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sexta-feira, 7 de abril de 2023

A FORMAÇÃO DA DEMOCRACIA MODERNA: A contribuição das ideias religiosas dos puritanos no século XVII – DEFESA DA TESE 1/6

 

INTRODUÇÃO

Penso que cabe investir algum tempo para relembrar a trajetória que nos conduziu até à produção final de nossa tese.

Nosso antigo interesse pelo calvinismo, inicialmente apenas pela teologia, como ocorre, no Brasil, com a maioria absoluta dos simpatizantes das ideias de Calvino, nos levou a Max Weber e à sua consagrada relação entre a origem do “espírito do capitalismo” e o “calvinismo”, demonstrado em sua mais famosa obra “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, publicada originalmente em 1904. Com esse novo conhecimento agregado, estava estabelecido que os efeitos psicológicos da doutrina da eleição haviam sido um fator influenciador vigoroso de relações econômicas; uma novidade considerando que até então se acreditava, especialmente por conta do Marxismo, que mudanças econômicas possuíam como causas apenas fatores econômicos.

De Weber, veio também o referencial teórico que norteou nossa tese, com o conceito de “desencantamento” ou “desmagicização” do mundo, como diz Wolfgang em sua obra “O desencantamento do mundo”:

Encantamento significa magicização do mundo, então desencantamento significa sua desmagicização. Esse é o entendimento histórico-religioso sobre desencantamento do mundo” (WOLFGANG, 2014, p. 40).

Não é exagero afirmar que o puritanismo, ao lado da ciência moderna, “Jerusalém e Atenas” (Ibid., p. 44), no dizer de Wolfgang, pôs um ponto final no “encantamento do mundo” produzido, principalmente, pela “magia” dos sacramentos católicos, especialmente o da transubstanciação, como afirma Sell, na obra “Max Weber e a racionalização da vida no mundo”: “a desmagificação especificamente puritana é, estritamente falando, des-sacramentalização da prática religiosa” (SELL, 2013, p. 245).

A partir desses pressupostos weberiano fomos instigados a pesquisar outras possibilidades de influência do calvinismo para além da teologia. Assim, chegamos à política.

A primeira vez que esse binômio “política e calvinismo” se nos foi apresentado foi por intermédio da obra de Abraham Kuyper (1837-1920), um calvinista que atuou como Primeiro-ministro da Holanda, de 1901 a 1905 e que defendia o calvinismo como um verdadeiro sistema de vida; como uma cosmovisão que deveria fazer frente ao modernismo, influenciando todas as áreas da vida.

Com a atenção voltada para identificar qualquer aspecto da política que pudesse ter alguma ligação com o calvinismo chegamos, inevitavelmente, a atuação política dos puritanos, calvinistas ingleses do século XVII.

Algumas leituras na área das ciências políticas, aliadas ao conhecimento prévio da teologia puritana, sobretudo da eclesiologia calvinista/reformada, foram suficientes para intuirmos que a atuação política dos puritanos poderia ter uma relevância muitíssimo maior que a simples ocupação de cargos políticos, como era nossa expectativa inicial.

A cada leitura as palavras “puritanos” e “democracia” apareciam de forma recorrente no mesmo cenário. Esse era um fato curioso porque a democracia era uma forma de governo que havia estado ativa até, no máximo, o século V a.C, em Atenas; a chamada Democracia Direta ou Democracia grega. Depois disso ela, essa Democracia direta, simplesmente sumiu; foi completamente descontinuada, dando lugar à monarquias absolutistas e outros tipos de despotismos. Com o surgimento do Estado Moderno, com extensões cada vez maiores, a chamada Democracia direta, dos gregos, que já estava descontinuada, tornou-se absolutamente inviável.

Apesar disso, as referências “democracia” e “puritanos” continuavam a aparecer em vários textos. Contudo, notamos que uma mudança substancial havia acontecido: A democracia que aparecia nas leituras não era mais a mesma. Não se falava mais na “Antiga” Democracia grega, direta, exercida por todo o povo simultaneamente. Antes, uma adaptação, uma modificação no “DNA” da democracia havia sido introduzida. O conceito de “povo no poder”, “poder que emana do povo”, dos gregos, havia sido preservado. Porém, esse poder, agora, era exercido por meio de “representantes eleitos”.

