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domingo, 1 de novembro de 2009

EM BUSCA DO ELO PERDIDO. A DOUTRINA QUE LIVROU A REFORMA PROTESTANTE DE TORNAR-SE UM ABORTO HISTÓRICO


Qual a doutrina mais importante para o Protestantismo? Se fizéssemos uma enquete com esse questionamento, entre as mais variadas correntes teológicas do protestantismo, teríamos um inacreditável reduzido número de respostas; pois, em linhas gerais, no que é essencial, a maioria dos protestantes concordam. A doutrina da salvação pela graça, provavelmente, seria a mais votada. Outras doutrinas também receberiam um considerável número de votos, a exemplo das doutrinas da Soberania de Deus, Suficiência das Escrituras e da Contemporaneidade dos Dons. No entanto, no que diz respeito à historicidade do cristianismo protestantes, nenhuma dessas doutrinas, em nossa opinião, é a mais importante. A questão é: qual a apostolicidade das igrejas evangélicas? O que liga – historicamente – os protestantes ao cristianismo primitivo, fundado por Cristo e por seus apóstolos? É legítimo um grupo que não tem essa “raiz histórica” dizer-se igreja legítima de Deus? Os antigos católicos romanos costumavam responder que não. Segundo eles, a Igreja Católica Apostólica Romana foi a “primeira” e “única” igreja fundada por Cristo e pelos Apóstolos. Mas, isso não é verdade? Tirando alguns exageros e o descabido “homicídios da história”, essa afirmação tem algo de verdadeiro sim. A igreja romana não foi a “primeira” nem a “única”, mas, certamente, foi “uma das” igrejas fundadas por Cristo e pelos Apóstolos. Nesse sentido, podemos afirmar: historicamente, é uma igreja apostólica. Desse mal eles não sofrem, diferentemente dos evangélicos. Qual foi o apóstolo que fundou a igreja evangélica? (Claro que não estou aqui me referindo a esses “pseudo-apóstolos dos últimos dias”). Aquele que tem o mínimo de bom senso e que conhece um pouquinho de história tem que reconhecer: as igrejas evangélicas foram criadas à revelia de Cristo e de seus Apóstolos. O protestantismo mais próximo dessa “raiz primitiva” é aquele fruto imediato da Reforma Protestante: Luteranos, Reformados Calvinistas Anglicanos, Reformados Calvinistas Presbiterianos, Batistas (se considerarmos sua origem no movimento Anabatista) e outros reformados. Mas esses renegam completamente essa raiz. Não querem ter nada a ver com ela. Com isso, reconhecem: são outra coisa e não – historicamente – uma igreja legitimamente fundada por Cristo e seus apóstolos. Nosso leitor deve estar pensando: “isso é uma brincadeira; ele vai concluir explicando tudo”. Não é não. Vou repetir: as igrejas evangélicas – todas elas – historicamente, não possuem nenhuma ligação com o cristianismo primitivo, nem com os Apóstolos, nem com Cristo. Mas, há uma doutrina que salva toda essa história; que evitou que os protestantes tivessem se tornado em um “aborto da história”. A doutrina mais importante para os cristãos não católicos (romanos e ortodoxos): a doutrina das duas naturezas da igreja. O Catecismo Maior de Westminster, com grande heroísmo, da pergunta 62 até a pergunta de nº 65, aborda essa importantíssima questão. Diz o catecismo (pergunta 62) que a igreja possui uma dimensão visível – é a igreja visível -, constituída por todos (salvos e não salvos) que professam a “verdadeira religião”. Ora, o que é a verdadeira religião se não aquela fundada e comissionada por Cristo e por seus Apóstolos, com suas marcas? Nesse sentido, os protestantes estariam fora. Contudo, a outra dimensão da igreja, a dimensão espiritual – a igreja invisível – nos trás de volta ao cristianismo autêntico. Vejamos: pergunta 64: “O que é a igreja invisível?” Resposta: “A igreja invisível é o número total dos eleitos que foram, são ou ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, o cabeça”. Eis a doutrina mais importante do protestantismo. Dela depende estar unido verdadeiramente a Cristo ou não. A idéia de uma igreja invisível (mas real e verdadeira) acaba, por completo, com a necessidade lógica de uma ligação direta, física e histórica com o cristianismo primitivo; com a igreja literal fundada por Cristo e pelos seus Apóstolos (Jerusalém, Roma, etc). Em ultima análise, todos os protestantes verdadeiros e eleitos em Cristo (porque há aqueles que só fazem parte da igreja visível) fazem parte da verdadeira igreja de Cristo: a igreja invisível, aquela constituída apenas pelos eleitos de Deus, em qualquer época, em qualquer lugar, que independe de tempo, espaço e história.

