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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

QUE FELIZ ANO NOVO QUE NADA!



Você vai desejar feliz ano novo para todos que encontrar? Vai esperar o relógio bater meia noite para abraçar seus amigos e familiares? Vai passar a noite em claro? Vai vestir roupa nova? Está pondo toda sua esperança no ano novo? Fez diversas promessas de mudanças a você mesmo? Prometeu fazer aquele regime que não conseguiu fazer em 2015? Vai estudar mais? Vai dar mais atenção às coisas espirituais? Prometeu deixar de fumar? Fez vários planos de mudanças? Vai dar uma guinada em sua vida? 

São expectativas que a maioria das pessoas nutrem com a chegada de um novo ano. Mais isso não passa de engodo. Tudo isso não tem a menor importância real. 

Sabemos disso, mas preferimos nos enganar, como se algo realmente novo fosse acontecer com a virada do ano. 

O que é o ano novo? O que há de diferente em um ano novo? Absolutamente nada. Costumamos revestir essa passagem de um ano para outro com uma capa de misticismo tão grande que acabamos por nos iludir com ela. É como alguém que faz uma estátua e depois diz: “é o nosso deus”, à semelhança do que ocorreu no tempo de Moisés. Por que não comemoramos a passagem de um dia para o outro? E de uma semana para outra? E de um mês para o outro? Pois, se fizermos o caminho inverso, é exatamente isso que encontraremos: um ano após o outro, um mês após o outro, uma semana após a outra, uma hora após a outra e, finalmente, um minuto após o outro e assim sucessiva e infinitamente. 

Deixemos de besteiras! Não existe "novo ano". O que existe é simplesmente a virada da folha do calendário. Exatamente igual como a do mês passado, e passado, e passado...e passado. 

Nossa expectativa não deve ser depositada em um "novo ano". Antes, é melhor dizer como o salmista: “Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa, porque dele vem a minha esperança” (Salmo 62:5).

sábado, 31 de outubro de 2015

REFORMA X AVIVAMENTO: A MODA VOLTOU!



O clamor por avivamento voltou, assim como moda que vem e vai. Só em 2015 já tivemos vários eventos  com o tema Avivamento.  Por exemplo, o tema da importante e reconhecida conferência Fiel deste ano foi “Vivifica-nos! e invocaremos teu nome”, além de vários Simpósios em igrejas locais com o mesmo viés. O importante teólogo reformado Rev. Franklin Ferreira, em meio a essa “nova” atmosfera avivalista, acaba de lançar seu mais novo livro, que não por coincidência, tem como título “Avivamento para a Igreja”, onde “oferece uma seleção para análise junto com o leitor, de alguns avivamentos encontrados nas páginas do texto sagrado, no transcurso da história da igreja e também em experiências individuais”[1], segundo a apresentação da obra pelo Dr. Russell Shedd, que ainda afirma, agora sobre o pensamento do autor acerca do tema avivamento:

“Franklin tem a convicção de que, mesmo que o Deus soberano ainda não nos tenha concedido o privilégio de experimentar movimentos como esses em nosso país, podemos e devemos ter a esperança de que isso venha a acontecer. Se Deus derramar de seu Espírito sobre nós hoje, provaremos de sua graça e misericórdia como nenhuma geração provou nos quase 160 anos da presença do povo evangélico no Brasil”[2].

Sim, parece que existe um desejo comum em todos os eventos, livros e pregações cujo tema principal é a “moda avivalista”: um novo “derramar de seu Espírito sobre nós hoje”.

Não, não estamos falando do apelo pentecostal à experiência mística, acho. Estamos falando de igrejas, pastores e teólogos de tradição Reformada. O binômio Reforma Protestante e Avivamento é a tônica do momento. Aliás, esse não é um tema estranho aos Reformadores. De fato, vários momentos importantes da história do Cristianismo protestante foram reconhecidos como “verdadeiros avivamentos”. Vejamos:

a) Reavivamento trazido pela Reforma Protestante
b) Reavivamento Morávio;
c) Reavimanento do Século XVIII (João Wesley e Jorge Whitefild)
d)Reavivamentos das colônia americanas entre 1725 e 1760 (Jonatas Edwards/Puritanos).

Claro que existiram outros momentos que são considerados “tempos de avivamento”, mas os Reformados gostam de citar, principalmente, esses. Rua Azuza, nem pensar.