Finalmente, tínhamos, no mesmo cenário de nossas leituras, as palavras: “democracia”, “representantes eleitos” e “puritanos”. Diversas citações de renomados pesquisadores da história da Inglaterra e de suas importantes revoluções do século XVII, a exemplo de Christopher Hill, David Hume e tantos outros, começaram a “saltar aos nossos olhos”, indicando que estávamos prestes a desvelar um dos motivos que impulsionaram o nascimento ou a formatação de uma novidade sem precedentes práticos no âmbito da política, especificamente quanto à forma de governo civil.

À essa altura de nossa “peregrinação”, palavra utilizada aqui para fazer referência à famosa obra “O Peregrino”, do puritano John Bunyan (1628-1688), publicado originalmente em 1678, por textos antigos e recentes, algumas perguntas começaram a surgir.

Continua na próxima postagem - 2/6

terça-feira, 22 de novembro de 2022

DEFENDENDO A COSMOVISÃO CRISTÃ A PARTIR DAS DOUTRINAS DA CRIAÇÃO, QUEDA E REDENÇÃO - 3/3

 

A DEFESA PRÁTICA DA COSMOVISÃO JUDAICO/CRISTÃ.

 CRIAÇÃO X EVOLUCIONISMO

O primeiro tema que nos foi proposto, dentro desse ambiente de cosmovisão foi Criação. Todo servo de Deus precisa saber defender bem esse tema, pelo menos de forma geral.

A doutrina da criação não é uma cosmovisão, mas defendê-la implica na defesa da cosmovisão judaico/cristã, porque a cosmovisão modernista tem seu contraponto da criação, que é a teoria da evolução e do big bang.

Eles afirmam que tudo veio a existir a partir de uma grande explosão, e que o homem é fruto de um processo evolutivo de uma espécie inferior.

E nós? O que afirmamos? A Confissão de Fé de Westminster afirma, no CAPÍTULO IV DA CRIAÇÃO:

I. Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis. Rom. 9:36; Heb. 1:2; João 1:2-3, Rom. 1:20; Sal. 104:24; Jer. 10: 12; Gen. 1; At. 17:24; Col. 1: 16; Exo. 20: 11.  II. Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas. Gen. 1:27 e 2:7; Sal. 8:5; Ecl. 12:7; Mat. 10:28; Rom. 2:14, 15; Col. 3:10; Gen. 3:6.

Apenas como ilustração de como pode ser feita a defesa desse princípio da criação e, por consequência, da cosmovisão judaico/cristã: lembro que uma aluna do 5º período de administração fez a seguinte pergunta: “mas o senhor não acredita nessa besteira de criacionismo não, não é? Devolvi a pergunta: você “acredita” em quê? (Nesse momento escrevi a palavra “acredita” no quadro). Na evolução, respondeu. Perguntei novamente: você acredita na tese ou na teoria da evolução? Ela ficou confusa e não soube responder. Ponto para o professor. Expliquei que a diferença e disse que uma teoria precisa ser testada, comprovada. E arrematei: “a teoria da evolução ainda não foi provada empiricamente”. E concluí: “você acerta quando diz que “acredita” no evolucionismo, porque é a única base que tem para defendê-lo. Então, quem defende o criacionismo é pela fé, quem defende o evolucionismo é também pela fé. Portando, não cabe nenhum sentimento de superioridade ou arrogância. Estão todos no mesmo barco da fé”.

Percebe? Defender a cosmovisão cristã não se trata de pregar ou evangelizar. Porém, quando você defende essa cosmovisão, você contribui para deixar o ambiente favorável e receptivo para o evangelismo, se for o caso.

Alguns podem argumentar que não saberiam defender a cosmovisão judaico/cristã nessa questão da criação. Há algo que você pode fazer:

Deus estabeleceu UM DIA DE DESCANSO, por força de Sua Lei Moral, basicamente para lembrar DOIS dos Seus GRANDES FEITOS, em favor da humanidade e do seu povo, especificamente. Um foi a libertação do Egito. E o outro foi, exatamente a criação. Ler Êxodo 20:8-11. Portanto, guardar o dia do Senhor é defender esse princípio da criação e a cosmovisão judaico/cristã.

