Como as coisas mudam! Faz muito
tempo que trabalho em eleições como
mesário. Usar a digital sempre foi um suplício para os eleitores. Ninguém
queria ser visto com o polegar sujo de tinta. A hora de assinar o caderno de
votação era também a hora de revelar um drama pessoal: "não seio
assinar", murmurava a eleitora analfabeta. Lá vai o mesário pegar a temida
"almofada de carimbo": mela o dedo, como dizemos pras bandas de cá.
Finalmente a digital é impressa no caderno. Eleitora liberada pra votar.
Lembro-me de uma senhora que,
depois de algumas eleições usando a digital, chegou "toda toda".
Dessa vez seria diferente. Agora ela já sabia "desenhar o nome". Um
grande avanço! Também já fui esculhambado por ter insinuado que uma eleitora
deveria usar o polegar, antes mesmo de pedir-lhe pra assinar. “Eu sei assinar,
tá pensando que soou analfabeta é?”, esbravejou ela com toda razão.
Mas, as coisas mudam. Nós
mudamos! "Mudo sem cessar", dizia o filósofo francês contemporâneo
Henri Bergson. O salmista, ao pensar sobre a brevidade e mutabilidade da vida,
também afirma: "O homem é como um sopro; os seus dias, como a sombra que
passa (Salmos 144:3-4).
Somos seres sujeitos ao tempo e
ao espaço. Nossa mutabilidade é incondicional. Mudamos, queiramos ou não!
Essa eleição com biometria é
prova inequívoca disso. Primeiro porque quase não temos mais eleitores
analfabetos. Segundo porque agora todos precisam usar a digital. Terceiro porque,
se der algum problema na digital e o eleitor tiver que assinar o caderno, como
ocorre algumas vezes, ele ficará muito irritado. Antes ninguém queria usar a
digital, fazia questão de assinar. Somente sob forte constrangimento a digital
era usada. Agora, ninguém quer mais assinar, só usar a digital. Usar a digital
é sinônimo de evolução tecnológica e não mais de analfabetismo.
Será que nos tornamos - todos - analfabetos?
Em contrapartida à nossa
mutabilidade temos a imutabilidade de Deus, em "quem não pode existir
variação ou sombra de mudança (TG 1:17). Agostinho de Hipona reconhecia isso.
Dizia ele: “Porventura, Senhor, tu és eterno, já não conheces o que te digo?
Não vês no tempo o que se passa no tempo? Por que motivo te narro então tantos
acontecimentos? Não é, certamente, para que os conheças por mim, mas para
despertar meu amor por ti" (CONFISSÕES XI, 1.1). "Até a razão nos
ensina que não é possível nenhuma mudança em Deus, visto que qualquer mudança é
para melhor ou para pior. Mas em Deus, há perfeição absoluta, melhoramento e
deterioração são igualmente impossíveis”, como dizia o teólogo holandês Louis
Berkoff. Reflitamos, pois, então, sobre nossa mutabilidade e sobre o atributo
incomunicável da imutabilidade de Deus. Isso dará uma dimensão de quem nós
somos e de quem Ele é. Aliás, só Ele É.
otimo
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