Começo nossa
reflexão citando trecho do texto "Entre santos e orixás e outras pontes
teológicas": "Para o cristão o que permite passar de um nível de
compreensão para um outro mais profundo não é, como para o físico, a reflexão
simplesmente, mas a experiência de um Amor gratuito que se dá ao homem".
Sobre a visão do Deus criador, no mesmo texto é afirmado: "a visão cristã
dessa temática deve permitir-nos uma nova compreensão e uma nova
vivência".
Os dois trechos
do texto e suas consequências diretas implicam, necessariamente, que a visão
cristã, por conta da própria característica interna do cristianismo, baseada no
amor, precisa ser colocada em prática, realinhada e reenquadrada para que, por
fim, seja possível "incluir" as outras crenças em um diálogo
inter-religioso.
Mas, pensemos:
Jesus, o Cristo, o sempre citado exemplo de amor, aquele que é, por assim
dizer, fundador do cristianismo, estaria disposto a adotar a lógica do terceiro
incluído, no sentido de entender o "deus" do outro como sendo um
"Deus", também, igualmente merecedor de adoração, tanto quanto seu
Pai? Estaria disposto à partilhar a crença do outro, a orar a oração do outro?
Oraria ele à deusa Diana, por exemplo, tal qual orou ao seu "Deus"?
Não fazer isso
poderia ser considerado falta de amor? A resposta à essas questões dará a
dimensão do que se pode esperar do cristão na direção da promoção da lógica do
terceiro incluindo e do aguardado diálogo inter-religioso.
Espera-se certo
protagonismo do cristianismo na promoção desse diálogo. Mas, seria isso
possível? Aqui chegamos no momento de responder à indagação inicial, proposta,
sobre a "possibilidade de um diálogo aberto, inclusive com produção de
conhecimentos trans-religiosos, entre pessoas das comunidades cristãs e dos
terreiros afro-brasileiros. Você acha que isso é mesmo possível?".
Sinceramente?
Acredito que sim, mas apenas num ambiente acadêmico, dentro do contexto das
ciências da religião. Porém, bem longe das igrejas e bem longe dos terreiros.
Isso não é um
desejo, é um entendimento da realidade. Sendo isso verdadeiro, pelo menos como uma
verdade possível, não seria o caso de buscarmos uma alternativa à lógica do
terceiro incluído?
Assim como a
lógica do terceiro excluído impossibilita o diálogo inter-religioso, será que a
lógica do terceiro incluído, também, não o tornaria inviável e improvável?
Será que a
retomada da antiga "lógica do respeito", já incluída nas palavras:
"portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho
também vós a eles" (Mateus 7:12), não seria uma alternativa viável? Algo
do tipo: "tenho minha crença e penso que ela está certa, mas também
respeito a sua".
Mas, ainda
teríamos uma dificuldade a superar: a questão da evangelização e das missões.
Como posso dizer respeitar a crença do outro se quero torná-lo um prosélito da
minha crença?
Proponho o
seguinte caminho:
1) A pregação de
um crente no sentido de "convencer" o outro a adotar sua fé deve ser
encarado como uma expressão da alteridade. Sim, o que prega prega porque
entende sua crença como benéfica e reconfortante. Considera algo tão positivo
que isso o impulsiona a querer que o outro também tenha essa "experiência
maravilhosa". Não é por pura disputa de "crença". Não podemos
esquecer que o crente é, também, de alguma forma, um "místico" que é
afetado, sempre positivamente (caso contrário não seria levado a
"pregar" sua crença), por sua experiência religiosa. Entender dessa
forma, penso, resolveria o problema da diversidade de crença e da necessidade
da pregação e das missões;
2) O fim do
sistema de apelo. O sistema de apelo, pelo menos dentro da cristandade
protestante, foi introduzido no século XIX, por Charles Finey. Ele consiste na “insistência”
para que o ouvinte acate e creia no que se estar sendo pregado. Essa
insistência varia de acordo com o pregador e com sua comunidade religiosa,
denotando, muitas vezes, de fato, falta de respeito pela crença original do
outro. Observemos: uma coisa é pregar ou falar acerca da sua crença e outra é
você empreender esforço extra e insistente no sentido de promover ou tentar
promover a conversão do outro. Então, como deveria ser a pregação do
missionário? Ele deve apenas apresentar sua mensagem, nada mais. Não deve ter sequer
nenhum compromisso, além da pregação de "sua verdade", com a
conversão do seu ouvinte. Assim, o pregador "A" prega sua mensagem,
da mesma forma que o pregador "B", "C", "D",
"Z", etc. Teríamos, então, uma diversidade de crenças expostas e colocadas
como alternativa. Quem sabe isso não promoveria o diálogo acerca das mais
variadas crenças?
E a conversão? Como se daria? Isso passaria a ser assunto para os "deuses". Que eles trabalhem nos corações e os convertam para si.
Muito bom texto.
ResponderExcluirComo proposta é impossível o outro desfrutar da mesma experiência maravilhosa sem abandonar o falso e abraçar as verdades do evangelho.