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domingo, 2 de outubro de 2016

A NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DO DIA DO SENHOR - 3/3



Como já dissemos, o Dia de Descanso é, antes de qualquer coisa, um grande benefício para o homem. Quando acordamos no DOMINGO – nosso dia de DESCANSO, pela manhã, devemos orar agradecidos a Deus: “Senhor, obrigado porque não estou obrigado aos meus afazeres cotidianos neste dia. Não vou pegar ônibus lotado, metrô lotado, não vou me cansar com meus trabalhos exaustivos, enfrentar trânsito e todas as dificuldades que são próprias dos outros dias da semana.

Mas, dissemos DOMINGO? Se o mandamento manda guardar o SÁBADO, porque, então, guardamos o DOMINGO?

Antes, precisamos entender algo sobre estes dois termos: PRINCÍPIO e NORMA.

Tanto o termo “Princípio” como o termo “Regra ou Norma” foram emprestados do vocabulário jurídico. O princípio é mais geral e abrangente; sua atuação é mais ampla e geralmente não pode ser modificado, por ser um elemento fundante e regulador. A norma é mais específica, restrita e pode sofrer variação.

No caso da guarda do dia de descanso também existe um PRINCÍPIO e uma REGRA.

O PRINCÍPIO é: “Trabalhar seis dias e descansar um”. Assim como ocorre em todo princípio regulador, não há negociação. Ou seja, não tem como modificar esse princípio para, por exemplo, “trabalhar cinco dias e descansar dois” ou mesmo “trabalhar os sete dias e não descansar nenhum”. É função do Princípio estabelecer  que um dia em cada sete deve ser reservado para o descanso, mas não é o princípio que estabelece qual será este dia, a NORMA o fará. O Princípio é maior que a NORMA e a REGULA.

A NORMA é responsável por estabelecer qual será este dia de descanso, ordenado pelo PRINCÍPIO. No Velho Testamento a NORMA estabeleceu que “o dia de descanso seria o sétimo, o sábado. 

Perceba que é o PRINCÍPIO que regula a NORMA e não o contrário. Ou seja, não é possível mudar o que estabelece o PRINCÍPIO, isto é, “trabalhar seis dias e descansar um”. Já a NORMA, como toda norma, pode sofrer modificação, bastando para isso mudar a situação ou a percepção do legislador.

A essa altura você já deve ter percebido que o que estamos dizendo é que o DIA DE DESCANSO, em si, pode ser mudando pelo legislador competente; só não pode ser mudado o PRINCÍPIO que estabelece a necessidade do descanso. Ou seja, não é possível afirmar a não necessidade do "dia de descanso".

Os reformadores do século XVI, ao que parece, não entendiam assim, em relação ao 4º mandamento. Eles:

Tinham seguido Agostinho e, em geral, o ensino medieval, negando que o domingo fosse, em qualquer sentido, um dia de descanso. Eles afiançavam que o sábado, prescrito pelo quarto mandamento, era um mandamento tipicamente judaico, prefigurando o “descanso” proveniente do relacionamento com Cristo (PACKER, 1996, p.257).

Packer chega a dizer que os Reformadores chegavam a ser incoerentes, pois seguiam Agostinho, que negava o Domingo como dia de descanso, e, ao mesmo tempo:

Defendiam a autoridade divina e a obrigação de observar o quarto mandamento, requerendo que um dia em cada sete fosse empregado na adoração e serviço de Deus (e não guardavam o sétimo, como previa o mandamento – grifo nosso), admitindo somente as obras de necessidade e de misericórdia (PACKER, 1996, p.259).

Fechando a questão sobre esse assunto, diz Packer:

Nesse ponto, os Puritanos foram à frente dos reformadores [...]. Eles, contudo, corrigiram essa incoerência. De forma virtualmente unânimes, insistiram que [...], havia um princípio de um dia de descanso [...] após cada seis dias de trabalho (PACKER, 1996, p.258).

A Confissão de Fé de Westminster é clara em entender a existência do PRINCÍPIO e da NORMA no quarto mandamento. Vejamos:

Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele (aqui temos o princípio – grifo nosso); desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana (aqui temos a norma que estabelece o dia – grifo nosso); e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor (aqui também temos a norma que modifica o dia – grifo nosso), e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão (WESTMINSTER, XXI, VII).

Vejamos os textos que demonstram o dia em que Cristo ressuscitou, bem como qual era o dia que a igreja primitiva e, posteriormente, a igreja apostólica usavam para suas reuniões, depois da ressurreição de Cristo. É fora de qualquer dúvida e é absolutamente claro que os cristãos primitivos não continuaram guardando o sábado:

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida” (Jo 20:1);

“Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco" (Jo 20:19);

Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco” (Jo 20:26);

No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite (Atos 20:7);

Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia.  No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for (I Cor 16:1-2).

"Achei-me em espírito, no Dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta" (Apoc 1:10).  

Historicamente a expressão "Dia do Senhor" tem sido interpretada, especialmente por teólogos ortodoxos como um sinônimo para o "Domingo", por conta da Ressurreição de Cristo.

Em Sermão pregado na manhã de Domingo de 13 de Abril de 1873, sobre o dia do Senhor, Spurgeon disse:

 "O primeiro dia da semana comemora a ressurreição de Cristo, e, seguindo o exemplo apostólico, temos constituído o primeiro dia da semana como nosso dia de repouso. Isso não nos sugere que o repouso de nossas almas deve ser achado na ressurreição de nosso Salvador? Não é certo que uma clara compreensão da ressurreição de nosso Senhor é, através do Espírito Santo, o meio mais seguro de trazer paz as nossas mentes? Ser participante da ressurreição de Cristo é desfrutar desse dia de repouso que resta para o povo de Deus. Nós que temos crido no Senhor ressuscitado entramos no repouso, assim como Ele mesmo repousa a destra de Deus. Nele descansamos porque Sua obra foi consumada e Sua ressurreição é a garantia de que aperfeiçoou todo o necessário para a salvação de Seu povo, e nós estamos completos Nele".