Por uma questão de honestidade com os irmãos que entendem a Reforma Protestante como um desses “momentos de avivamento”, devemos dizer que sempre definem, sinteticamente, o momento de avivamento como “um retorno às escrituras sagradas” ou ainda “o transbordar natural de uma vida de acordo com as escrituras[3]”.  Porém, esse retorno, segundo eles, em última análise,  se dá por conta de uma espécie de “visitação especial, de derramamento do Espírito Santo sobre a igreja”. Veja, por exemplo, a definição do Rev.Franklin Ferreira:

“Avivamento é um poderoso e soberano derramamento do Espírito Santo [...]. Avivamento  é a obra do Espírito Santo Soberana  que atinge, alcança uma igreja local ou alcança um grupo de igrejas de determinada localidade [...]. Avivamento é o Espírito Santo vindo com poder sobre irmãos e irmãs[4]”.

É exatamente esse o ponto que entendemos como problemático.  Em que parte da bíblia encontramos esse ensinamento?

Existe uma promessa de “derramamento ou visitação do Espírito Santo” nas Escrituras Sagradas e está registrada em Joel 2:28 “E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões”. Será que estão se referindo a ela, quando pensam nessa “nova visitação” de Deus? Mas, a teologia Ortodoxa, Reformada não entende que essa promessa foi cumprida em Atos 2? Aliás, o próprio texto afirma isso. Vejamos: “Estes homens não estão embriagados, como pensais. Até porque são apenas nove horas da manhã. Muito diferente disto. O que está ocorrendo foi predito pelo profeta Joel: ‘Nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre todos os povos, os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos” (Atos 2:15-17).

Que Pentecostais esperem uma “novo visitar”  do Espírito Santo em suas vidas, além da Regeneração, é compreensivo. Reformados esperando o mesmo, confesso, considero algo estranhíssimo.

A palavra de Deus está cheia de textos que nos chamam a uma vida reta e CONSTANTE, a uma vida de SANTIDADE. Deus já disse como Quer que vivamos e o que Dele se deve crer, JÁ nos HABILITOU para isto com a VIDA (avivamento entendido como Regeneração). Por que haveria Ele de nos “visitar” novamente? Para dizer como deve ser nossa vida? Isso já fez. Para nos habilitar a segui-lo? Isso também já fez (ou será que ainda não?). Nós que já passamos pelo Novo Nascimento (Avivamento), temos condições de, NATURALMENTE, buscar as coisas celestiais (II Ped 1:4, I Ped 1:23 e Jo 3:6).

O que dizer então dos “avivamentos” registrados pela história, como a Reforma Protestante, por exemplo?

Em nossa opinião  não houve Avivamento coisa nenhuma (pelo menos no sentido em que é empregado -  por Reformados e Pentecostais -,  como uma nova visitação de Deus). O que houve simplesmente foi que algumas pessoas, devido a nova semente existente nelas e de forma NATURAL, e por “vontade viva e própria” (gerada pela natureza da nova semente), passaram a aplicar os princípios escriturísticos em suas vidas, em obediência aos constantes apelos das Escrituras Sagradas, para buscarmos a santificação.

O que tem de extraordinário nisso? Nada mais ordinário que isso. Não é o que Deus nos manda fazer? Lutero, Calvino e tantos outros simplesmente leram as escrituras e aplicaram às suas vidas. Só isso. Não receberam nenhuma visitação especial de Deus, além do milagre da Regeneração e da condução ordinária da Providência de Deus.
  
“Os Puritanos não usavam o termo técnico reavivamento para expressar aquilo que procuravam, mas expressavam seus objetivos totalmente no vocábulo REFORMA[5]”.

As pessoas hoje se admiram das mudanças provocadas naquelas épocas e atribuem isso a uma nova visitação de Deus. Segundo elas, a equação seria assim:  Ele “visita” e as pessoas passam a obedecer a bíblia e as mudanças acontecem. Essa ordem está errada. O correto e como de fato aconteceu e acontecerá é:  Eles OBEDECERAM a bíblia (porque estavam vivos, regenerados, portanto, habilitados para isso) e suas vidas modificaram, aliás, como deve ser, NATURALMENTE.

Antes de encerrarmos devemos lembrar que uma das característica peculiares e presentes em quase todos “momentos de avivamento” são as distorções, invencionices e afastamento de princípios básicos como o Sola Scripture.

Isso é dito com clareza pelo historiador Welliston Walker:

“No clima emocional do início do século XIX, insuflados por despertamentos religiosos, também surgiram vários movimentos que representam significativos afastamentos ou distorções do modelo evangélico protestante[6]”.
 
Hoje esses grupos que surgiram nesses “momentos de avivamento” representam um iminente perigo para a verdadeira fé evangélica. Entre eles, as conhecidas seitas Testemunha de Jeová e Mórmons. Estranho não?!

Vejamos algumas dessas invencionices e manifestações “espetaculares” desses “momentos de avivamento”:

O Rev.Franklin Ferreira, na mesma palestra,  já citada acima, faz a seguinte afirmação:

“Muitas vezes avivamento é acompanhado por sinais extraordinários e sinais miraculosos [...].  Pra ilustrar uma história que vem de Jonathas Edwards [...] quando voltava pra casa e indo até ao quarto de oração pra tirar o seu casaco ele encontra a mulher dele levitando a 30 cm do solo”.

