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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A GUERRA NO RIO E O MAGISTRADO CIVIL: A HISTÓRIA PODERIA TER SIDO DIFERENTE

Desde o dia 25/11/2010 o Rio de Janeiro vive aquela que está sendo considerada "a batalha final". A maior operação policial da história do Estado. Centenas de policiais civis, militares (inclusive do famoso BOPE) e Federais invadiram a Vila Cruzeiro e o complexo do Alemão, dois dos principal redutos do tráfico de drogas. A operação contou ainda com o apoio de blindados da Marinha, fuzileiros navais, homens e viaturas do Exército e helicopteros da aeronáutica.

Essa mega operação produziu cenas, infelizmente reais, que poderiam facilmente dar continuidade à excelente série Tropa de Elite. Uma frase, porém, em meio às imagens quase cinematográficas, resumiu e diagnosticou o verdadeiro problema do Rio de Janeiro:

"A Vila Cruzeiro hoje pertence ao estado". A frase foi dita pelo subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, delegado Rodrigo Oliveira, quando descia da favela cerca de uma hora depois que policiais chegaram ao topo do morro, no início da noite desta quinta-feira (25).

Essa frase é emblemática. Um tácito reconhecimento da existência de um "Estado paralelo" no Rio de Janeiro. Foram décadas de descaso e completo abandono por parte daqueles que deveriam promover a justiça, a igualdade e a paz social. Enquanto o Estado era completamente omisso, o povo da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão precisava criar meios, por conta própria, de sobreviver. Enquanto o Estado dava as costas para essas comunidades, suas crianças cresciam, observavam e sentiam o que significa ser órfão de Estado e, consequentemente, de pais (muitos mortos por culpa dessa nefasta omissão). Essas crianças cresceram e encontraram no tráfico de drogas uma maneira de dizer que não aceitavam mais, de forma passiva, a "sociedade anárquica" a que sempre foram submetidas, sem outra alternativa, implantando, assim, suas próprias leis, seu próprio "Estado Paralelo".

O filme Tropa de Elite 2 foi muito feliz ao abordar o tema da violênica no Rio, demonstrando com sobriedade como funciona o esquema de retro-alimentação do crime organizado. Na verdade, os criminosos não são tão "organizados" assim como se pensa. Isso ficou claro na ofensiva das forças policiais do Rio. A pouca organização que dispõem é fornecida pela própria máquina do Estado, que tem muitas engrenagens corrompidas. Veja um trecho do filme em que o protagonista, agora Coronel Nascimento, denuncia a corrupção do Estado como principal causa do caos que se instalou no Rio de Janeiro:

Melhor previnir que remediar, já dizia o ditado. Por não ter feito seu papel de Estado e por ter abandonado essas comunidades, a força bélica empreendida nessa mega operação foi o único recurso cabível na "retomada" desses territórios para o "Estado" e não duvidem: isso ocorreu por motivos espúrios. Não estou dizendo que os policiais não são os heróis e libertadores da população. Lutaram com bravura. Mas, assim como o povo daquela região, também estão sendo usados. Tudo poderia ter sido diferente. Bastava o mínimo: escolas, saúde, saneamento, dignidade, presença do Estado. Aquelas crianças ou pelo menos a maioria delas, certamente, não teriam se tornado, numa desesperada tentativa de sobreviver, nos mais perigosos traficantes do Brasil. O que acabamos de afirmar não é nenhum exagero. A imagem acima, capa da Revista Veja de 1981, testemunha em nosso favor. Trinta anos se passaram e a inércia do Estado permaneceu a mesma. Alguém quer arriscar os motivos que resultaram no fim dessa quietude absurda?

A Confissão de Fé de Westminster, importante documento cristão do século XVII, em seu capítulo "Do Magistrado Civil" ressalta a importância do Estado, que deve agir como ministro de Deus:

"I-Deus, o Senhor e Rei de todo o mundo para a sua própria glória e para o bem do público, constituiu sobre o povo magistrados civis, a Ele sujeitos, e para este fim os armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores. III- Os magistrados civis [...], como pais solícitos têm o dever de proteger a pessoa".