É justo dizer que algumas interpretações entendem o "Dia do Senhor" ou o "Dia de Descanso", o Domingo, apenas como uma figura do descanso eterno. Porém, Certamente, encontramos na Ressurreição de Cristo, igualmente, os dois grandes motivos que serviram de base para o estabelecimento do Dia de Descanso, no VT (veja a postagem 1/3 dessa série sobre o Dia do Senhor), visto que a Ressurreição de Cristo é a causa fundante de toda a realidade espiritual. Afinal de contas, "se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé" (I Cor 15:14). São eles:

a) A CRIAÇÃO - à semelhança de Êxodo 20:2-11 (ver 2/3)


E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas (II Coríntios 5:17).


Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura (Gálatas 6:15).


Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras (Apocalipse 21:1-5).


b) A LIBERTAÇÃO DA ESCRAVIDÃO - à semelhança de Deuteronômio 5:14-15 (ver 2/3)



Em verdade, em verdade vos asseguro: todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado (João 8:34).

Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição, sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus (Romanos 6:5-11). 

Por fim, algumas questões bem práticas:

a) As pessoas no VT conseguiam guardar o mandamento porque se preparavam para isso: “de que, trazendo os povos da terra no dia de sábado qualquer mercadoria e qualquer cereal para venderem, nada comprariam deles no sábado, nem no dia santificado; e de que, no ano sétimo, abririam mão da colheita e de toda e qualquer cobrança (Neemias 10:31) e “Naqueles dias, vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam trigo que carregavam sobre jumentos; como também vinho, uvas e figos e toda sorte de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado; e protestei contra eles por venderem mantimentos neste dia (Neemias 13:15). Devemos fazer o mesmo;

b) Veja o que ensina o Catecismo Maior de Westminster: 118. Por que é o mandamento de guardar o sábado (=Dia do Senhor ou Domingo) mais especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores? O mandamento de guardar o sábado (=Dia do Senhor ou Domingo) é mais especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores, porque estes são obrigados não somente a guardá-lo por si mesmos, mas também fazer que seja ele observado por todos os que estão sob o seu cuidado; e porque são, às vezes, propensos a embaraçá-los por meio de seus próprios trabalhos (Ex 23:12).

c)  Assim como cabia à liderança do povo no VT cuidar para que o DIA DO SENHOR fosse observado, cabe à liderança da Igreja hoje fazer o mesmo: “Conselhos e pastores devem mostrar-se ATENTOS e ZELAR cuidadosamente para que o dia do Senhor seja santificado pelo indivíduo, pela família e pela comunidade” (PRINCÍPIO DE LITURGIA DA IPB. Capítulo I, Artigo 4);

d)  Se não conseguir guardar o dia inteiro, como prevê o mandamento, comece aos poucos: vá à igreja pela manha e à noite, pelo menos; descanse um pouco e assim você já terá dado um importante passo para a guarda desse mandamento bendito, estabelecido para nosso próprio bem.

e) Apesar da existência de um "Princípio", que estabelece, claramente, que devemos "descansar um dia a cada seis trabalhados", esse princípio não nos autoriza a definirmos qual será o dia de descanso, como adequação às nossas necessidades e agendas. A norma do VT, atendendo a esse princípio eterno, estabeleceu o sétimo dia para ser o dia de descanso e a do NT mudou para o primeiro dia da semana, por conta da Ressurreição de Cristo. Não podemos definir, por nós mesmos, o dia a ser escolhido para ser o "dia descanso". Apenas alguém com autoridade inspirativa pode mudar a norma. Isto é, ninguém pode dizer que seu "dia de descanso" é a segunda-feira, por exemplo. Apenas a bíblia pode mudar a norma e só a vemos definindo o sétimo dia (no VT) e, depois, mudando para o primeiro dia (no NT, porque Cristo ressuscitou no primeiro dia da semana; dia em que os apóstolos, com autoridade inspirativa, passaram a se reunir com a igreja de Cristo). 

domingo, 4 de setembro de 2016

A NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DO DIA DO SENHOR - 2/3

Deus estabeleceu UM DIA DE DESCANSO, por força de Sua Lei Moral,  para o homem (e não só para seu povo, visto que a Lei Moral de Deus é extensiva a toda a humanidade, conforme as Perguntas 94,95 e 96 do Catecismo Maior de Westminster), basicamente para lembrar DOIS dos Seus GRANDES FEITOS, em favor da humanidade e do seu povo, especificamente.

1º) O PRIMEIRO GRANDE FEITO pelo qual o quarto mandamento requer que paremos com todas as nossas atividades, por um dia inteiro, para que lembremos dele é A CRIAÇÃO.

Esse motivo ou esse GRANDE FEITO do Senhor é enumerado como uma das causas para o estabelecimento do DIA DE DESCANSO, conforme está registrado em Êxodo 20:8-11. Observemos o versículo 11:

"Porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou" (Êxodo 20:11).

A expressão "porque" é introduzida no texto exatamente para estabelecer o elo entre a decisão (de estabelecer um DIA DE DESCANSO) e o motivo que levou a determinar esse DIA DE DESCANSO (A CRIAÇÃO). Em síntese, não seria exagero afirmar, baseado no texto de Êxodo 20,  que no DIA DE DESCANSO devemos agradecer a Deus e louvar a Seu grande nome por conta das obras criadoras de suas mãos e afirmar, a cada DIA DE DESCANSO: "Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos" (Salmo 19:1).