Sinceramente? Reformado acreditar nisso é algo inacreditável.

Não é curioso que você não tenha um único exemplo bíblico que pelo menos se pareça com o que é descrito aqui como avivamento? Falar em avivamento é falar inevitavelmente nesses exemplos “maravilhosos” que aconteceram nesses que são acolhidos e reconhecidos como “momentos de avivamento”, ao melhor estilo Pentecostal.

Observe este relato de uma dos “momentos de Avivamento” registrado, pasmem, nas páginas do Jornal Os Puritanos Nº 05 de 1993: 

“Observou-se um menino profundamente impactado. O professor que era cristão [...] mandou o pequeno garoto ir para casa e buscar ao Senhor em particular [...] no caminho viram uma casa vazia e entraram para orar juntos [...] sentiu sua alma ser abençoada com uma paz sagrada [...] regozijando-se nesta NOVA e ESTRANHA BENÇÃO

A citação acima  faz uma estranha aproximação do pensamento “Reformado” com o pensamento Pentecostal, no que diz respeito a possibilidade e necessidade de uma “nova visitação” do Espírito Santo, comumente chamado de “avivamento”.

Por fim, se começarmos a viver de acordo com os princípios bíblicos (e já os conhecemos), se dedicarmos maior atenção a eles, se deixarmos a mentira, a avareza, a prostituição e todas as demais obras da carne, que tão bem conhecemos, e as substituirmos pelos Frutos do Espírito (e já somos HABILITADOS para isso), como a BÍBLIA nos exorta exaustivamente e pararmos de ficar olhando para as nuvens esperando uma “nova visita”  “extraordinária” de Deus (e isto não ocorrerá, a não ser na 2º vinda de Cristo), nossas vidas, nossas igrejas, nossos bairros, nossas cidades e nosso país, certamente serão “visivelmente” melhores e provavelmente também faremos parte dos escritos desses “homens de Deus” que escrevem sobre estes "supostos" avivamentos.




[1] https://vidanova.com.br/editora/lancamento/franklin-ferreira-lanca-obra-avivamento-para-a-igreja
[2] https://vidanova.com.br/editora/lancamento/franklin-ferreira-lanca-obra-avivamento-para-a-igreja
[3] STEGEN.  Avivamento na África do Sul. Editora clássicos evangélicos, 1991). 
[4] Palestra: Avivamento para a Igreja através da oração e da busca pelo Espírito Santo, que pode ser conferida em: https://www.youtube.com/watch?v=G8qOriFay2M .
[5] PACKER. Entre os Gigantes de Deus, p.36.
[6] História da Igreja Cristã Vol.2 p.279.

496 DE REFORMA PROTESTANTE: REFLEXÕES PARA IGREJAS TRADICIONAIS - Parte 1/2




Em 31 de Outubro de 1517 a Reforma Protestante, movimento do século XVI, completa 496 anos. Essa data é pontuada na história do cristianismo, mas não significa dizer que o "movimento de Reforma da igreja de Cristo" está circunscrito a esse tempo e espaço. A expressão Latina "Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est", que significa "igreja Reformada, sempre se Reformando", dá o tom de como deve ser entendido esse movimento. Gosto da palavra "movimento" para falar da reforma, pois ela trás uma ideia de gerúndio, de continuação. Portanto, seria mais adequado falar de "Reformas". A Reforma não foi "movimento estático". Isso constituiria uma contradição entre os termos.  A história do povo de Deus está cheia delas e cada uma com seus próprios "Reformadores'. Nesse sentido, Neemias foi um reformador, o Rei Josias foi um reformador, os profetas, cada um a seu tempo, foram reformadores. Os apóstolos foram reformadores. Agostinho foi um reformador. Sabe aqueles que ficaram conhecidos como "pré-reformadores"? Esse é um título equivocado e injusto. Foram reformadores em seu tempo. Jonh Huss e Wiclif, só para citar alguns, foram verdadeiramente reformadores. Os Puritanos foram reformadores. Todos esses e tantos outros foram tão reformadores da igreja de Cristo quanto Lutero e Calvino.

O que há em comum entre todos esses Reformadores, ao longo a história do cristianismo? Muitas características. Citarei apenas algumas: o amor e apego pela palavra revelada de Deus, seguindo-a como única regra de fé e de prática; o desejo sincero de ter a glória de Deus como objetivo principal e fim supremo de suas vidas e muitas outras facilmente percebida em todos eles. 

Mas, há em todos os Reformadores, citados e não citados aqui, uma característica indispensável, sem a qual não poderiam receber tal designação: A CORAGEM. Eles eram Homens de Verdade. Temiam somente à Deus, verdadeiramente. Não eram frouxos.

