A antropologia agostiniana em contraponto
com os pelagianos - Continuação
A
antropologia Agostiniana tem sido ainda bastante estudada, sobretudo pelos
calvinistas, e tem sido considerada como um ponto fundamental para a
soteriologia, de forma que não é errado afirmar que a visão agostiniana/calvinista da depravação total do
homem é o pilar principal do Pensamento Reformado, de forma que dele depende a
compreensão de todo o resto do sofisticado sistema filosófico/teológico
desenvolvido por Agostinho e seus sucessores.
A
“Confissão de Westminster”, formulada
em 1889, pelos puritanos ingleses, subscreve integralmente a antropologia
Agostiniana:
Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que
ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por
qualquer necessidade absoluta da sua natureza.
O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder
de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte
que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é
incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para
isso. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado
para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade
absoluta da sua natureza. O homem, em seu estado de inocência, tinha a
liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas
mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder[1].
Outro
importante documento agostiniano/calvinista, intitulado “contra o arminianismo” , formulado em 1618, no sínodo de Dort,
para combater um dos mais entusiasmado
seguidores de Pelágio, o holandês Thiago Armínius, mais uma vez subscreveu integralmente a Antopologia Agostiniana:
No princípio o homem foi
criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro e
salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas espirituais. Sua vontade e
seu coração eram retos, todos os seus afetos, puros; portanto, era o homem
completamente santo. Mas, desviando-se de Deus [...] pela sua livre vontade,
ele privou desses dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira,
trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia,
rebeldia e dureza em sua vontade e em seu coração; e ainda impureza em todos os
seus afetos[2].
Também devemos
citar aqui o testemunho de um importante monge agostiniano do século de XVI,
Martinho Lutero, que em reação à retomada dos ensinamentos pelagianos, em
relação ao livre-arbítrio, por Erasmo de Rotterdam, escreveu sua obra “A escravidão da vontade”, que é uma
contundente crítica aos ensinamentos pelagianos no melhor estilo agostiniano;
diz ele:
Erasmo
[...] você assevera que o “livre-arbítrio” é a capacidade que a vontade humana
tem, por si mesma, de decidir [...] Os pelagianos também fizeram isso. Mas você
os ultrapassa! [...] Prefiro até mesmo o ensinamento de alguns dos antigos
filósofos aos seus. Eles diziam que um homem entregue a si mesmo só faria o
errado. O homem só poderia escolher o bom com a ajuda da graça divina. Eles diziam
que os homens são livres para decair, mas que precisam de ajuda para
elevarem-se! Porém, é motivo de riso chamar a isso de “livre-arbítrio”. Com
base em tais conceitos, eu poderia afirmar que uma pedra tem “livre-arbítrio”,
pois só pode cair, a menos que seja erguida por alguém! O ensino daqueles
filósofos, põem, ainda é melhor do que o seu. A sua pedra, Erasmo, pode
escolher se sobe ou desce![3].
Como
já dissemos, esta controvérsia com os pelagianos foi de suma importância. Sua
discórdia com Pelágio tem sido atualizada na História por várias pessoas e por
diversas vezes, a exemplo de Erasmo e Lutero, Calvinistas e Arminianos.
Assim diferem radicalmente
as antropologias de Pelágio e de Agostinho, e, conseqüentemente, sua éticas e
doutrina da salvação. Agostinho não vai contra a natureza. Pelágio não vai
contra a graça. Pelágio escreveu seu livro para defender a força, os dotes das
condições naturais do homem. Agostinho para defender a graça, que não vai
contra a natureza, mas a restaura, a salva demonstrando que, para não tornar vã
a cruz de Cristo, é preciso defender não só a natureza, mas também a graça, que
cura e liberta a natureza [...] Dessa polêmica nasceram as doutrinas ocidentais
do pecado original, da graça, da predestinação e da satisfação vicária[4].