Muitos estudiosos têm dito que a "motivação para guardar o sábado é imitar a Deus" (BÍBLIA DE GENEBRA, p.117), visto que Ele mesmo descansou depois de sua obra de criação. Da mesma forma o Breve Catecismo de Westminster, em sua pergunta 62, parece concordar com esse pensamento. É evidente que a "imitação" da atitude de Deus de "descansar" não deve ser descartada dessa análise, contudo, talvez ela não seja a ação motivadora ou geradora principal do estabelecimento desse princípio e, sim, a vontade de Deus que nos lembremos que Ele é o CRIADOR de todas as coisas.

Packer, em sua excelente obra "Entre os gigantes de Deus", ressalta também o link existente entre a CRIAÇÃO e a GUARDA DO DIA DO SENHOR, quando afirma acerca do pensamento dos puritanos:

"Havia o princípio de um dia de descanso, para efeito de adoração a Deus, pública e particular, após cada seis dias de trabalho, como uma LEI DA CRIAÇÃO (grifo nosso), estabelecida em benefício do homem e, portanto, obrigatória enquanto ele viver neste mundo [...]. De fato, eles viam esse mandamento como parte integral da primeira tábua da lei [...]. Observam que o trecho de Gêneses 2.1 e seguintes representa o sétimo dia de descanso [...], e que a sanção atrelada ao quarto mandamento, em Êxodo 20.8 ss., olha de volta para aquele fato, retratando o dia como um memorial semanal da criação, "para ser observado para a glória do Criador, como o dever que temos de servo-Lo e como encorajamento para confiarmos nAquele que criou os céus e a terra. Por meio da santificação do sábado, os judeus declaravam que eles adoravam ao Deus que criou a terra" (PARKER, 1996, p.258).

De tal forma isso é verdade que quando um cristão vai à igreja, especialmente no Dia do Senhor, ele está pregando acerca do CRIACIONISMO ao mesmo passo em que está negando outras teorias da origem do universo e do homem, como a do Big Bang e o Evolucionismo, por exemplo. Quando, porém, o cristão trata o Dia do Senhor com desdém e quando não se esforça para guardá-lo, para seu próprio bem, está, de alguma forma, negando o Criacionismo e defendendo essas outras teorias.  

2º) O SEGUNDO GRANDE FEITO pelo qual o quarto mandamento requer que paremos com todas as nossas atividades, por um dia inteiro, para que lembremos dele é A LIBERTAÇÃO DA ESCRAVIDÃO.

O povo de Israel passou 400 anos como ESCRAVO, no Egito, submetido a trabalho forçado e duríssimo. Quando reclamava, o trabalho era multiplicado, como está registrado:

Então, foram os capatazes dos filhos de Israel e clamaram a Faraó, dizendo: palha não se dá a teus servos, e nos dizem: Fazei tijolos. Eis que teus servos são açoitados [...]. Mas ele respondeu: Estais ociosos, estais ociosos; por isso, dizeis: Vamos, sacrifiquemos ao SENHOR. Ide, pois, agora, e trabalhai; palha, porém, não se vos dará; contudo, dareis a mesma quantidade de tijolos (Êxodo 5:15-18).

Os egípcios, com tirania, faziam servir os filhos de Israel  e lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro, e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o serviço em que na tirania os serviam (Êxodo 1:13-14).

Agora respondam: qual é melhor? TRABALHO FORÇADO ou DESCANSO?

"O dia de descanso é uma sagrada e divina instituição; mas devemos recebê-lo e adotá-lo como um privilégio e um benefício, não como uma tarefa ou uma carga enfadonha [...], Deus planejou-o para que fosse uma vantagem para nós, por isso devemos recebê-lo aprimorá-lo [...] Ele teve consideração pelos nossos corpos, nessa instituição, para que possamos descansar" (PACKER, 1996, p.259).

Esse contraste entre o TRABALHO FORÇADO, escravo, que os Israelitas enfrentaram durante esses 400 anos de cativeiro no Egito é precisamente o que vai fundamentar o estabelecimento do princípio do Dia de Descanso, do dia de SábadoSHABBATH, conforme apontado no texto de Deuteronômio: 

Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro das tuas portas para dentro, para que o teu servo e a tua serva descansem como tu; porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado (Deuteronômio 5:14-15).

Em síntese, no dia em que Deus derramou o seu amor pelo povo - livrando-o por mão poderosa, da escravidão - o povo deve, também, manifestar seu amor, alegria e gratidão a Deus por tão grande livramento.

É fora de qualquer dúvida que o estabelecimento do Dia de Descanso é um grande privilégio em benefício do homem; portanto, ele deve observá-lo com um coração agradecido. Essa era a expectativa dos Puritanos, como bem registra Parker:

"Guardar o domingo (Dia de descanso. Na terceira parte dessa postagem abordaremos a mudança do dia de Descanso do 7º dia para o 1º dia da semana. Grifo nosso) não é uma carga entediante, mas um jubiloso privilégio. O domingo não é um jejum, mas uma festa, um dia de regozijo nas obras do Deus gracioso, e a alegria deve ser nossa atitude durante todo esse dia (cf. Isaías 58.13). A alegria nunca é tão própria a alguém como a um santo, tornando-se o domingo tanto um feriado quanto um descanso" (PARKER, 1996, p.260).

"É dever e glória de todo crente regozijar-se a cada dia, especialmente no dia do Senhor [...]. Jejuar no dia do Senhor, dizia Inácio, é matar a Cristo; mas regozijar-se no Senhor nesse dia, e regozijar-se em todos os deveres do dia...isso é coroar a Cristo, isso é exaltar a Cristo" (PARKER, 1996, p.260).

E ainda:

"Devemos perceber a importância do dia do Senhor, aprendendo a dar-lhe o devido valor. Esse é um grande dia para a igreja e para o crente: um dia de feira para a alma, um dia de entrar nos próprios subúrbios dos céu, com orações e louvores coletivos (PARKER, 1996, p.261). 

sábado, 27 de agosto de 2016

A NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DO DIA DO SENHOR - 1/3


TEXTO BÁSICO:  Deuteronômio 5:14-15 e Êxodo 20:8-11


Guarda o dia de sábado, para o santificar, como te ordenou o SENHOR, teu Deus. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro das tuas portas para dentro, para que o teu servo e a tua serva descansem como tu; porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado (Deuteronômio 5:14-15). 

Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou (Êxodo 20:8-11).

INTRODUÇÃO:

Na história do povo de Deus vemos muitas vezes o povo sendo CHAMADO, CONVOCADO a voltar-se para Ele.

Lembremos do tempo de José, quando o povo ainda estava dividido entre servir a Deus e a outros deuses e o Deus Soberano, Criador e Preservador de todas as coisas, por meio de Josué, disse:

Porém, se vos parece mal servir ao SENHOR, escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao SENHOR (Josué 24:15).

Lembremos também do próprio Senhor Jesus que convoca o seu povo a tomar uma postura muito clara. Diz ele: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mateus 6:24).

Seguir a um Senhor pressupõe obedecer aos seus preceitos. Por mais que Deus seja longânimo um dia chamará seu povo à ordem, como ocorreu no tempo de Josué e em tantos outros momentos registrados nas Escrituras Sagradas.

A nós nos parece que vivemos um tempo de chamar o povo de Deus à ordem em relação ao Dia do Senhor.

ELUCIDAÇÃO:

Os dois textos acima, que servirão de base para nossa exposição, tratam sobre o mesmo assunto: A GUARDA DO SÁBADO ou do SHABBATH, que quer dizer DIA DE DESCANSO.

Antes que alguém possa dizer que isso é um assunto que ficou circunscrito ao VT, precisamos relembrar que a LEI de Deus é dividida em três partes:

a)  LEI CIVIL: são aquelas leis que serviam exclusivamente para o bom funcionamento do Estado de Israel enquanto nação. Nós não estamos obrigados a seguir essa parte da Lei;

b)    LEI CERIMONIAL: São aquelas leis religiosas que serviam para organizar os ritos cúlticos de Israel e que apontavam para Cristo, como que “sombras das coisas que haviam de vir” (Col 2:17). Eram as festas, os sacrifícios sanguinolentos e todos aqueles ritos do VT, que apontavam para Cristo, que eram uma espécie de “tipo” de Cristo. Nós também não estamos obrigados a essa parte da Lei.

c) LEI MORAL: São aquelas Leis que servem para ordenar o nosso relacionamento com Deus e com nosso próximo. Percebam que a própria natureza do objetivo dessa parte da Lei já deixa claro que ela está em pleno vigor ainda hoje. É a parte da Lei resumida nos dez mandamentos. Estamos absolutamente obrigados a obedecer essa parte da Lei de Deus. Do contrário poderíamos “matar, roubar, adulterar” e nada disso se constituiria pecado.

O quarto MANDAMENTO dessa LEI MORAL, aquela que ainda está em pleno vigor, consiste em RESERVAR, GUARDAR um dia inteiro a cada 6 trabalhados, para:

a) Nosso próprio descanso, do corpo e das atividades cotidianas;

b) Maior dedicação ao Senhor.

Já aqui percebemos algo muito importante: A GUARDA DO SÁBADO OU SHABBATH NÃO DEVE SER UM FARDO PESADO DE CARREGAR. Pelo contrário, é, antes, um bálsamo, um alívio, um grande privilégio concedido por Deus.

É bem verdade que os intérpretes da Lei acabaram por transformar algo que foi estabelecido para o bem do homem em algo muito custoso, sofrido, enfadonho de ser cumprido. Jesus, porém, trouxe de volta a interpretação correta do assunto, quando ensina: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado (Marcos 2:27)”. Precisamos resgatar essa interpretação da Lei de Deus.

Mas, notem: é para nosso deleite e para nosso bem, porém há uma dimensão de obrigatoriedade também. Afinal, é um MANDAMENTO da Lei Moral de Deus.

Gosto de pensar esse MANDAMENTO como a Lei de trânsito que obriga o motoqueiro a usar capacete. É uma Lei, portanto, não deve ser discutida, e, sim, cumprida, mas é exclusivamente para o bem do motoqueiro, para beneficiá-lo, para preservar sua vida. 

domingo, 21 de agosto de 2016

QUEM SOU EU? QUEM É DEUS?


Certo homem de posição perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus. Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe. Replicou ele: Tudo isso tenho observado desde a minha juventude.  Ouvindo-o Jesus, disse-lhe: Uma coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me. Mas, ouvindo ele estas palavras, ficou muito triste, porque era riquíssimo (Lucas 18:18-23).


INTRODUÇÃO:

Em conversa com uma ex-aluna, que se diz ateia, fiquei surpreso com sua afirmação ao se referir a Deus: “Se ele existisse, claro que me abençoaria. Afinal, eu sou uma ótima pessoa”. 

Interessante como as pessoas que não conhecem a Deus se acham boas, em suas naturezas. Mas não só elas: muitas pessoas que estão na igreja acabam tendo essa visão acerca de si. Mais ainda: é bem comum nos encontrarmos enredados por essa armadilha.

ELUCIDAÇÃO:

O texto acima fala de um jovem; mas não qualquer jovem. Ele era  rico; muito rico. A história é muito conhecida. Lucas e Marcos não nos dizem que se tratava de um “jovem rico”. Lucas apenas menciona que ele era “um homem de posição” e Marcos, mais sintético, apenas diz que era “um homem”. Já Mateus nos dá essa informação: “Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades” (Mateus 19:22). Portanto, nosso personagem era um jovem e era muito rico.