 QUEDA X ANTROPOLOGIA DE HOUSSEAU

O segundo tema que foi proposto dentro do cenário de cosmovisão foi a queda. É muito importante defender que o homem caiu do seu estado de inocência e tornou-se totalmente depravado, como dia a Confissão de Fé de Westminster, no CAPÍTULO VIDA QUEDA DO HOMEM, DO PECADO E DO SEU CASTIGO:

I. Nossos primeiros pais, seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pecaram, comendo do fruto proibido. Segundo o seu sábio e santo conselho, foi Deus servido permitir este pecado deles, havendo determinado ordená-lo para a sua própria glória. Gen. 3:13; II Cor. 11:3; Rom. 11:32 e 5:20-21. II. Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma. Gen. 3:6-8; Rom. 3:23; Gen. 2:17; Ef. 2:1-3; Rom. 5:12; Gen. 6:5; Jer. 17:9; Tito 1:15; Rom.3:10-18. III. Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária. At. 17:26; Gen. 2:17; Rom. 5:17, 15-19; I Cor. 15:21-22,45, 49; Sal.51:5; Gen.5:3; João3:6. IV. Desta corrupção original pela qual ficamos totalmente indispostos, adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais. Rom. 5:6, 7:18 e 5:7; Col. 1:21; Gen. 6:5 e 8:21; Rom. 3:10-12; Tiago 1:14-15; Ef. 2:2-3; Mat. 15-19.

O contraponto da cosmovisão modernista, que visa destruir a cosmovisão cristã para se estabelecer no lugar dela, em torno da antropologia bíblica, é trazido pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que considerava o homem “bom” por natureza, portanto, uma negação da doutrina da queda: “o ser humano nasce bom, a sociedade o corrompe”.

Essas duas visões acerca do homem interferem até no modelo de educação a ser adotado. Se você defende que o homem é mal, como afirma a antropologia bíblica, isso produzirá uma educação mais rígida, disciplinar, ao estilo da educação clássica, jesuítica. Se acredita que o homem é bom, vai ser privilegiado uma educação centrada no aluno, sem nenhum tipo de freio ético ou moral, que propicia, inclusive um ambiente favorável à violência contra o professor.

REDENÇÃO DE CRISTO X REDENÇÃO DO ESTADO

O terceiro e último ponto que foi proposto dentro do cenário de cosmovisão foi redenção.

A cosmovisão modernista prega uma redenção por meio do Estado, que atua como um pai provedor. Na perspectiva da cosmovisão modernista que é, necessariamente anticristã, o Estado assume o lugar de Deus.

Franklin Ferreira, em seu excelente livro “Contra a idolatrai do Estado”, afirma:

A esquerda pode ser definida como aquele modelo do espectro político em que há pouca ou nenhuma liberdade pessoal e econômica, em que o Estado ou partido ganha uma dimensão transcendente, agindo para estender seu domínio sobre todas as esferas da sociedade (2016, p.125-126).

A expressão “dimensão transcendente” aponta para um Estado que ocupa o lugar de Deus, sendo o único provedor do homem. É exatamente por isso que os países governados por partidos de esquerda tendem a ser empobrecidos, porque o Estado vai destruindo todos os “possíveis provedores”, principalmente a própria liberdade do homem até assumir, sozinho, esse posto. A população, então, empobrecida passa a ser sustentada pelas migalhas do Estado, gerando uma situação de dependência e até adoração por parte do homem que ganha o prato de comida.

Apresentar que apenas Cristo é o redentor do homem é muito importante para que a cosmovisão cristã prevaleça. O cristianismo é a última barreira para a implantação de estados socialistas, comunistas, que promovem o endeusamento do Estado, o que se constitui em idolatria e quebra flagrante do primeiro e segundo mandamentos.