O REFORMADOR AGOSTINHO DE HIPONA E SEUS DISCÍPULOS DO SÉCULO XVI

O Rev.José Roberto, em seu artigo “31 de Outubro: dia da Reforma ou do Hallowenn?”, disponível em www.historiaedebate.blogspot.com, observa de forma muito feliz a injustiça cometida contra os chamados pré-Reformadores. Diz ele: “Não se pode falar da Reforma sem a ligar, inseparavelmente à pessoa do reformador Martinho Lutero. Todavia uma injustiça tem sido cometida e repetida: a falta de consideração para com aqueles que são denominados de pré-reformadores. Pouco são citados e, conseqüentemente, são pouco conhecidos [..] Jhon Wycliff (1328-84). John Huss (1373-1415).

Concordamos plenamente. Se pudéssemos embarcar numa espécie de máquina do tempo e levássemos conosco a imprensa para fazer a cobertura da Reforma Protestante e também convidássemos a todos os pré-reformadores para se fazerem presentes e também a Agostinho, reunindo todos no século XVI, no dia 01/11/1517 – um dia depois da Reforma – para quem a totalidade dos microfones estariam direcionados? Para Lutero, claro. Depois da coletiva de Lutero, a Rede Globo, certamente, faria uma entrevista exclusiva com Calvino, a Band e SBT entrevistariam Wycliff e a Rede TV Huss, ressaltando suas respectivas contribuições para a Reforma. Agostinho, coitado, talvez fosse, rapidamente, entrevistado pelo canal 22, por um repórter de terceira categoria e que o entrevistaria de olho na “máquina do tempo”, para não perder o vôo de volta ao século XXI. A prova disso é que, apesar de ter o devido reconhecimento pelo conjunto de sua obra, não é nada comum o nome de Agostinho figurar em uma série de Palestras sobre a Reforma Protestante.

Isso, de certa forma, pode ser justificado pelo fato de Agostinho estar separado da chamada “Reforma Protestante do Século XVI” por, nada mais nada menos, que 12 séculos. Se Wycliff e Huss, que viveram nos séculos XIV E XV, respectivamente, recebem, em relação à Reforma, apenas uma leve referência como “pré-reformadores”, quanto mais Agostinho que viveu no século IV?

Penso que não devemos entender a “Reforma da Igreja” como sendo um evento pontual do século XVI. “Ecclesia Reformata Et Semper Reformanda Est”! Significa que todas as vezes que a Igreja do Senhor começa a se desviar das Escrituras e alguém luta contra isso; esse, certamente, é um “Reformador”. Nesse sentido, Moisés foi um “Reformador”, Josué foi um “Reformador”, o Rei Josias foi um “Reformador”, Apóstolo Paulo foi um “Reformador”, Agostinho foi um “Reformador”, “Wycliff e Huss” foram “Reformadores” e não pré-reformadores. Lutero talvez tenha sido o menor de todos.

Nosso objetivo nesse breve artigo é muito simples: Demonstrar que sem Agostinho não teria havido a Reforma Protestante do século XVI.

John Piper, em sua excelente obra "O legado da alegria soberana" confirma isso que acabamos de afirmar. Diz ele:

O fato mais marcante a respeito da influência de Agostinho é que ela flui dentro de movimentos religiosos radicais de oposição. A gostinho é aprecisado como um dos maiores pais da Igreja Católica Romana. Contudo, foi ele que "nos deu a Reforma " - não somente pelo fato de "Luterio ser monge agostinianiano ou de Calvino ter citado Agostinho mais que qualqueer outro teólogo (...) [mas, porque] a Reforma testemnunhou o triunfo final da doutrina da graça de Agostinho sobre o legado da vosão do homem do ponto de vista Pelagiano (PIPER, 2005, p.45).

E ainda:

A experiência da graça de Deus na sua própria conversão determinou a trajetória de sua teologia da graça, que o levou ao conflito com Pelágio e o fez a fonte da Reforma uns mil anos mais tarde (PIPER, 2005, p.55)

QUEM FOI AGOSTINHO

Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho, nasceu em Tagaste, província da Numída, atual Argélia, em 13 de novembro de 354. Seu pai era um pagão, de nome Patrício e sua mãe, Mônica, era uma mulher extremamente piedosa que orava constantemente pela conversão do seu filho, o que só ocorreu aos 32 anos de idade, portanto, em 386, após uma vida completamente desregrada e uma longa passagem por uma seita chamada maniqueísmo. Agostinho relatou, em suas confissões, o último diálogo que teve com sua mãe, após uma longa viagem: “o mundo, com todos os seus prazeres, perdia para nós todo valor e minha mãe me disse: “Meu filho, nada mais me atrai nesta vida [...] Deus me satisfez amplamente, porque te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo”. Foi batizado por Ambrósio em 387; em 391 (A igreja dessa época já havia começado seu processo de centralização do poder dos bispos, mas ainda não era uma igreja com as configurações “Católicas Romanas”, o que só vai ocorrer no século V, com a chamada pretensão petrina) ordenado sacerdote em Hipona (África do Norte) e em 396 tornou-se bispo dessa mesma cidade. Suas principais obras são: Confissões (400), A graça – dois volumes – uma refutação contra os Pelagianos (412-430), e um tratado contra os pagãos – A cidade de Deus (413-426), morreu em 430.

