Essa nova atitude
traz profundas implicações éticas e morais, criando no “eleito”, naturalmente,
uma espécie de doutrina da “prova” de sua eleição, isto é, o eleito deveria
viver de tal forma que sua pregação fosse completamente ajustada e alinhada à
sua práxis, bem como deveria fazer
girar todos os seus outros objetivos em órbita daquele que é a razão da sua
própria vida nova: a glória de Deus; eliminando também, com isso, por completo,
qualquer possibilidade alienante de “salvação por obras ou por sacramentos
mágicos”.
Além disso, a antiga
dicotomia romana entre Sagrado e Profano cai por terra. Para Calvino e seus
seguidores não apenas as atividades relacionadas à religião e a fé deveriam
glorificar a Deus, antes, pelo contrário, absolutamente tudo, inclusive
atividades consideradas “seculares”, como a comercial, por exemplo, deveriam
ser direcionadas aos céus, sob pena de não serem realizadas, não havendo nem
mesmo um só instante que ficasse de fora, todos eles deveriam trazer em si a
preocupação de glorificar a Deus.
Weber parece ter
percebido isso com muita clareza quando afirma: “O Deus de Calvino exigia de seus crentes não
boas ações isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema
unificado” (WEBER, 2002. p.91).
Como já vimos o
Calvinismo não é apenas uma questão de fé nem tão pouco um complicado
conglomerado metafísico que não reflete nas atitudes do cotidiano das pessoas,
antes, pelo contrário, o Calvinismo invade todas as áreas do ser, inclusive a
que o catolicismo considera “secular”, como observa Weber:
O
efeito da Reforma foi o de aumentar em si mesmo, se comparado à atitude
católica, e aumentar de forma poderosamente a ênfase moral e a sanção religiosa
em relação ao trabalho secular organizado no âmbito da vocação” (WEBER, 2002.
p.128).
É uma verdadeira
avalanche mista de conhecimento profundo e prática anexada: “O teólogo
norte-americano BB.Warfied descreve o Calvinismo como sendo a visão da
majestade de Deus que permeia a vida e a experiência como um todo” (MARTINS,
2001, p.9).
Seguindo a orientação
Paulina, os Calvinistas procuram “fazer todas as coisas como se estivessem
fazendo para Deus” (RM 14:23, FP 2:3-15).
Weber confirma isso
ao afirmar que: “No curso de seu desenvolvimento, o calvinismo acrescentou algo
de positivo a isso tudo, ou seja, a ideia de comprovar a fé do indivíduo pelas
atitudes seculares” (WEBER, 2002. p.120).
Finalmente, concluímos
com as palavras sintetizadoras de Bieller:
Este
dogma da predestinação engendrou o individualismo [...], este dogma teve
principal efeito engendrar, entre aqueles que aceitavam as suas grandiosas consequências,
indefectível sentimento de comunhão individual com Deus, comunhão que nada no
mundo poderia alterar [...]. É esta inabalável e exclusiva confiança na só
decisão de Deus sobre a sorte de cada um que e causa do tão acusado
individualismo que caracteriza todas as populações influenciadas pelo
Puritanismo [...]; eis aí um dos caracteres que o calvinismo comunicará a toda
organização social que criará e que, ainda hoje, permanece vivo, na condição de
um sentimento profano, nas populações protestantes secularizadas [...]. Este
individualismo imprime igualmente sua marca na concepção peculiar do Calvinismo
do amor ao próximo. Não é o próximo considerado em si mesmo, que é gerador
deste amor; é-o a ordem e o mandamento de Deus que quer que todo o universo se
conforme a Seu propósito, para Sua só glória. É assim que o exercício de um
trabalho e de uma profissão é uma atividade divina ordenada para o serviço do
próximo [...]. O autêntico serviço do próximo é a busca da glória de Deus e não
da glória da criatura. Tudo quanto o homem empreende, para seu Deus ou para seu
próximo tem, pois, certo caráter utilitário: deve ser útil à glória de Deus. E
é este fim último comum a todos os atos e a todas as atividades da vida que dá
à existência inteira, segundo a moral calvinista, um caráter ascético[1]
(BIÉLER, 1999. p.630,631).
REFERÊNCIAS
BIÉLER.
André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: CEP, 1990. p
LEITE. Cardoso.
Cosmovisão Cristã e Transformação: espiritualidade, razão e ordem social.
Ultimato: Viçosa-MG, 2006. pg.57
LEMBO. Cláudio. O
Pensamento de João Calvino. São Paulo: Makenzie, 2000. 117.p
MARTINS. A.N. As
inplicações Práticas do Calvinismo. São Paulo: Ed.Os Puritanos, 2001. p
NICODEMUS. Augustos.
FIDES REFORMATA. V.1, n.1. São Paulo: Editora Makenzie, 1996, p.
PACKER.J.I. Entre os
Gigantes de Deus. São Paulo: Ed.Os Puritanos. 1991. p
PORTELA. Solano.
FIDES REFORMATA. V.1, n.1. São Paulo: Editora Makenzie, 1996, p.
RYKEN.Leland.Santos
no Mundo. São José dos Campos-SP: Editora Fiel. 2013.p
WEBER.Max. Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2002.224 p.
WESTMINSTER. Confissão
de Fé de Westminster. Rio de Janeiro: Cultura Cristã, 1999. p.
WESTMINSTER. Catecismo
Maior. Rio de Janeiro: Cultura Cristã, 1999. p.
[1] O ascetismo ou asceticismo é uma
filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõem
a austeridade. Aquelas que praticam um estilo de vida
austero definem suas práticas como virtuosa e perseguem o objetivo de adquirir uma grande espiritualidade.