Concluiremos citando a pergunta 90 do Catecismo Maior de Westminster, que apresenta a redenção celestial e não numa suposta terra restaurada, vindo da parte de Deus:

90. Que sucederá aos justos no dia do juízo? No dia do juízo os justos, sendo arrebatados para encontrar a Cristo nas nuvens, serão postas à sua destra e ali, abertamente, reconhecidos e justificados, se unirão com Ele para julgar os réprobos, anjos e homens; e serão recebidos no céu, onde serão plenamente e para sempre libertados de todo o pecado e miséria, cheios de gozos inefáveis, feitos perfeitamente santos e felizes, no corpo e na alma, na companhia de inumeráveis santos e anjos, mas especialmente na imediata visão e fruição de Deus o Pai, de nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo, por toda a eternidade. É esta a perfeita e plena comunhão de que os membros da Igreja invisível gozarão com Cristo em glória, na ressurreição e no dia do juízo. I Tess, 4:17; Mat. 25:33, e 10:32; I Cor. 6:2-3; Mat. 25:34, 46; Ef. 5:27; Sal 16:11; Heb. 12:22-23; I João 3:2; I Cor, 13:12; I Tess. 4:17-18.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

DEFENDENDO A COSMOVISÃO CRISTÃ A PARTIR DAS DOUTRINAS DA CRIAÇÃO, QUEDA E REDENÇÃO - 2/3


  COSMOVISÕES EM CONFLITO:

Kuyper afirma que não há uma convivência pacífica entre cosmovisões diferentes. Uma quer destruir a outra para se estabelecer no lugar dela. Essa ideia de guerra, combate entre sistemas é bem comum nas Escrituras. Por exemplo: Gálatas 5:17, Efésios 6:11-13.

Muitos cristãos ainda não se deram conta que estamos em meio a uma guerra entre cosmovisões. Só há espaço para uma cosmovisão. Uma vai prevalecer e outra vai ser destruída. É, de fato, um combate mortal e muitos cristãos estão lutando exatamente na trincheira que quer destruir o cristianismo. Isso ficou bem claro na eleição de 2022. 

Diferentemente dos cristãos desavisados, sabe quem lutava abertamente para destruir a cosmovisão cristã, que está estabelecida, e colocar no lugar a cosmovisão modernista, anticristã, necessariamente?

KARL MARX (1818–1883) – Materialismo histórico/dialético. Veja o que ele diz: 

Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o ópio do mundo (K. Marx apud ALVES 1999. P. 68). 

ANTONIO GRAMSCI (1891-1937) – Marxismo Cultural, que afirmou:

Uma concepção do mundo não pode revelar-se como válida e impregnar toda uma sociedade até converter-se em uma fé (mudar a mente das pessoas), se não demonstrar que é capaz de substituir as concepções e crenças anteriores (cristianismo) em todos os graus da vida estatal (GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 20).

domingo, 20 de novembro de 2022

DEFENDENDO A COSMOVISÃO CRISTÃ A PARTIR DAS DOUTRINAS DA CRIAÇÃO, QUEDA E REDENÇÃO - 1/3


DEFININDO COSMOVISÃO:

Cosmovisão não é uma ideia, não é uma teoria, não é uma crença em que se possa crer. É algo anterior a tudo isso. É uma construção coletiva, não intencional, sintética, ampla, abrangente e já estão dadas. Alguém já definiu cosmovisão como “lentes para enxergar o mundo”. Note: é algo que vem antes da ideia de mundo que você terá e que afetará, necessariamente, a visão de mundo que você terá. É uma boa definição. Gosto de pensar na cosmovisão, também, como uma estrada, que apontará o destino que você vai seguir. Note, novamente: é algo anterior à sua viagem. Dependendo da estrada que você pegue ela te levará a lugares diferentes. A cosmovisão afeta, naturalmente, necessariamente, suas percepções, suas escolhas.

TIPOS DE COSMOVISÕES:

Abraan Kuypper (1837-1920), costumava apontar a existência do que ele chamava de “sistemas de vida”. Um sistema é uma cosmovisão ampla que engloba o que você pensa acerca do homem, de Deus e do mundo. Diz ele:

 

Dois sistemas de vida estão em combate mortal.  De um lado o Modernismo (que envolve ateísmo, secularismo, feminismo) comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza”, do outro, o cristianismo (KUYPER, 2002, p.19). 

 

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