Lutero, por exemplo, ao ser convocado para comparecer à Dieta de Worms, para ser julgado diante do Imperador Carlos V, de Joann Eck, assistente do arcebispo de Trier e de outros emissários do Papa, não temeu, frente ao eminente perigo.

“Segundo John Fox, no seu famoso Livro de Mártires Cristãos, no capítulo História da Vida e Perseguições de Martinho Lutero, este foi dissuadido por seus amigos a não comparecer diante do Imperador, que não era simpático à causa reformada, o que poderia acarretar em condenação à morte, Fox assim descreve o ocorrido: “... Veio de modo contrário às expectativas de muitos, tanto dos adversários como dos amigos. Os seus admiradores deliberaram juntos, e muitos trataram despersuadi-lo para que não se aventurasse ao perigo de ir a Roma, pois consideraram que tantas vezes não se havia respeitado a promessa de segurança para as pessoas nesta condição. Ele, após ter ouvido todas as suas persuasões e conselhos, respondeu-lhes do seguinte modo: “No que a mim me diz respeito, uma vez que me chamaram, resolvi e estou certamente decidido a ir a Worms, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; sim, mesmo sabedor de que há ali tantos demônios para resistir-me, em número tão grande como o das telhas que cobrem as casas da cidade de Worms”. Segundo ainda algumas “lendas pias”, Lutero teria dito: “Se cada telha dos Castelos de Worms fosse um demônio, mesmo assim, eu iria, pois Castelo Forte é o nosso Deus!”, desta forma a canção que ele compôs foi chamada assim. Conforme:
 
(http://joceleniltongomes.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html#sthash.qRrKpkOk.dpuf). 

É exatamente essa CORAGEM que distingue um "Reformador" de um não "Reformador". Os fracos e covardes, que preferem assistir passivamente o lobo devorando as ovelhas, mesmo sendo sua função e chamado defendê-las, não merecem essa designação. "Poupar o lobo é sacrificar as ovelhas". 

Há no Brasil, também,  igrejas que são herdeiras diretas da Reforma Protestante do século XVI. Geralmente são chamadas de "tradicionais". Não só por conta do estilo sóbrio, simples e ortodoxo de sua liturgia. O termo remete à sua raiz histórica com a chamada Reforma Protestante do século XVI. São elas: Igreja Luterana, Igreja Presbiteriana, Igreja Reformada, Igreja Batista (se a consideramos fruto do movimento anabatista, ainda que um pouco tardiamente), entre outras pouquíssimas.

Com relação a essas igrejas, é quase unânime a afirmação que estão enfrentando uma "grave crise de identidade doutrinária", o que discordo, em certo sentido.

Vejo essa crise apenas na Igreja Batista,  não nas outras. 

Na Igreja Presbiteriana, por exemplo, não há uma "crise de identidade doutrinária", antes houvesse. A igreja, como instituição, preserva, ainda hoje, uma forte identificação confessional com os chamados símbolos de fé de Westminster - Confissão de Fé e Catecismos Maior e Breve, que constituem a interpretação oficial da igreja sobre diversos temas das Escrituras. A igreja sabe exatamente no que crê. Todas as suas estruturas funcionam perfeitamente como uma espécie de blindagem contra esse tipo de crise. É uma igreja confessional. Portanto, não sofre dessa "crise de identidade doutrinária".

Mas, o fato da IPB não sofrer dessa crise especifica, não significa dizer que está isenta de toda e qualquer crise. Pelo contrário, há uma GRAVE crise em seu meio: "a crise de HOMENS DE VERDADE, de HOMENS DE CORAGEM à semelhança dos Reformadores; de profetas de Deus que não temem perder o pescoço, à semelhança de João Batista; crise de Reformadores, de fato". 

Muitos pastores não fazem o que tem que ser feito, nas igrejas e nos concílios competentes, por conta de uma espécie de corporativismo velado que existe na "classe" e por conta de sua reeleição como pastor efetivo da igreja local. Aprovam candidatos sem condições, recepcionam pastores de outras denominações que não conhecem ao menos o básico da teologia da igreja, e tudo isso, na maioria das vezes, para satisfazerem aos anseios das "amizades". Além disso, fecham os olhos aos grotescos erros teológicos e de práxis religiosa e litúrgica de seus "colegas". E o que não dizer dos Presbíteros, principalmente, e dos Diáconos? A maioria deles são adeptos da filosofia do pragmatismo. Negociam práticas que são claramente contrárias às Escrituras, em nome de um suposto "não-radicalismo", mas, que, na verdade, querem ser "bem vistos" pelas "ovelhas subnutridas" das igrejas e, principalmente, pelas sociedades internas, transformadas, algumas vezes, em palanques "eclesiástico-eleitorais". Isso, sim, é verdadeiramente uma crise. Crise da Falta de HOMENS com a CORAGEM e a paixão pelas Escrituras que os Reformadores, de todos os tempos, tiveram. Essa crise é tão grave que parece supor a existência de uma "crise de identidade doutrinária", mas ela não existe. Essa falta de compromisso doutrinário de algumas igrejas locais e a quebra dos votos confessionais de alguns pastores e oficiais só ocorre por falta de HOMENS de CORAGEM no seio da igreja. Essa é a verdadeira crise que desencadeia todos os outros problemas da IPB.