INFLUÊNCIA DE AGOSTINHO SOBRE OS DOIS MAIORES ÍCONES DA REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI

A influência de Agostinho e seu legado sobre os reformadores é algo inegável e exaustivamente já explorado. Como sabemos, muitos fatores contribuíram para a Reforma Protestante – como o Renascimento, por exemplo - mas, nenhum deles foi tão decisivo quanto o contato que tiveram com a obra de Agostinho, o que nos permite afirmar que Agostinho foi responsável direto pelo que aconteceu no século XVI.

A influência de Agostinho sobre Lutero

O fato de ser Lutero um monge da ordem Agostiniana já dispensaria, por si só, a necessidade de tecer outros maiores comentários. Sobre essa influência, Sprool chega a fazer a seguinte afirmação: “A influência de Agostinho sobre Lutero é um assunto digno de registro. No relato de Lutero de sua famosa “experiência da torre”, quando despertou para o evangelho da justificação somente pela fé, ele disse que essa experiência teve como gatilho a leitura de um comentário escrito por Agostinho, séculos antes em relação à justiça de Deus em Romanos 1 [...] Agostinho é considerado como o maior teólogo do primeiro século da história, se não de todos os tempos” (ao dizer isso, Sprool reconhece a superioridade de Agostinho em relação a Lutero e outros reformadores).

Uma das mais conhecidas obras de Lutero, Nascido Escravo, tem traços agostinianos tão marcantes, quanto ao estilo e conteúdo, que dificilmente o leitor que já leu o mínimo de Agostinho não o perceberia nas entrelinhas.

Warfield, chega a dizer que “A grande contribuição que Agostinho deu ao pensamento do mundo (E em especial a Lutero) é personificada na teologia da graça [...]. Essa doutrina da graça veio das mãos de Agostinho com seu esboço positivo completamente formulado”.

A influência de Agostinho sobre Calvino

Assim como em Lutero, a influência exercida por Agostinho em Calvino é algo notório e inquestionável. Sprool chega a dizer que “A pessoa que João Calvino citou mais vezes do que qualquer outro escritor extra-bíblico foi Agostinho”.

Passaremos a verificar agora uma série de citações, retiradas do site http://www.arminianos.com/, que falam sobre a influência de Agostinho em Calvino. Obviamente que, ao fazer isso, esse site tenta diminuir a importância de Calvino, reduzindo-o a um simples plagiador de Agostinho. Agradecemos a contribuição dos irmãos arminianos. Claro que Calvino desenvolve seu próprio ministério e também deixou um maravilhoso legado para o mundo. Mas, qual o problema se ele tivesse apenas dito o que Agostinho disse? Ora, o que Agostinho disse foi o que Paulo disse, logo, todos fazem côro com as Escrituras Sagradas:

Agostinho foi tão vigorosamente calvinista, que João Calvino se referia a si mesmo como um teólogo agostiniano.

Acima de tudo, Calvino considerava seu pensamento como uma exposição fiel das idéias principais de Agostinho de Hipona.


Por toda as Institutas a dívida auto-confessada de Calvino a Agostinho é constantemente aparente.

Ele na verdade incorpora em seu tratamento do homem e da salvação tantas passagens típicas de Agostinho que sua doutrina parece aqui inteiramente contínua com a de seu grande predecessor africano.

Ele empresta de Agostinho pontos de doutrina com ambas as mãos.

Ele fez de Santo Agostinho sua leitura constante, e se sente em iguais condições com ele, cita-o em toda oportunidade, apropria de suas expressões e considera-o como um dos mais valorosos dos aliados em suas controvérsias.

Seja como for, para provar conclusivamente que Calvino era um discípulo de Agostinho, não precisamos olhar além do próprio Calvino. Ninguém consegue ler cinco páginas nas Institutas de Calvino sem ver o nome de Agostinho. Calvino cita Agostinho mais de quatrocentas vezes nas Institutas apenas.

