“Portanto,
quer comais quer bebais, ou
façais outra qualquer coisa, fazei
tudo para glória de Deus” (I Cor 10:31).
1- DEFININDO TERMOS:
Muitos
não sabem, mas a ÉTICA é um objeto de estudo específico da FILOSOFIA. Não é da psicologia,
não é da antropologia, não é da Sociologia, nem de qualquer outra área do
saber. Esse é um tema indispensável dentro do estudo de qualquer cosmovisão.
Existe
muita confusão acerca do que vem a ser Ética. Até mesmo os dicionários acabam
por confundir Ética com Moral e Moral com Ética. De forma que não é raro você
estar lendo um verbete sobre Ética, mas seu conteúdo trata sobre moral. Isso
acontece exatamente por conta do distanciamento que temos com a Filosofia. Isso
só não ocorre em dicionários técnicos de Filosofia ou ainda algum de renome e
tradição mundial.
Mas,
em síntese: o que Ética e o que é Moral?
A
palavra ÉTICA vem do grego ÉTHOS. E a palavra MORAL? Também vem do grego ÊTHOS.
É a mesma palavra, mesma grafia, porém com pronúncia e significados diferentes.
Ou seja, ÉTICA não é a mesma coisa de MORAL, nem vice-versa, como muitos
pensam. Não são palavras sinônimas.
Pronunciada
com um som de “Ê” fechado e curto (ÊTHOS), pode ser traduzida por costume,
norma, hábito. Serviu de base para a tradução latina de “morales”, de onde vem
nossa palavra Moral.
Pronunciada
com um som de “É” aberto e mais longo (ÉTHOS), significa em sua origem mais
remota, essência de um ser (aquilo que, de fato, é essencial ao ser), habitat,
local onde o indivíduo se sente protegido. Metaforicamente indica que a Ética
irá trabalhar para proteger a vida do ser humano.
A
Moral, referindo-se aos costumes dos povos, conjunto de hábitos, de regras,
normas, leis que regulam a conduta de um povo, nas diversas épocas, é mais
abrangente e divergente e variante de cultura para cultura.
O
livro “Costumes e Culturas” traz alguns exemplos interessantes de moral: Na África do Sul as mulheres se cumprimentam
beijando-se na boca. Na Rússia são os homens. Na Tailândia os amigos andam de
mãos dadas. Note: nenhum desses preceitos possui status de universalidade.
A
Ética diz respeito a preceitos invariantes. Isto é, que não variam nem de
cultura para cultura nem de tempo para tempo. Por exemplo: as necessidades
elementares dos seres humanos. A necessidade de alimentação, de sobrevivência.
Portanto, a Ética só diz respeito às necessidades elementares dos homens. Ela
não se ocupa com questões periféricas e circunstanciais.
A
Moral é normativa. Ética e Moral
distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. É moral cumprir a “lei”.
É ético questioná-la e não cumprir se seu fundamento não for justo. A Ética é
especulativa, característica herdada da Filosofia.
Geralmente
as pessoas classificam como alguém Ético aquele que cumpre as leis, que segue
as normas estabelecidas em sua sociedade. Mas, em algumas situações, para ser
Ético o indivíduo precisa quebrar as normas, descumprir a lei.
Por
exemplo, o índio que vive numa aldeia cuja a convenção coletiva define como
norma o infanticídio de gêmeos. Se ele resolve ser Moral (cumprir as normas e
leis estabelecidas em sua comunidade) ele estará optando por matar seus
próprios filhos. Se, do contrário ele resolve não matar as crianças, estará,
necessariamente, em uma espécie de desobediência civil. Suponhamos que opte por
não matar seus filhos gêmeos.
O
índio, foi Ético ou Moral? Mais: É possível ser Ético e I-Moral ao mesmo tempo?
Ele foi. Foi I-moral porque quebrou as Leis de sua sociedade. Foi Ético porque
priorizou o que há de mais essencial no ser humano: a vida.
2- A ÉTICA CALVINISTA NA VISÃO DE UM ATEU: ANÁLISE DA OBRA “ÉTICA
PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO”, DE MAX WEBER.
Depois
dessa parte mais conceitual, vamos entrar na questão da chamada “Ética
Calvinista”, propriamente dita. Essa particularização da Ética, que é por
natureza universal, não segue o rigor terminológico exigido pela filosofia.