Nunca pensei que publicaria uma música de origem pentecostal, muito menos ainda num post sobre a Reforma Protestante e, para piorar,  cantada por um "astro gospel" que não tem o menor compromisso com o Cristianismo, segundo ele mesmo. Mas, o fato é que ela se encaixa perfeitamente aqui, nesse contexto. Algo do tipo, como diria o Presb.Jonas Carvalho - um daqueles que têm coragem - "até as pedras clamarão". Na IPB, então: "Tá faltando João Batista, tá sobrando Salomé":

496 ANOS DE REFORMA PROTESTANTE: REFLEXÕES PARA IGREJAS PENTECOSTAIS 2/2



Quem já leu nossa série intitulada "Pentecostalismo e Reforma Protestante", arquivada aqui no blog em setembro e outubro/2011, sabe que não considero as igrejas pentecostais como igrejas "protestantes", no sentido de serem fruto ou de terem alguma espécie de ligação com a Reforma Protestante do século XVI. Em nossa opinião, o Pentecostalismo é muito grande para caber dentro da reforma. É um movimento completamente outro. Além disso, entendemos que as igrejas chamadas "Neo-Pentecostais" nada mais são que igrejas "Pentecostais", com algumas poucas variações; para pior, geralmente.

Por conta isso, reconhecemos que é um pouco fora de sentido direcionar algumas reflexões para as igrejas "Pentecostais históricas" e suas variantes Neo-pentecostais, dentro de uma postagem sobre a Reforma Protestante. Cometeremos esse deslize de forma consciente, entretanto:

Para iniciarmos nossas reflexões às igrejas Pentecostais, evocaremos a "tese" de nª 20/95, de Lutero, que diz: 

"O Teólogo da Glória chama de bom aquilo que é mau, e chama de mau aquilo que é bom; o teólogo da cruz chama as coisas pelo que são".

Para Lutero, os teólogos de seu tempo, a quem ele chama de "Teólogo da Glória", "criavam uma imagem de Deus que refletia apenas as próprias expectativas da humanidade sobre como Deus deveria ser", como afirma Carl Trueman, em seu excelente livro "Reforma ontem, hoje e amanhã", p.39. Eles, continua ele: "como a maioria das pessoas, esperam que Deus recompense aos que fazem coisas boas, entendendo, obviamente, que suas próprias obras são boas e louváveis diante de Deus".

Acaso não são "Teólogos da Glória" também os defensores hodiernos da teologia da prosperidade? Para eles, os crentes em Cristo precisam ser prósperos financeiramente. Precisam repreender a enfermidade; precisam viver regaladamente. Para eles, o sofrimento não deve fazer parte da vida do Cristão. São triunfalistas, materialistas, pregadores da vitória consumista e da glória; a glória própria.

Lutero, o teólogo da cruz, pensava absolutamente diferente. Certamente ele receberia um sonoro "tá repreendido em nome de Jesus" ao expor sua "teologia da cruz", do sofrimento, que ensina:

"Assim como Cristo aceitou o sofrimento e a morte como parte de sua própria vida e ministério, assim os que procuram andar em seus passos não devem esperar menos do que isso. A teologia da cruz [...] inverte as concepções humanas. A pergunta natural de alguém que está sofrendo de alguma forma é a seguinte: Por que eu? Por que essa coisa terrível está acontecendo comigo? Eu não fiz nada de errado. Para Lutero, a pergunta deve ser respondida olhando para a cruz: Se o sofrimento, a perseguição, a injustiça, o ódio e o escárnio são o quinhão de Cristo [...], devemos então esperar que nosso quinhão seja melhor? Em outras palavras, a pergunta não é tanto "Por que acontecem coisas ruins a pessoas boas?", e, sim: "Por que não acontecem mais coisas ruins às Pessoas boas?". De fato, para Lutero o sofrimento e a fraqueza são essência da vida cristã" (TRUEMAN, 2013, p.46,47).


