Páginas

domingo, 16 de abril de 2023

A FORMAÇÃO DA DEMOCRACIA MODERNA: A contribuição das ideias religiosas dos puritanos no século XVII – DEFESA DA TESE 5/6

 

No terceiro capítulo abordamos sobre O PURITANISMO E DEMOCRACIA MODERNA

Neste capítulo, iniciamos abordando a questão da relação entre Religião e política a partir de Max Weber.  Em seguida cuidamos em tratar do envolvimento dos Puritanos com a política e relembramos que a igreja da Inglaterra era controlada pelo governo, pela coroa; portanto pela força política. Por isso, os puritanos logo se deram conta, após várias tentativas, que uma reforma integral da igreja só seria possível com um engajamento político mais acentuado.  De forma que registramos o início da atuação dos puritanos, a exemplo de Thomas Beard, um jovem ministro puritano, que influenciou grandemente a vida do puritano Oliver Cromweel, um dos principais personagens da chamada “Revolução Inglesa”. Lições como a necessidade de sujeição dos príncipes às leis civis e a consideração da propriedade particular como sagrada, até mesmo em oposição aos Reis, no dizer de Christopher Hill, em se tratando do jovem Oliver, “não foram desperdiçadas” (Ibid., p. 38). Outro importante personagem da política e alto membro do Parlamento, responsável direto pelo julgamento e destituição dos principais ministros do rei Carlos I foi o puritano de convicções presbiterianas, John Pym, além de muitos outros.

Também enfrentamos a difícil questão da desobediência civil, que era um assunto muito caro à Calvino e aos Puritanos, que abordavam o assunto a partir da possibilidade de quebra do quinto mandamento, que prevê a obediência aos superiores. Calvino, por exemplo, introduz o conceito de “pessoas particulares ou privadas”, que, em síntese, é aquela que não é investida de nenhuma autoridade civil. Para ele, individualmente, a moderação nos assuntos públicos deve ser a regra. Individualmente, não se deve “intrometer-se por iniciativa própria, nem querer influir temerariamente no ofício do magistrado, nem tentar coisa alguma em público” (CALVINO, 2006, vol. IV, p.167).

Portanto, esse tipo de pensamento simplesmente proibia a rebelião contra a autoridade superior do monarca por parte de indivíduos não investidos de autoridade pública e civil. Os próprios Puritanos aceitavam e reconheciam esse ensinamento, tanto é assim que escreveram detalhamento sobre isso quando da análise do quinto mandamento, da pergunta 123 até a 133, do catecismo maior de Westminster, formulado em meio à guerra civil da Inglaterra, a partir de 1643. 

Como então, enfrentar o poder de Jaime I e depois de Carlos I, que advogavam para si o “direito divino dos reis” e à essa altura já haviam se tornado déspotaa, sem, contudo, quebrar o quinto mandamento? Os puritanos, então, diante desse dilema, se tornaram, eles mesmos, “magistrados civis”, entrando definitivamente para a política; tendo, muitos deles, sido eleitos para a Câmara dos Comuns, do Parlamento inglês e agora estavam investidos de autoridade civil e acobertados pela exceção à regra que permitia uma contestação mais incisiva, por outra autoridade civil, quando a questão chegasse a um ponto que obedecê-la implicasse, necessariamente, desobedecer a Deus, conforme Atos 4:19. A partir daí os puritanos, legitimados por um mandato civil, iniciaram uma série de enfrentamento à coroa, que acabaram por resultar numa guerra civil, que ficou conhecida como “Revolução Puritana”, a partir de 1640.

Devemos lembrar que, para além de outras possíveis causas, inclusive econômicas, os Puritanos se envolveram nessa guerra contra o rei da Inglaterra, tanto fazendo parte do Parlamento quando do seu exército, liderado pelo puritano Oliver Cromwell, com o objetivo maior de reformar a igreja da Inglaterra.

A doutora Eunice Ostrensky, professora de teoria política moderna do departamento de ciência política da Universidade de São Paulo, em sua tese de doutorado, publicada sob o título “As Revoluções do Poder”, cujo ambiente de análise é exatamente a Inglaterra do século XVII, sobre a importância dos motivos religiosos que acabaram desencadeando a guerra civil, fazendo coro com Christopher Hill, afirma:

Quanto aos motivos religiosos da Grande Rebelião, seria estéril negá-los; andavam por todas as cabeças e pelas bocas. Prova disso é o papel da Bíblia como instrumento de compreensão e explicação dos fenômenos políticos, sociais e até econômicos (OSTRENSKY, 2005, p.23).

Por fim, o Parlamento inglês, capitaneado por importantes puritanos que possuíam majoritariamente convicções presbiterianas, que privilegiava o governo representativo, venceu a guerra civil contra o rei Carlos I, que fora decapitado em 1649, sob a ordem do puritano Oliver Cromwell, e estabeleceram um governo representativo na Inglaterra, tendo sido o único período na história dessa grande nação como República. Também nesse período a igreja presbiteriana se tornou a igreja oficial da Inglaterra.  A professora Eunice Ostrensky captou bem essa transição da convicção religiosa de governo representativo dos puritanos, da igreja para a sociedade civil quando afirma, se referindo aos puritanos:

Em meados de 1640, [... ] um grupo político aproveita a oportunidade que os tempos oferecem e leva das igrejas [...] para as praças públicas suas discursões sobre liberdade e igualdade. “Agora a Inglaterra se transformou numa outra Atenas, onde a maioria só passa o tempo contanto alguma novidade [...], anuncia o número 14 do jornal realista de dezembro 1647. [...] a democracia apareceu, não como finalidade, mas como resultado da busca por liberdade (OSTRENSKY, 2005, p.70).

Também sobre esse início da democracia moderna, por conta da atuação política dos puritanos, no Parlamento Inglês, o famoso filósofo David Hume, em sua importante obra “História da Inglaterra”, publicada em 1762, escreve um capítulo com o sugestivo título “1640: da monarquia à democracia”, indicando que foi exatamente a Revolução Puritana que trouxe luz à democracia moderna, transferindo a base da soberania do rei ao povo, por meio de seus representantes, como diz: “a transferência do poder soberano para os Comuns, agora de certa maneira completa a alteração do governo” (HUME, 2017 [1762], p.310).

Concluímos como o testemunho do famoso historiador francês e professor de Sorbonne, François Pierre Guillaume Guizot (1787-1874). Sua extensa obra “A História das Origens do Governo Representativo na Europa”, publicada originalmente em 1851, como compilação de suas palestras em Sorbonne, entre 1820 e 1822, sobre a atuação dos puritanos na Câmara dos Comuns, no Parlamento inglês, afirma:

Mas de um século foi necessário para permitir que os Comuns ingleses – revigorados e fortalecidos [...] de um ponto de vista moral, pela reforma da religião – adquirissem importância social e dignidade intelectual suficiente para se colocarem, por sua vez, à frente da resistência ao despotismo, levando a antiga aristocracia trás de si. Essa grande revolução na situação da sociedade ocorreu no reinado de Carlos I, e determinou a revolução política que, após 50 anos de conflito, finalmente estabeleceu o governo representativo na Inglaterra (Ibid., p.802).

Continua na próxima postagem - 6/6 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Divulgue meu Blog no seu Blog