Ele chamou Agostinho por títulos como “homem santo” e “pai santo.” O próprio Calvino até declarou: “Agostinho está tão inteiramente comigo, que se eu quisesse escrever uma confissão de minha fé, eu poderia fazer com toda integridade e satisfação a mim mesmo de seus escritos. De fato, Calvino encerra sua introdução para a última edição de suas Institutas com uma citação de Agostinho.

A SISTEMATIZAÇÃO DOUTRINÁRIA DOS REFORMADORES COMO PLÁGIO DA OBRA DE AGOSTINHO:

Constantemente os reformadores são acusados de plágio da obra de Agostinho. Spurgeon, não via nenhum problema nisso e ainda por cima assumia tal posição. Diz ele: “A velha verdade que Calvino pregava, que Agostinho pregava, que Paulo pregava, é a verdade que eu tenho que pregar hoje [...]. O evangelho de Jonh Knox é o meu evangelho.

Para finalizar, veremos uma série de citações de Agostinho, sobretudo, sobre sua Antropologia e teologia da graça, com a intenção maior de compararmos e tentarmos fazer um paralelo com os principais documentos reformados, pegando como exemplo, por razões obvias, os símbolos de Westmister.

Agostinho disse:

A natureza do homem foi criada no princípio sem culpa e sem vício. Mas a atual natureza, com a qual todos vêm ao mundo como descendentes de Adão, tem agora necessidade de médico devido a não gozar de saúde. O somo Deus é o criador e autor de todos os bens que ele possui em sua constituição: vida, sentidos e inteligência. O vício, no entanto, que cobre de trevas e enfraquece os bens naturais, a ponto de necessitar de iluminação e de cura, não foi perpetrado pelo seu criador, ao qual não cabe culpa alguma. Sua fonte é o pecado original que foi cometido por livre vontade do homem. Por isso, a natureza sujeita ao castigo atrai com justiça a condenação (GRAÇA, 1999, p.114).

Agora veja o que diz a Confissão de Fé de Westminster:

Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza. O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder (WESTMINSTER, 1996, p.11).

Lutero disse:

Erasmo [...] você assevera que o “livre-arbítrio” é a capacidade que a vontade humana tem, por si mesma, de decidir [...] Os pelagianos também fizeram isso. Mas você os ultrapassa! [...] Prefiro até mesmo o ensinamento de alguns dos antigos filósofos aos seus. Eles diziam que um homem entregue a si mesmo só faria o errado. O homem só poderia escolher o bom com a ajuda da graça divina. Eles diziam que os homens são livres para decair, mas que precisam de ajuda para elevarem-se! Porém, é motivo de riso chamar a isso de “livre-arbítrio”. Com base em tais conceitos, eu poderia afirmar que uma pedra tem “livre-arbítrio”, pois só pode cair, a menos que seja erguida por alguém! O ensino daqueles filósofos, põem, ainda é melhor do que o seu. A sua pedra, Erasmo, pode escolher se sobe ou desce! (LUTERO, 1988, p.41).

Agora veja o que disse Agostinho:

Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). Pois, se fossem eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecerem ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação aquele que diz: Não fostes vós que me escolhestes. Não há dúvida que eles também o escolheram, quando nele acreditaram. Daí o ter ele dito: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, não porque não o escolheram para ser escolhidos, mas para que o escolhessem, ele os escolheu. Isso porque a misericórdia se lhes antecipou (Sl 53:11) segundo a graça, não segundo uma dívida. Portanto, retirou-os do mundo quando ele vivia no mundo, mas já eram eleitos em si mesmos antes da criação do mundo. Esta é a imutável verdade da predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo?(Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele. Conseqüentemente, foram escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou os que predestinou e não a outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a outros com a consecução daquele fim que não tem fim. Portanto, Deus escolheu os crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram. Diz o apóstolo Tiago: Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5). Portanto, ao escolher, fá-los ricos na fé, assim como herdeiros do Reino. Pois, com razão, se diz que Deus escolheu nos que crêem aquilo pelo qual os escolheu para neles realizá-lo. Pergunto: quem ouvir o Senhor, que diz: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, terá atrevimento de dizer que os homens têm fé para ser escolhidos, quando a verdade é que são escolhidos para crer? A não ser que se ponham contra a sentença da Verdade e digam que escolheram antes a Cristo aqueles aos quais ele disse: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (GRAÇA II, 1999, p.194, 195).

Agora compare com o que diz a Confissão de Fé de Westminster:

Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna. Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa. Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito da sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo pelo seu Espírito, que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo. Segundo o inescrutável conselho da sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, o resto dos homens, para louvor da sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados.

Dá-me a graça [Ó Senhor] para fazer o que ordenas, e ordena-me a fazer o que tu queres! ò Santo Deus [...] quando teus mandamentos são obedecidos, é do Senhor que recebemos o poder de obedecê-los (Confissões).

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