O grande reformador João Calvino, falando sobre a grande responsabilidade dos que governam, em suas Institutas Livro IV, capítulo 20 e seção 4, afirma que "Se eles cometem qualquer pecado, isso não é apenas um mal realizado contra pessoas que estão sendo perversamente atormentadas por eles, mas representa, igualmente, um insulto contra o próprio Deus, de quem profanam o sagrado tribunal. Por outro lado, eles possuem uma admirável fonte de conforto quando refletem que não estão meramente envolvidos em ocupações profanas, indignas de um servo de Deus, mas ocupam um ofício por demais sagrado, porque são embaixadores de Deus".

Quando o "Magistrado Civil", representantes legais do Estado, se corrompe, o povo sofre. Roguemos a Deus, conforme nos orienta a CFW, seção IV: "É dever do povo orar pelos magistrados", para que nossos governantes não mais dêem as costas para a população em troca de dinheiro sujo, para que este lamentável filme não se repita.

Por enquanto, não devemos nos iludir com essa mega operação no Rio. Ela não foi deflagrada em defesa daqueles que viviam como reféns do trafico, dos mais carentes, nem mesmo das pessoas que moram na Vila Cruzeiro e no complexo do Alemão, como querem que acreditemos. Tudo isso é por causa dos muitos dólares que serão trazidos pela Copa do Mundo de Futebol e pela Olimpíada. Mais uma vez o Estado está a serviço dos mais abastardos, que por aqui pisarão em 2014 e 2016. Aos pobres, que não terão direito de frequentar esses eventos resta, orgulhosamente, fartar-se com "as migalhas que caem da mesa dos ricos", como sempre foi.

5 comentários:

  1. Fábio, armistício cancelado entre nós. kkkk. Depois de ter concordado integralmente com você em um post anterior, divergimos em parte importante deste. Trata-se de sua referência ao "tropa de elite". O filme é fraquinho em argumento, o segundo muito mais do que no primeiro, essencialmente resumido na música tema 'pega um, pega geral, também vai pegar você'. Ou seja, é só 'botar no saco' que vai tudo se resolver. Claro, que para os defensores da pena de morte, deve dar uma alegria toda especial assistir ao filme. Mas ele é tão razinho ao explicar qualquer coisa que seja! E o agora 'coronel' Nascimento? Burro feito uma porta! Depois de tentar construir uma imagem de alguém muito preparado, o roteiro nos apresenta o coronel trabalhando sem perceber para as milícias por VÁRIOS ANOS!!! Pense num cara burro! Chefiando a central de escutas e tomando conta do "Guardião", não conseguiu nem ler jornal e descobrir que as milícias estavam 'tocando o terror'.kkkkkkkk.

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  2. Outro ponto fundamental. Enquanto 'tropa', ao contrário do que o nome indica, está centrado na imagem (recorrente no cinema americano, que já copiou da literatura) do 'pistoleiro solitário', do personagem que renuncia a vida pessoal e sai sozinho contra o genérico 'sistema' (muito cômodo tirar o nome dos responsáveis pela desagregação social e nomeá-los todos em um sujeito oculto: 'o sistema'). Ah, e vai resolver na porrada.

    No Rio, neste fim de semana é tudo diferente disto. Inteligência, escuta, integração entre polícias, entre forças diferentes que detém o monopólio da força (Armadas e polícias de vários níveis), diferentes órgãos de governo e o desenrolar de um programa que já vem sendo posto em prática há algum tempo, as UPPs.

    Não sou ingênuo e não vou dizer que a Copa não tem nada a ver, mas não sou cético e dizer que ela é fruto apenas do oportunismo e vontade de lucro. Vejamos.
    1) as UPPs começaram com comunidades menores a título de teste e projeto piloto. Por sinal, é bom lembrar que José Serra (que foi o candidato de muito filósofo bom por aí) dizia que as UPPS não serviam para nada e que, exatamente por só estarem até então em comunidades pequenas, não poderiam ter a sua experiência expandida para comunidades maiores como o Dona Marta, o Alemão e a Rocinha. Se Zé Pedágio tivesse sido eleito, talvez o Rio não estaria hoje sendo libertado.
    2) É importante lembrar que pela primeira vez o prefeito, o governador e o presidente são aliados. E isso passou a ocorrer há apenas dois anos com a eleição de Eduardo Paes. Na época da capa da Veja, havia uma campanha já para desestabilizar o governo de Brizola que era governador do Rio, depois a gestão desastrosa e corrupta do presbiteriano-professor-de-escola-bíblica-radialista Anthony Garotinho (perdão pela provocação extra, mas não resisti, kkkkkk). Depois teve o assessor de Serra, Marcelo Itagiba, que foi secretário de segurança pública do Rio com Garotinho e está sendo processado pelo MP por comandar a corrupção da polícia de dentro da Secretaria (aliás, um dos personagens de 'tropa' é inspirado nele) e foi eleito deputado federal garantindo sua im(p)unidade.
    3) Ainda há uma questão que tratam nos bastidores sobre o Exército não ter autorizado há muito tempo o uso de blindados para romper com os bloqueios dos bandidos e só depois que o governador Cabral aproximou-se da Marinha, conseguiu os tanques anfíbios para fazer a invasão. Depois que anfíbios já estavam subindo, o Exército chegou atrás.
    Pois é.