Evidentemente que não existem vários tipos de Ética. Ela é única e universal.
Não existe uma Ética especifica dos Calvinista, nem dos médicos, nem dos
advogados. Porém iremos continuar adotando essa terminologia para não contrapor
a obra que trabalharemos e que citaremos mais adiante.
Para
isso, iremos nos basear, quase que exclusivamente, nas pesquisas e nas
observações de um ateu. Sim, de um ateu.
É
claro que tem muito Calvinista que escreve e fala sobre a chamada “Ética
Calvinista”. E, claro, também, sempre “puxando a brasa para a sardinha” dos
Calvinistas.
Escolhi
fazer essa abordagem a partir de um ateu por conta de sua análise desapaixonada
e isenta.
O
nome dele é Max Weber, um sociólogo ateu que intuiu que os problemas e os
acertos econômicos poderiam ter uma
causa completamente diferente daquelas apontadas por Karl Marx, que acreditava que o povo de um país vivia bem ou
vivia mal dependendo da relação de fatores puramente econômico, como a relação
Patrão X Empregado.
Expressões
do tipo “o povo sobre porque os burgueses só sabem explorar”, “somos pobres
porque as elites dominantes não nos deixam crescer economicamente” dão o tom do
pensamento de Karl Marx.
Interessante
que nessa onda de protestos que tivemos recentemente essas expressões eram
constantemente repetidas, inclusive por crentes. Crentes que são “comunistas”
sem saber. Ou que, pelo menos, são simpatizantes dessa causa.
Marx
Weber, então, começa a desconfiar que a causa da pobreza e da falta de
desenvolvimento intelectual, social e até econômico de muitos países poderia ter outros fatores. É certo que
alguns pensadores tiveram essa desconfiança, antes de Weber, mas nenhum deles
conseguiu avançar nesse sentido.
Weber
queria entender o que faz uma nação ser próspera e desenvolvida e outro
subdesenvolvida e seu povo intelectualmente desprovido e limitado.
Pra
saber isso só tinha um jeito: era preciso fazer uma análise comparativa entre
as nações;
E
foi o que ele fez. Tendo como pano de fundo a Europa Moderna, Weber avaliou e
investigou diversos países, diversas nações para tentar trazer luz a essa
problemática, utilizando, para isso, os métodos comparativos das ciências
sociais. Ele chega, então, a uma descoberta surpreendente, jamais percebida
antes.
Depois
de uma vasta pesquisa, Weber começa a cruzar os dados colhidos de vários
países. Ele constatou que nos países bem sucedidos, em todos os aspectos, havia
uma característica muito interessante, que ele não conseguiu identificar nos
países decadentes. Vejamos suas premissas:
a) Homens
de negócios e grandes capitalistas[1];
b) Operários
qualificados de alto nível e pessoal especializado (tecnologicamente e
comercialmente);
c) Premissas
1 e 2 têm em comum o fato de conter majoritariamente protestantes de linha Calvinista.
Diz Weber:
“Um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer
país de composição mista mostrará, com notável freqüência, uma situação que
muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas.O fato de
que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais
especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das
modernas empresas é predominantemente protestante’ (WEBER, 2002. p.37).
Essa
constatação intrigou bastante Max Weber. Então ele passou a investigar o que
havia de diferente nesses protestantes que produzia uma “ética” diferenciada;
esse estilo de vida peculiar a ponto de mudar a realidade de um país.
E
mais uma vez sua constatação foi surpreendente:
De
forma bastante clara, Weber atribui ao Calvinismo a produção dessa ética
particular, principalmente aos efeitos psicológicos causados pela doutrina da
eleição ou da predestinação.
A
antropologia bíblica enxergada por Calvino e tantos outros expoentes, como
Agostinho de Hipona, que tira do homem o tão requerido e postulado “livre
arbítrio”, é peça fundamental no entendimento da doutrina da predestinação ou
eleição.
Segundo
Calvino, o homem, em seu estado natural, está morto (Efésios 2:1), restando-lhe
apenas a certeza do inferno eterno.