Provavelmente esse jovem também não era judeu, pois a saudação que utiliza não é uma saudação habitual aos Judeus: “Bom Mestre” (v.1). Essa expressão parece se tratar de um tipo de bajulação,  mas não qualquer bajulação e, sim, uma bajulação de quem quer se aproximar, entrar em um grupo ou ainda inserir alguém num grupo seleto. Quem Sabe no “grupo dos bons”. A saudação denota algo do tipo “mestre, somos do mesmo time. Somos bons. Você é um dos nossos; você é do meu time dos bons”.

O fato é que ele não reconhecia em Cristo, sua divindade. E claro que Cristo aproveita a ocasião para ensinar-lhe acerca de quem é Deus (no caso, Ele mesmo) e quem é o homem.

Esse é um dos maiores problemas da humanidade: uma visão distorcida acerca de quem é Deus e de quem e o homem. Curiosamente, a despeito das atrocidades que o ser humano pode cometer, e que tem cometido, há um entendimento que ele é bom por natureza. Essa é, geralmente, a visão do senso comum, mas não só: o filósofo Jean-Jaques Rousseau (1712-1778) sugere que o homem é bom em sua natureza, assumindo posição contrária à “teoria do estado de natureza hobbesiano. O homem natural de Rousseau não é um "lobo" para seus companheiros”.

Mas, ao contrário do que, geralmente, nós e Rousseau pensamos, Jesus enxerga o homem exatamente como ele é ensina isso; assim também como ensina acerca de Deus. É o que trataremos. O tema e as perguntas são filosóficas, mas só o próprio Deus, seu criador, pode dar a resposta mais adequada sobre a natureza do homem e sobre Seus (de Deus) próprios atributos, muito embora alguns filósofos têm, também, recebido alguma espécie de iluminação para entender corretamente essa natureza humana decaída, a exemplo de Hobbes, Agostinho (esse sob clara influência das Escrituras) e alguns outros.

TEMA: Quem é o homem? Quem é Deus? Respostas de Cristo a essas antigas interrogações:

ELUCIDAÇÃO:

1º) Em primeiro lugar, quem é o homem na visão de Cristo Jesus:

Já no início do diálogo Jesus vai ensinar sobre isso. Vejamos a primeira parte do v.19: “ninguém é bom”. Aqui Jesus faz uma afirmação teológica importantíssima e reveladora acerca do homem: ele não é bom. A referência não atinge somente aquele jovem que dialogava com  Jesus. Pelo contrário, tem uma abrangência universal, isto é, atinge todos os homens;  atinge a raça humana no cerne de sua essência: “ninguém é bom”, ensina Jesus.  Jesus desqualifica a pretensão daquele jovem, que se achava “bom”.

Esse ensinamento está, e não poderia ser diferente, em harmonia com o ensinamento de Paulo, por exemplo, bem como de todo o restante das Escrituras:

Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus;  todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz (Romanos 3:10-17).

Esse é o homem e numa espécie de método indutivo Jesus acaba por deixar claro para aquele jovem rico quem, de fato, ele era: um jovem rico mau, em sua natureza, assim como todos os outros jovens, adultos, velhos e até as criancinhas. O ensinamento é o seguinte: Todo homem é mau. Você, jovem rico, é homem. Logo, você é mau.


2º) Em segundo lugar, quem é Deus na visão de Jesus:

“Ninguém é bom, senão um, que é Deus” (v.18). APENAS Deus é bom. Aparentemente, mas apenas aparentemente, JESUS também não estaria aceitando o adjetivo “BOM”. Ora, se a interpretação correta fosse essa, ele estaria afirmando ser diferente de Deus, visto que afirmara “que apenas Deus era BOM”.

“Jesus convidou o jovem a considerar o que significa a saudação que lhe dirigiu. Cristo não disse que era errado chamá-lo de bom, mas queria que o rico percebesse que estava fazendo uma afirmação importante a respeito de Jesus” (Bíblia de Genebra, 2009, p.1353).

Jesus além de definir corretamente o homem também define corretamente Deus. Ou seja corrige duplamente a visão equivocada daquele jovem rico.

O Catecismo Belga, definindo Deus, afirma:

“Todos nós cremos com o coração, e confessamos com a boca,1 que só existe um Deus,2 que é um Ser espiritual e simples;3 Ele é eterno,4 incompreensível,5 invisível,6 imutável,7 infinito,8 onipotente,9 perfeitamente sábio,10 justo,11 bom12 e a fonte transbordante de todo o bem.13 (1. Rm 10.10; 2. Dt 6.4; 1Co 8.4; 1Tm 2.5; 3. Jo 4.24; 4. Sl 90.2; 5. Rm 11.33; 6. Cl 1.15; 1Tm 6.16; 7. Tg 1.15; 8. 1Rs 8.27; Jr 23.24; 9. Gn 17.1; Mt 19.26; Ap 1.8; 10. Rm 16.27; 11. Rm 3.25, 26; Rm 9.14; Ap 16.5, 7; 12. Mt 19.17; 13. Tg 1.17”.

Apenas DEUS é BOM; essencialmente bom. Esse é um atributo comunicável. Isto é Deus comunica sua bondade aos seres criados, por isso são capazes de praticar alguns atos de bondade. Mas a natureza decaída do homem NÃO É BOA. O Homem  não é bom e aquele JOVEM também não o era.

Então Jesus lhe ensina e lhe prova que ele (o jovem rico) não era bom, assim como pensava. Ensina também que Ele Jesus não era “do seu grupo”. Jesus, sim, sendo Deus era igualmente ESSENCIALMENTE BOM.

Dos versos 20 ao 22 Jesus prova que ele realmente não seguia TODOS os mandamentos, como pensava.