Se as palavras acima já são mais que suficientes para deixarem os "teólogos da glória e da prosperidade" de "cabelo em pé", afastando-os cada vez mais de Lutero, talvez por entenderem ter ele recebido a influência do "demônio verdugo" (para saber mais sobre isso pergunte ao futuro Apóstolo "Eraldo Filho", no facebook), que o fez pensar assim, imagine, então, as que se seguem:

"Quanto mais alguém se assemelha a Cristo, tudo indica que mais propensa essa pessoa estará a sofrer e a sentir-se fraca e inadequada [...]. Naturalmente, isso não quer dizer que somos salvos por meio do sofrimento - de maneira nenhuma! O que está implícito é que, uma vez salvos, podemos esperar sofrimento e fraqueza como parte integrante da vida centrada em Cristo. Portanto, não devemos ficar surpresos quando as dificuldades surgem em nossa vida, pois elas são parte essencial da obra estranha de Deus, por meio da qual ele completa em nós a obra peculiar. O que deve o cristão esperar dessa vida? Saúde, riqueza e felicidade? É assim que Deus mostra sua graça e favor? Certamente isso é o que um teólogo da glória tomaria por certo: se Deus é bom para comigo, então ele me dará todas as coisas que tanto desejo. Os valores e as expectativas de um teólogo da glória são as mesmas do mundo ao redor. Assim, o sucesso espiritual deve ser julgado de maneira e maneira análoga ao suesso terreno, em termos de receita, status e credibilidade social. Mas essa não é a genuína teologia cristã, como Lutero a vê, pois ela não dá lugar para a cruz. As verdadeiras expectativas cristãs centralizam-se na cruz e envolvem aceitar, e até mesmo abraçar espontaneamente o sofrimento, a fraqueza e a marginalização que inevitavelmente acontecem àqueles que seguem os passos o Senhor Jesus. esse é que deve ser o horizonte de expectativas do crente como indivíduo e da igreja como um todo" (TRUEMAN, 2013, p.47,48).

Nada mais a acrescentar. Aprendam isso "teólogos da glória e da prosperidade" dos últimos tempos. 

domingo, 18 de outubro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 11/11


Cremos que já ficou por demais demonstrado que a controvérsia entre Agostinho e Pelágio o levou a voltar mais uma vez à questão da eternidade de Deus e não somente isto, mas também a um claro conceito de vida para-além da vida, isto é, da continuidade da duração da consciência do homem após sua desintegração física. Para ele, por decreto, a vida consciente continua depois da morte física. ontudo, julgamos mais uma vez oportuno tomar testemunho dos dois mais importantes documentos agostiniano/calvinista. Primeiro para efeito comparativo e depois para termos clareza da dimensão do legado da Antropologia agostiniana e de suas sérias conseqüências na história. O primeiro testemunho data de 1618, os Cânones de Dort:

Deus nesta vida concede a fé a alguns enquanto não concede a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque as Escrituras dizem que ele faz estas coisas conhecidas desde séculos e que ele faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. De acordo com este decreto, ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, ele deixa os não‑eleitos em sua própria maldade e dureza de coração. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre homens que estão sob a mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível conforto para as pessoas santas e tementes a Deus. Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído, por sua própria culpa, de sua integridade original para o pecado e a perdição. Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os outros, mas envolvidos na mesma miséria. São escolhidos, porém, em Cristo, a quem Deus constituiu, desde a eternidade, Mediador e Cabeça de todos os eleitos e fundamento da salvação. E, para salvá‑los por Cristo, Deus decidiu dá‑los a ele e efetivamente chamá‑los e atrai‑los à sua comunhão por meio da sua Palavra e de seu Espírito. Em outras palavras, ele decidiu dar‑lhes verdadeira fé em Cristo, justificá‑los, santificá‑los, e depois, tendo‑se guardado poderosamente na comunhão de seu Filho, finalmente glorificá‑los. Deus fez isto para a demonstração de sua misericórdia e para o louvor da riqueza de sua gloriosa graça. Como está escrito “assim como nos escolheu nele, antes do fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado”. E em outro lugar: E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também, glorificou[1].

O segundo documento data de 1889, “confissão de Westmisnter”:

Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna. Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; o seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa. Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito da sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo pelo seu Espírito, que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo. Segundo o inescrutável conselho da sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, o resto dos homens, para louvor da sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados[2].






[1] DORT, 1996, p.18.19
[2] WESTMINSTER, 1996, p.5

domingo, 4 de outubro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 10/11


A conseqüência lógica da antropologia agostiniana: a predestinação: um retorno à sua noção de eternidade

Para Agostinho, sendo o homem incapaz de qualquer bem por si só,  estando com sua natureza corrompida e totalmente depravado, resta-lhe tão somente esperar o favor não merecido da Graça Divina. A partir desse ponto, e como conseqüência lógica e racional de sua Antropologia,   ele desenvolve seu conceito de Predestinação, que nos remeterá de volta, necessariamente, à eternidade, uma vez que é lá que nasce o decreto eterno da eleição. A predestinação ou eleição agostiniana, muito embora tenha suas bases firmadas em escritos paulinos, é a alternativa encontrada por Agostinho para resolver o problema da natureza decaída do homem. Ora, se o homem, segundo ele, não possui mais as condições para, por suas próprias forças, fazer qualquer bem que concorra para a reabilitação de sua própria natureza e considerando ainda que a revelação escriturística o fazia entender que nem todos, por mais que tentassem, alcançariam tal reabilitação, Agostinho avança, para a única conclusão cabível como desfecho de sua Antropologia, para a única alternativa de reabilitação da alma decaída, isto é, a Predestinação.

