é o que  trata da transição de um tempo vivenciado em vida para o além-vida-corpo: a eternidade. São muitas as tentativas de  apreender esta espécie de negação do tempo enquanto sucessão e ao mesmo tempo esse prolongamento de um presente que não passa. Em seu livro “História da Eternidade”, Jorge Luis Borges constata que a eternidade, assim como a conhecemos, foi inaugurada por Irineu, muito embora, outros escritos pareçam apontá-la, às vezes de forma tímida, outros de forma mais aproximada, como os de Platão, por exemplo. Afirma  o supracitado autor:

Pode-se afirmar, com suficiente margem de erro, que “nossa” eternidade foi decretada poucos depois da doença crônica intestinal que matou Marco Aurélio [...] essa eternidade coercitiva foi muito mais um simples paramento sacerdotal ou um luxo eclesiástico: foi uma resolução e foi uma arma: O verbo é engendrado pelo Pai, o espírito Santo e gerado pelo Pai e pelo Verbo, os gnósticos costumavam inferir duas inegáveis operações que o pai era anterior ao verbo, e os dois ao Espírito. Essa inferência dissolvia a Trindade. Irineu explicou que o duplo processo - geração do Filho pelo Pai, emissão do Espírito pelos dois - não aconteceu no tempo, mas que esgota de uma só vez o passado, o presente e o futuro [...] Assim foi promulgada a eternidade, antes apenas tolerada na sombra de algum desautorizado texto platônico[...]. Desde que Irineu inaugurou a  eternidade[1].

Apesar de encontrarmos registros na história do pensamento e principalmente da Teologia, a questão da eternidade, em linhas gerais, tem sido limitada  à apreensão de todas as frações de tempo; não sendo raro encontrarmos definições, em Dicionários Teológicos que simplesmente se contentam em repetir algumas frases isoladas, retiradas dos escritos hebraicos do Velho Testamento como: “um dia diante do Senhor é como mil anos”, “Eu sou o que Sou”, “Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim” entre outras definições clássicas.
                  
As diversas abordagens da eternidade parecem nos dar a impressão que estamos falando não de uma, mais de várias eternidades, isto é, de vários sentidos em que pode ser aplicada ou examinada. Dentre essas variadas abordagens a elaborada por Agostinho de Hipona é digna de destaque, como bem sugere Borges:                   

Examinemos uma eternidade que é mais pobre que o mundo. Resta-nos ver como nossa igreja a adotou e lhes confiou um caudal superior a tudo o que os anos transportam. O melhor documento da primeira eternidade é o quinto livro das Enéades; o segundo, ou cristã, o décimo segundo livro das confissões de Santo Agostinho[2].

Agostinho foi conduzido a analisar a questão do tempo e, conseqüentemente, da eternidade, a partir de três controvérsias: a primeira contra os maniqueus, que ridicularizavam a criação de todas as coisas em “um determinado princípio”, pondo em dúvida também a própria eternidade de Deus, pois se houve um princípio que Deus resolveu “criar”, isto é, se houve mudança, em certo sentido, na atitude de Deus, como poderia ser ele eterno já que é propriedade da eternidade não mudar? :

Agostinho é levado a teorizar sobre o tempo por conta da controvérsia com os maniqueus. Sua teoria do tempo passa obrigatoriamente por esse prisma, pois é por conta dessa controvérsia que ele desenvolve seus argumentos sobre a temática[3].

A segunda controvérsia, ainda contra os maniqueus, tratou do problema do mal; controvérsia essa que, em certo sentido, é uma espécie de desdobramento do primeiro embate.

A terceira controvérsia que levou Agostinho a teorizar sobre o tema, desta feita, de forma mais especificamente em relação à eternidade, foi a controvérsia contra os pelagianos. Esta controvérsia, como veremos, passa necessariamente por questões sotereológicas já que a argumentação pelagiana apelava para uma escolha feita por Deus, para salvar alguns, baseada no seu atributo da presciência e, principalmente, na própria vontade livre do homem; que em certo sentido, transfere a responsabilidade de escolha no homem e não mais em Deus; diferentemente de Agostinho que rejeitava essa idéia e  afirmava que Deus, deste a eternidade, havia decretado escolher seus eleitos para a salvação de suas almas:

A eternidade permaneceu como atributo da ilimitada mente de Deus, e sabe-se muito bem que as gerações de teólogos tem trabalhado essa mente a sua criação e semelhança. Nenhum estímulo tão vivo quanto o debate da predestinação. Quatrocentos anos depois da paixão e morte de Cristo, o monge inglês Pelágio incorreu no "escândalo" de pensar que os inocentes que morrem sem o batismo alcançam a glória. Agostinho, bispo de Hipona, o refutou com indignação aclamada por seus editores. Observou a heresia dessa doutrina: a negação de que no homem  Adão todos nós homens já pecamos e perecemos, o esquecimento horrível de que essa morte se transmite de pai para filho pela geração carnal – adiante que segundo a justiça todos nós merecemos o fogo sem perdão, mas que Deus determina salvar alguns, segundo seu arbítrio[4].

Veremos, de forma sintetizada, acerca dessas três disputas pois cremos encontraremos as bases da eternidade agostiniana; posteriormente nos deteremos mais especificamente sobre a eternidade em relação a alma do homem, isto é, à continuidade da atividade da alma após a morte do corpo: a imortalidade da alma.




[1] BORGES, Jorge Luis. História da eternidade. Trad. Carmen Cirne Lima. 4.ed. São Paulo: Globo, 1991, p.22,23
[2] BORGES, 1991, p.21
[3] RUFINO, 2003, p.35
[4] BORGES, 1991, p.21

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