O Catecismo Maior de Westminster, em sua pergunta 95, deixa claro a impossibilidade do homem justificar-se ou ser achado “essencialmente bom” por obras da lei ou de seu próprio esforço:

“95.De que utilidade é a lei moral a todos os homens? A lei moral é de utilidade a todos os homens, para os instruir sobre a natureza e vontade de Deus e sobre os seus deveres para com Ele, obrigando-os, a andar conforme a essa vontade; para os convencer de que são incapazes de a guardar e do estado poluto e pecaminoso da sua natureza, corações e vidas; para os humilhar, fazendo-os sentir o seu pecado e miséria, e assim ajudando-os a ver melhor como precisam de Cristo e da perfeição da sua obediência: Lev. 20:7-8; Rom. 7:12; Tiago 2:10; Miq. 6:8; Sal. 19:11-12; Rom. 3:9, 20, 23 e 7:7, 9, 13; Gal. 3:21-22; Rom. 10:4”.


CONCLUSÃO/APLICAÇÕES PRÁTICAS:

A compreensão de que “apenas Deus é Bom”; essencialmente bom, deve nos levar a ter o mesmo sentimento do apóstolo Paulo, que buscava imitar a Cristo, inclusive sua bondade, visto que essa não é uma realidade que brota naturalmente do coração decaído, por isso chamava a todos a esse compromisso: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (I Cor 11:1).

A compreensão de que “o homem não é bom”; essencialmente bom, deve nos levar a uma atitude altruísta de considerar os outros sempre superiores a nós mesmos, numa tentativa de frear a soberba que habita em nossos corações. Deve também nos levar a uma atitude de misericórdia para com as pessoas que são apanhadas em faltas, visto que pela nossa “falta de bondade natural”, um dia poderemos estar na mesma situação. E, finalmente, deve nos lembrar que não temos o direito de apontar e julgar temerariamente as outras pessoas. Afinal de contas, quem somos nós para apontar a falha do outro, como se melhores fôssemos? Acaso não somos nós do mesmo barro, da mesma natureza decaída?


“Não julgueis, para que não sejais julgados.  Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.  E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?   5Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão (Mateus 7:1-4)”.   

sábado, 9 de julho de 2016

A MORADA FINAL DOS JUSTOS A PARTIR DAS CONFISSÕES E CATECISMOS REFORMADOS


Sempre soubemos que aqueles que fossem salvos morariam, final e definitivamente,  no CÉU. Claro que a posição dos Testemunhas de Jeová também era bem conhecida. Segundo eles, a TERRA seria o HABITAT FINAL DOS JUSTOS.

Contudo, ultimamente está sendo difundida por teólogos reformados, cada vez mais, a ideia de que realmente a TERRA será a MORADA FINAL DOS JUSTOS.

Como porta-voz desse "pensamento supostamente reformado", compartilhado por muitos outros que professam a boa teologia reformada, utilizaremos a fala de um dos mais proeminentes teólogos brasileiros - o Drº Heber Campos, que tem trabalhado esse e outros assuntos, conseguindo chamar atenção para si, com algumas declarações polêmicas. Vejamos: 

Em um encontro da FIEL, onde foi um dos conferencistas, lhe fizeram a seguinte pergunta: "Pastor Heber, a gente vai morar no céu?". Transcreveremos abaixo, literalmente, sua resposta:

"Eu creio que sim! Aliás, eu tenho certeza que sim". 

Contudo, se observarmos bem a continuidade de sua resposta, veremos que ele NÃO acredita que o CÉU será a MORADA FINAL DOS JUSTOS, mas apenas uma espécie bem peculiar de MORADA PROVISÓRIA. Observe: 

"ATÉ que a redenção nossa se complete, no dia da ressurreição ou no dia da transformação daqueles que tiverem vivos; se você morrer antes, você vai direto pro CÉU, porque o CÉU é o lugar pra onde vão os remidos do Senhor ATÉ que sua redenção se complete. Então, nós vamos morar no CÉU, só que: o CÉU NÃO É O LUGAR DEFINITIVO de morada nossa; o CÉU é um local temporário".

E continua:

"[...] na volta do Senhor, então, nós viremos pra cá,  encontramos com Jesus, ele nos leva pra cima, transforma tudo que está AQUI EM BAIXO e nos trás de VOLTA PRA CÁ". A NOVA TERRA é o DESTINO FINAL DO HOMEM; a NOVA TERRA é o habitat DEFINITIVO do homem"

Se observarmos bem as expressões "AQUI EM BAIXO" e VOLTA PRA CÁ", parece ficar claro que a expressão "Novo Céu e Nova Terra", não se trata de uma espécie de "outra dimensão" ou mesmo um tipo de "sinônimo do CÉU", como convencionalmente costumávamos pensar. Antes, pelo contrário, na mente do Drº Heber, e de muitos com ele, a referência é, de fato, a esta mesma TERRA em que agora habitamos. Ela apenas sofrerá uma transformação "em tudo que está aqui embaixo", no dizer dele. Essa ideia parece advogar consenso entre os reformados, mas está longe de ser aceita pacificamente e sem dificuldades, o que fica evidente quando o Drº Heber reconhece: "isso pode chocar você, pode provocar você". Confira no vídeo abaixo:


Dizem que as Confissões e os Catecismos Reformados silenciam em relação ao tema "MORADA FINAL DOS JUSTOS" e que, por isso mesmo, há certa liberdade para pensar o assunto e até arriscar algumas divagações teológicas. Ou seja, esse pensamento do Drº Heber, por exemplo, não trás, segundo se pensa, nenhum problema ou choque confessional, já que a Confissão de Fé de Westminster, que ele subscreve, não trata do assunto, deixando-o livre daquilo que seria a interpretação oficial de sua igreja. Mas, será que isso é verdade?

O que têm a nos dizer sobre a MORADA FINAL DOS JUSTOS as Confissões e Catecismos Reformados? Absolutamente nada, como afirma a maioria? É o que veremos a seguir. Faremos um breve levantamento desse tema a partir desses textos confessionais. Vejamos:

1º) CONFISSÃO BELGA:

Fala de "Recompensa gratuita" para anunciar o Estado Final dos justos, que vão "possuir a glória que jamais o coração de um homem poderia conceber" (Artigo 37:). Os textos utilizados para basear tal afirmação nos remetem ao CÉU e não à TERRA, ainda que restaurada, como por exemplo:

"Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós" (Mateus 5:12).