Agostinho chega a conclusão que, na eternidade, Deus teria escolhido alguns homens para agraciá-los com essa graça salvífica, não por merecimento, pois, por merecimento todos deveriam, justamente, perecer eternamente na condição decaída, como ele mesmo afirma:

Esses testemunhos demonstram a concessão da graça de Deus não em atenção aos nossos merecimentos. As vezes verifica-se a concessão não somente faltando merecimentos mas existindo desmerecimentos prévios[1] .

No segundo volume de sua obra “A graça” Agostinho desenvolve de forma clara e inequívoca, não somente as bases de sua soterologia, mas, sobretudo, o desfecho lógico de sua antropologia. Diz ele: 

Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). Pois, se fossem eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecerem ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação aquele que diz: Não fostes vós que me escolhestes. não há dúvida que eles também o escolheram, quando nele acreditaram. Daí o ter ele dito: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, não porque não o escolheram para ser escolhidos, mas para que o escolhessem, ele os escolheu. Isso porque a misericórdia se lhes antecipou (Sl 53:11) segundo a graça, não segundo uma dívida. Portanto, retirou-os do mundo quando ele vivia no mundo, mas já eram eleitos em si mesmos antes da criação do mundo. Esta é a imutável verdade da predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo?(Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele. Conseqüentemente, foram escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou os que predestinou e não a outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a outros com a consecução daquele fim que não tem fim. Portanto, Deus escolheu os crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram. Diz o apóstolo Tiago: Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5). Portanto, ao escolher, fá-los ricos na fé, assim como herdeiros do Reino. Pois, com razão, se diz que Deus escolheu nos que crêem aquilo pelo qual os escolheu para neles realizá-lo. Pergunto: quem ouvir o Senhor, que diz: Não fostes vós que me escolhestes,  mas fui eu que vos escolhi, terá atrevimento de dizer que os homens têm fé para ser escolhidos, quando a verdade é que são escolhidos para crer? A não ser que se ponham contra a sentença da Verdade e digam que escolheram antes a Cristo aqueles aos quais ele disse: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi[2].




[1] AGOSTINHO. A Graça II. Editora Paulus, 1999. VI.13, Pág, 37

[2] GRAÇA II, 1999. p. 194, 195

domingo, 27 de setembro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 9/11


A antropologia agostiniana em contraponto com os pelagianos - Continuação


A antropologia Agostiniana tem sido ainda bastante estudada, sobretudo pelos calvinistas, e tem sido considerada como um ponto fundamental  para a  soteriologia, de forma que não é errado afirmar que a visão  agostiniana/calvinista da depravação total do homem é o pilar principal do Pensamento Reformado, de forma que dele depende a compreensão de todo o resto do sofisticado sistema filosófico/teológico desenvolvido por Agostinho e seus sucessores.

A “Confissão de Westminster”, formulada em 1889, pelos puritanos ingleses, subscreve integralmente a antropologia Agostiniana:


Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza.  O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder[1].

Outro importante documento agostiniano/calvinista, intitulado “contra o arminianismo” , formulado em 1618, no sínodo de Dort, para combater  um dos mais entusiasmado seguidores de Pelágio, o holandês Thiago Armínius, mais uma vez  subscreveu integralmente a Antopologia  Agostiniana:

No princípio o homem foi criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro e salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas espirituais. Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos, puros; portanto, era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus [...] pela sua livre vontade, ele privou desses dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e em seu coração; e ainda impureza em todos os seus afetos[2].

Também devemos citar aqui o testemunho de um importante monge agostiniano do século de XVI, Martinho Lutero, que em reação à retomada dos ensinamentos pelagianos, em relação ao livre-arbítrio, por Erasmo de Rotterdam, escreveu sua obra “A escravidão da vontade”, que é uma contundente crítica aos ensinamentos pelagianos no melhor estilo agostiniano; diz ele:

Erasmo [...] você assevera que o “livre-arbítrio” é a capacidade que a vontade humana tem, por si mesma, de decidir [...] Os pelagianos também fizeram isso. Mas você os ultrapassa! [...] Prefiro até mesmo o ensinamento de alguns dos antigos filósofos aos seus. Eles diziam que um homem entregue a si mesmo só faria o errado. O homem só poderia escolher o bom com a ajuda da graça divina. Eles diziam que os homens são livres para decair, mas que precisam de ajuda para elevarem-se! Porém, é motivo de riso chamar a isso de “livre-arbítrio”. Com base em tais conceitos, eu poderia afirmar que uma pedra tem “livre-arbítrio”, pois só pode cair, a menos que seja erguida por alguém! O ensino daqueles filósofos, põem, ainda é melhor do que o seu. A sua pedra, Erasmo, pode escolher se sobe ou desce![3].

