A conseqüência
lógica da antropologia agostiniana: a predestinação: um retorno à sua noção de
eternidade
Para Agostinho,
sendo o homem incapaz de qualquer bem por si só, estando com sua natureza corrompida e
totalmente depravado, resta-lhe tão somente esperar o favor não merecido da
Graça Divina. A partir desse ponto, e
como conseqüência lógica e racional de sua Antropologia, ele desenvolve seu conceito de
Predestinação, que nos remeterá de volta, necessariamente, à eternidade, uma
vez que é lá que nasce o decreto eterno da eleição. A predestinação ou eleição
agostiniana, muito embora tenha suas bases firmadas em escritos paulinos, é a
alternativa encontrada por Agostinho para resolver o problema da natureza
decaída do homem. Ora, se o homem, segundo ele, não possui mais as condições para,
por suas próprias forças, fazer qualquer bem que concorra para a reabilitação
de sua própria natureza e considerando ainda que a revelação escriturística o
fazia entender que nem todos, por mais que tentassem, alcançariam tal
reabilitação, Agostinho avança, para a única conclusão cabível como desfecho de
sua Antropologia, para a única alternativa de reabilitação da alma decaída,
isto é, a Predestinação.
Agostinho chega
a conclusão que, na eternidade, Deus teria escolhido alguns homens para
agraciá-los com essa graça salvífica, não por merecimento, pois, por
merecimento todos deveriam, justamente, perecer eternamente na condição
decaída, como ele mesmo afirma:
Esses
testemunhos demonstram a concessão da graça de Deus não em atenção aos nossos
merecimentos. As vezes verifica-se a concessão não somente faltando
merecimentos mas existindo desmerecimentos prévios[1] .
No segundo
volume de sua obra “A graça” Agostinho desenvolve de forma clara e
inequívoca, não somente as bases de sua soterologia, mas, sobretudo, o desfecho
lógico de sua antropologia. Diz ele:
Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais
não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O
próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes
vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). Pois, se fossem
eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecerem
ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação aquele que diz: Não fostes vós
que me escolhestes. não há dúvida que eles também o escolheram, quando nele
acreditaram. Daí o ter ele dito:
Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, não porque não o escolheram para ser
escolhidos, mas para que o escolhessem, ele os escolheu. Isso porque a
misericórdia se lhes antecipou (Sl 53:11) segundo a graça, não segundo uma
dívida. Portanto, retirou-os do mundo quando ele vivia no mundo, mas já eram
eleitos em si mesmos antes da criação do mundo. Esta é a imutável verdade da
predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos
escolheu antes da fundação do mundo?(Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que
haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra
esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que
vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o
escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele. Conseqüentemente, foram
escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus
sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a
vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também
os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou os que predestinou e não a
outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a
outros com a consecução daquele fim que não tem fim. Portanto, Deus escolheu os
crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram. Diz o apóstolo Tiago: Não
escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros
do Reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5). Portanto, ao escolher, fá-los
ricos na fé, assim como herdeiros do Reino. Pois, com razão, se diz que Deus
escolheu nos que crêem aquilo pelo qual os escolheu para neles realizá-lo.
Pergunto: quem ouvir o Senhor, que diz: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi,
terá atrevimento de dizer que os homens têm fé para ser escolhidos, quando a verdade é que são escolhidos para
crer? A não ser que se ponham contra a sentença da Verdade e digam que
escolheram antes a Cristo aqueles aos quais ele disse: Não fostes vós que me
escolhestes, mas fui eu que vos escolhi[2].
Nenhum comentário:
Postar um comentário