2º) CATECISMO DE HEIDELBERG:

Coloca o JUSTO, em seu estado final, no CÉU e não na TERRA com o argumento de completude do Corpo de Cristo, uma vez que "Ele é, no CÉU, nosso advogado junto a seu Pai. Em Cristo, temos nossa carne no CÉU como garantia de que ele, como nosso cabeça, também nos levará para si como seus membros" (Pergunta 49). Nos levará para o CÉU ou para TERRA? Obviamente que para o CÉU.

E ainda:

Depois da afirmação de que "Cristo está assentado à direita de Deus" (Pergunta 49), afirma também, como se o salvo estivera falando que "me levará para si mesmo, com todos os eleitos, na alegria e glória CELESTIAIS" (Pergunta 52).

Diz também que "Meu consolo é que, depois desta vida, minha alma será imediatamente ELEVADA para Cristo, seu cabeça. E que também meu corpo ressuscitado pelo poder de Cristo, será UNIDO novamente à minha alma e se tornará semelhante ao corpo glorioso de Cristo" (Pergunta 57).

Note que não estamos tratando aqui de um suposto "estado intermediário" (como é ortodoxamente pensada essa doutrina), quando a alma estaria aguardando a ressurreição. A ordem dos acontecimentos é clara: após a morte a alma é ELEVADA (aqui, obviamente, só pode ser uma referência aos CÉUS) para Cristo e, depois, o corpo, agora ressurreto, será UNIDO À ALMA. Note: a ALMA não irá a lugar algum, mas o CORPO ressurreto irá ao seu encontro. Não há, também, qualquer afirmação que, sequer, sugira uma mudança de LUGAR em relação ao lugar onde a Alma já se encontrava. 


3º) CÂNONES DE DORT:

Diz que os "pecados diários de fraqueza surgem e até as melhores obras dos santos são imperfeitas [...]. Também são motivos para ansiar pela meta da perfeição. Eles fazem isto até que possam reinar com o cordeiro de Deus nos CÉUS, finalmente livres deste corpo de morte" (5º Capítulo da doutrina: Perseverança dos Santos, Artigo 2º).

Percebe-se claramente que a expectativa dos teólogos que prepararam a "Contra-Remonstrance" era de que a morada final do justo é o CÉU e não a TERRA, ainda que restaurada. 


4º) CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

Afirma claramente que "A alma  dos justos, sendo aperfeiçoada em santidade, é recebida no mais alto dos CÉUS, onde contempla a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção do corpo deles"; a alma dos ímpios é lançada no inferno [...]. Além desses dois lugares destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, a Escritura não reconhece outro lugar (Capítulo XXXII.I, Do Juízo Final).

A seção I desse capítulo está realmente tratando do que a teologia Reformada chama de "estado intermediário da alma". Contudo, é preciso entender que o "estado intermediário" o é em relação à CONDIÇÃO DA ALMA e não ao LUGAR onde ela se encontra, nos CÉUS. Ou seja, o estado do homem é intermediário porque ainda não está em seu estado final e definitivo, o que só ocorrerá quando sua alma for unida ao seu corpo novamente; aí, sim, teremos o "estado final", o corpo glorificado. Portanto, é absolutamente errado pensar que o "estado intermediário" se refere ao LUGAR onde a alma se encontra, como se ela depois fosse morar em um LUGAR definitivo, que segundo o Drº Heber, seria a TERRA.

É de se estranhar ainda a falta de dúvida que os ÍMPIOS PERMANECERÃO no INFERNO, mesmo após a re-união de seus corpos "ressuscitados para a desonra" com suas almas, que já se encontravam no INFERNO, como nos diz essa mesma seção da Confissão de Fé de Westminster, transcrita acima. Ou seja, SE OS ÍMPIOS NÃO MUDARÃO DE ENDEREÇO E PERMANECERÃO NO INFERNO (e ninguém discorda disso), ONDE SUAS ALMAS OUTRORA JÁ DESENCARNADAS JÁ ESTAVAM, PORQUE, ENTÃO, OS JUSTOS HAVERIAM DE MUDAR DOS CÉUS, ONDE IGUALMENTE SUAS ALMAS JÁ ESTAVAM, PARA A TERRA?

A seção II, desse mesmo capítulo, confirma nossa argumentação acima, quando afirma que "No último dia [...], todos os mortos serão ressuscitados com seu próprio corpo, e não outro [...] E SE REUNIRÃO NOVAMENTE À SUA ALMA, PARA SEMPRE (Capítulo XXXII.II, Do Juízo Final). Obviamente que essa seção já trata do ESTADO FINAL dos justos. 

Para solucionar o problema da MORADA FINAL DOS JUSTOS, basta tão somente fazer DUAS perguntas:

PRIMEIRA PERGUNTA: Em que lugar estava a ALMA dos JUSTOS, em seu estado intermediário? A essa pergunta só cabe uma resposta possível: no CÉU (A alma  dos justos, sendo aperfeiçoada em santidade, é recebida no mais alto dos CÉUS).

SEGUNDA PERGUNTA: Em que lugar os CORPOS RESSURRETOS encontrarão as respectivas ALMAS? Ora, como consequência da primeira resposta, só uma é possível a essa também é: no CÉU.

A expressão "PARA SEMPRE", no final da seção II, sugere que não haverá mudança alguma depois dessa união da ALMA com seu respectivo corpo RESSURRETO.

No capítulo VIII, que trata de "Cristo, o Mediador", afirma: "[...] ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, com esse corpo subiu ao CÉU, onde está  sentado à destra do Pai. [...] para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma HERANÇA PERDURÁVEL NO REINO DOS CÉUS", não na Terra, ainda que a "nova" e não provisória, mas PERDURÁVEL.