Como já dissemos, esta controvérsia com os pelagianos foi de suma importância. Sua discórdia com Pelágio tem sido atualizada na História por várias pessoas e por diversas vezes, a exemplo de Erasmo e Lutero, Calvinistas e Arminianos.

Assim diferem radicalmente as antropologias de Pelágio e de Agostinho, e, conseqüentemente, sua éticas e doutrina da salvação. Agostinho não vai contra a natureza. Pelágio não vai contra a graça. Pelágio escreveu seu livro para defender a força, os dotes das condições naturais do homem. Agostinho para defender a graça, que não vai contra a natureza, mas a restaura, a salva demonstrando que, para não tornar vã a cruz de Cristo, é preciso defender não só a natureza, mas também a graça, que cura e liberta a natureza [...] Dessa polêmica nasceram as doutrinas ocidentais do pecado original, da graça, da predestinação e da satisfação vicária[4].



[1]WESTMINSTER, 1996, p.11
[2] OS CÂNONES DE DORT. Contra o Arminianismo. São Paulo: Ed.Cultura Cristã, 1996, p.34.
[3] LUTERO. Fragmentos. In: Nascido escravo. Trad.Born Slaves. São José dos Campos: Fiel, 1988, p.41
[4] Ibid., p.108, 109

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 8/11


A antropologia agostiniana em contraponto com os pelagianos

Agostinho discordava de Pelágio essencialmente quanto à sua Antropologia, de tal forma que as outras discórdias advêm dessa. Por causa do estilo dissimulado de Pelágio, que ora o fazia afirmar e logo depois negar o que afirmou, Agostinho apressou-se em pedir-lhe clareza em seus argumentos e o intimava a confessar abertamente que “essa graça tem o sentido bem claro nos oráculos divinos, e não oculte por timidez descarada, mas descubra com dor salutar que seus sentimentos têm sido muito tempo contrários a esses ensinamentos”[1].

Diferentemente de Pelágio, Agostinho entendia que a queda trouxe conseqüências extremante severas para o primeiro homem; e não somente para ele mas também para toda sua descendência. Ele não o via como um indivíduo isolado mas, essencialmente, como o representante legal de toda a raça humana. Para Agostinho com a queda, em certo sentido, veio também uma privação da liberdade, isto é, o homem que outrora não tendia nem para o bem nem para o mal, depois da queda, adquiriu certa tendência para o mal, passando a conviver com uma natureza pecaminosa que passa a seus herdeiros de forma hereditária, ou seja, essa natureza passa a habitar no homem, coisa que inicialmente não existia. A morte física vem também ao homem depois e só depois da queda e como conseqüência dela.

Agostinho afirma de forma bastante clara que o pecado corrompeu a natureza humana, criada por Deus, sem vicio nenhum, e não somente seu mérito, como pensava Pelágio. Este ponto de seu pensamento é essencial para entendermos sua Antropologia. Devemos ficar atentos para seu pensamento de que o homem foi criado com uma natureza boa, sem nenhuma propensão ao mal, ao pecado e que esta natureza foi, de fato, modificada, acrescentada, depois da queda com uma mórbida tendência à concupiscência, como afirma:

A natureza do homem foi criada no princípio sem culpa e sem vício. Mas a atual natureza, com a qual todos vêm ao mundo como descendentes de Adão, tem agora necessidade de médico devido a não gozar de saúde. O sumo Deus é o criador e autor de todos os bens que ele possui em sua constituição: vida, sentidos e inteligência. O vício, no entanto, que cobre de trevas e enfraquece os bens naturais, a ponto de necessitar de iluminação e de cura, não foi perpetrado pelo seu criador, ao qual não cabe culpa alguma. Sua fonte é o pecado original que foi cometido por livre vontade do homem. Por isso, a natureza sujeita ao castigo atrai com justiça a condenação[2].

Para Agostinho o homem recebe de Deus a justa punição pelo seu erro, pelo seu pecado. Isto demonstra seu entendimento da gravidade do problema. Para ele “toda a raça humana merece castigo. E se todos recebessem a punição, a punição não seria injusta”[3]. Continua.


[1] Ibid., p.241
[2] GRAÇA, 1999,  p.114
[3] Ibid.,p.115

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