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  3. Claudio:

    Esqueceu de comentar o artigo. Não sabia que vc era crítico de cinema. Tropa de Elite aqui é só um detalhe..rs..

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  4. kkkk. Então vamos lá. Comentei acima sobre:
    1) a visão superficial e fascista do filme e como a solução proposta por ele é balela e não é nem um pouco feliz, em minha opinião.
    2) e assinalei as diferenças imensas entre o que está acontecendo e o que o filme recomenda como receita para resolver o crime (fórmula sintetizada nas cenas de tortura do 'põe no saco' e no combate a um tal de 'sistema', kkkkk). É muito cômodo para o Padilha não falar da briga da Globo com o Rio porque afinal, ele vai querer passar sua película na TV do 'sistema', kkkkkk.
    3) que não vejo a ação apenas como motivada pela copa.
    4) que não pode se deixar de considerar a falta de interesse dos ocupantes de governo federal/estadual/municipal em durrubar uns aos outros, visto que são aliados (o que é uma tragédia, considerando que não colaborar por motivo político é tudo menos moderno e republicano)
    5)que a não colaboração não era apenas entre os políticos, mas a própria Globo fez questão de estigmatizar o Rio como foco da violência nacional. Em São Paulo ninguém cheira?! Não foi em São Paulo que o PCC decretou o 'salve geral', matando inúmeros policiais e tomando o estado de assalto?! Mas de lá ninguém fala porque é a cidadela do PSDB. O silêncio sobre o assunto ajuda a passar a impressão de que lá não tem disso e o PSDB completa 20 anos de controle sobre a máquina pública.
    5) sobre as recomendações de Calvino para o 'magistrado civil' não vi necessidade de comentar, estão em essência corretas, embora seja objeto de discussão as relações entre o magistrado civil e o religioso. O mundo de Calvino não conheceu a separação entre igreja e estado que seria consolidada pela constituição dos EUA um século e meio mais tarde.

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  5. Cláudios:

    Estou começando a ficar preocupado com vc..rs. Essa mania de perseguição ao PT e sua idéia de teoria da conspiração pra derrubar o PT está lhe deixando um tanto quanto neorótico...rs.

    1- Vai negar que o crime organizado (especialmente no RIO) é alimentado, também, por representantes do Estado?

    2- O Rio é o foco mesmo. As favelas de São Paulo não podem ser comparadas às do Rio. E quando houve a crise em São Paulo foi denunciado da mesma forma, inclusive pela Globo.

    3- Se essas ações no Rio não estiverem acontecendo por causa da copa, então, fico muito feliz. Que bom que nossos políticos mudaram a visão (de uma hora para outra) e agora estão se preocupando com os favelados não é? E não venha atribuir os louros ao PT porque só de PT temos oito anos e nada disso tinha ocorrido. Foi absurdamente fácil RETOMAR o território. Por que não o fizeram antes? Blá..blá..bla...de briga de poderes? Note que estou colocando tudo no mesmo saco, como farinha. Espero estar errado, mas acreditar que os favelados agora são amados e que tudo isso é só e somente só (como deveria ser, aliás) por eles e não por outro motivo...isso tá meio dificil...rs.

    4- Sobre as considerações de Calvino, ele eera realmente visionário, neste sentido. Semrpe defendeu a separação entre igreja e Estado, ainda que não tivesse visto.

    5- Fique tranquilo. O sistema solar não está conspirando contra o PT...rs. É que as vezes isso nem é preciso..rs....kkkkk

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