No capítulo XXIII, que trata do "Magistrado Civil", afirma: "Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da Palavra e dos Sacramentos, ou o poder das chaves do Reino do CÉU". Aqui está mais uma vez claro que quando o assunto é salvação, vida eterna, na perspectiva dos Puritanos, a palavra de ordem é CÉU, e, não, Terra, ainda que restaurada.

No capítulo XXV, que trata da "Igreja", afirma: "As igreja mais puras debaixo do CÉU estão sujeitas à mistura e ao erro". Aqui fica claro que os "delegados de Westminster" entendiam o CÉU (onde os justos morarão, final e eternamente) como um lugar específico, diferente da Terra (onde moravam), diferente do inferno (onde os ímpios morarão eternamente) e diferente, também, de um conceito subjetivo de "condição de espírito".

No Capítulo XXX, que trata das "Censuras eclesiásticas", afirma: "A esses oficiais estão entregues as chaves do Reino dos CÉU". Mais uma referência soteriológica que aponta para o CÉU, jamais para a Terra, ainda que restaurada.
 

5º) CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER:

Confirma a afirmação da Confissão de Fé de Westminster, de que a ALMA dos justos são "recebidas nos mais altos CÉUS (Pergunta 86), sendo posteriormente unidas aos seus respectivos corpos, além de outras afirmações sobre as ALMAS dos ímpios, que serão lançadas no inferno, onde permanecerão, mesmo depois da RE-UNIÃO com  seus respectivos corpos desonrados; e que tudo isso é "PARA SEMPRE" (Pergunta 87),

Afirma ainda que, depois da ressurreição, os ímpios terão a sentença condenatória proferida contra si e serão "lançados NO INFERNO, para serem punidos com tormentos indizíveis do CORPO e da ALMA, com o diabo e seus anjos PARA SEMPRE (Pergunta 88). Note que, assim como a confissão de Fé, o Catecismo Maior também entende que "uma vez no inferno (no chamado estado intermediário), sempre no inferno (no estado final, com a alma já unida ao corpo). Ou seja, novamente: os ÍMPIOS não mudarão seu lugar de morada eterna, porque os JUSTOS haveriam de sofrer essa mudança?

Além disso, afirma que "no dia do Juízo, os justos (que estiverem vivos), sendo arrebatados para encontrar a Cristo nas nuvens [...] se unirão com ele para julgar os reprovados, anjos e homens, e serão RECEBIDOS NO CÉU, onde viverão, plenamente e PARA SEMPRE [...] na companhia de inumeráveis santos e ANJOS" (Pergunta 90). 

Aqui cabe uma simples pergunta, que desmontará o argumento, pelo viés confessional, de que a morada final dos justos será na TERRA: Em que lugar os ANJOS morarão eternamente? Obviamente que a essa pergunta também só cabe uma resposta: no CÉU.
 
Em resposta à pergunta 53 - Como foi Cristo exaltado na sua ascensão - responde: [...] em subir aos mais altos CÉUS [...] para ali, à destra de Deus, aparelhar-nos um lugar onde Ele está [...]. Notem: Cristo, nos CÉUS, irá aparelhar-nos um lugar. No dizer do próprio Cristo, ele foi "preparar-vos lugar" (João 14:1-3).

Em resposta à pergunta 55 - Como faz Cristo a intercessão - responde: "Cristo faz intercessão [...]  perante o Pai no CÉU, pelo mérito de sua obediência e sacrifício cumpridos na Terra". Na linguagem de Westminster só existe CÉU, TERRA e INFERNO.


CONCLUSÃO:

Parece claro, em nossa opinião, que além das CONFISSÕES e CATECISMOS REFORMADOS ensinarem sobre a MORADA FINAL DOS JUSTOS, bem como dos Ímpios, ainda que de forma não exaustiva, TAMBÉM ensinam que ESSA MORADA será no CÉU e não na TERRA, ainda que restaurada, como ensinam o Drº Heber Campos ladeado de um número enorme de Reformados. Portanto, incorrem em desobediência confessional, em nossa opinião, especialmente os que são obrigados a subscreverem os Símbolos de Fé de Westminster, aqueles que ensinam ao contrário, isto é, que a MORADA FINAL DOS JUSTOS será na TERRA e não no CÉU.  A única exceção possível para uma não quebra de confessionalidade, mantendo-se a ideia de uma suposta MORADA FINAL DOS JUSTOS na "NOVA TERRA", restaurada, seria se ela fosse pensada como um sinônimo do CÉU.
 
Nunca é demais lembrar: os Catecismos e Confissões Reformados não são a própria Escritura. São interpretações possíveis dessa Escritura. Por óbvio, reconhecemos que existem outras interpretações. Contudo, aqueles que fazem parte de uma igreja confessional, como é a igreja Presbiteriana, por exemplo, se veem obrigados, por força de consciência, de lógica e de coerência, a adotarem a interpretação da Confissão de Fé e dos Catecismos de Westminster como interpretação oficialmente adotada, como é afirmado logo no 1º Artigo de sua Constituição: "NATUREZA, GOVERNO E FINS DA IGREJA: Art. 1º. A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve". Deve-se ressaltar ainda que "Em 1988, reunião extraordinário do Supremo Concílio, modificou a CI, de: [...] sistema expositivo, para [...] sistema impositivo", segundo Solano Portela, em seu site, em um artigo cujo título é "A Confissão de Fé de Westminster e os Votos de Ordenação na Igreja Presbiteriana".

terça-feira, 28 de junho de 2016

A ANSIEDADE, SEUS MALES E O REMÉDIO PARA VENCÊ-LA




"Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças" (Filipenses 4:6). Palestra proferida em 26/06/2016, na 1ª Igreja Presbiteriana de Aracajú, pelo Rev.Ronildo Farias, presidente da JURET-N/Ne.

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