Para
um homem nesse estado de morte espiritual e de “nulidade” total e absoluta, um
verdadeiro agente passivo da condição espiritual pós-pecado, quando há a perda
do livre-arbítrio - pois que vontade (espiritual) pode ter um morto? - só existe uma possibilidade de salvação: o favor não
merecido de Deus para salvá-lo, a graça de Deus.
A
crença nessa sistematização doutrinária calvinista leva o “eleito” a um imenso sentimento
de gratidão a Deus, uma vez que, mesmo sem merecer, recebe esta
graça extraordinária.
Como
consequência e em gratidão, passa a viver e a dedicar todos os seus momentos,
inclusive atividades seculares, para a “glória de Deus”.
Isso
simplesmente acaba com o binômio Sagrado X Profano. Para o Calvinista tudo passa
a ser sagrado; tudo deve ser servir para a glória de Deus
Veja
o que Weber diz:
“Dessa forma, coube aos puritanos, que se consideravam
eleitos, viver a santificação da vida cotidiana. Pois o caráter sectário – a
consciência de ser minoria e a motivação de ser eleito de Deus – fazia de cada
membro dessas comunidades não mero adepto do rebanho mas, mas um vocacionado
que se dedicava simultaneamente ao aprimoramento ético, intelectual e
profissional” (WEBER, 2002. p.21).
O importante Catecismo calvinista, Catecismo Maior de Westminster,
dá o tom dos objetivos dessa nova vida outorgada pela graça, já na pergunta
inicial:
“Qual é o Fim supremo e principal do homem? O fim supremo e
principal do homem é glorificar a Deus” (CATECISMO MAIOR, 2007. p.31).
Esse novo modelo de vida, essa “ética” calvinista, segundo Weber, é
a causa evidente do desenvolvimento dos países por ele pesquisado.
Diz Weber:
O Deus de Calvino exigia de seus crentes não boas ações
isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado (WEBER,
2002. p.91).
Isso é seguir a orientação Apostólica de
Paulo, os Calvinistas procuram “fazer todas as coisas como se estivessem
fazendo para Deus” (Col 3:23).
3- O PENTECOSTALISMO E A ÉTICA DA VANTAGEM
Seguindo
o modelo de investigação de Weber, iremos tentar entender um fenômeno
recorrente que pode ser observado desde meados do século passado e que tem
crescido mais ainda ultimamente:
O
envolvimento de crentes em escândalos de ordem moral e em casos de corrupção.
Só pra lembrar alguns:
O caso de Sônia e Estevam Hernandes. A máfia dos sanguessugas, protagonizada por
grande parte da bancada evangélica. O caso da oração de gratidão pela propina
recebida de Leonardo Prudente e Rubens Brunelli.
Quem são esses crentes e o que os levou a trilhar por esse caminho?
Todos
esses casos e tantos outros que não temos espaço para dizê-los aqui, têm algo
em comum: a presença “predominante”, para usar uma expressão weberiana, de
Pentecostais envolvidos.
Isso é fato. É estatística. Você não vai
encontrar, de forma “predominante”, crentes que têm uma proximidade maior com
os preceitos da Reforma Protestante, envolvidos nesse tipo de coisa.
Então, o que tem os Pentecostais que os
fazem propícios a esse tipo de atitude peculiar?
Será que o arcabouço doutrinário, à semelhança do que identificou Weber, tem alguma ligação com esse estilo de vida? Penso que
sim.
A ideia de um contato, de uma comunicação direta com
Deus, via “novas revelações”, produz, no Pentecostal, o efeito contrário que a
doutrina da eleição Depravação Total produz no Calvinista. Faz dele uma espécie
de “super-crente”, alguém que tem “poder”, alguém que tem um relacionamento
diferenciado com Deus, o que o acaba tornando, inconscientemente, um “crente
soberbo”.
Enquanto a Eleição Incondicional, consequência
direta da doutrina da Depravação Total do Homem, humilha o homem e o deixa
consciente de sua inutilidade, comprovando que tudo que possui advém do favor
divino, a doutrina pentecostal da 2ª bênção, aliada a um quase "semi-Pelagianismo”,
ao contrário, exalta o homem deixando-o prepotente e orgulhoso de si.
O resultado disso tudo não poderia ser outro: o
Pentecostal entende que o mundo deve girar ao seu redor. Todas as coisas devem
orbitar em sua volta. Pentecostal tem “o rei na barriga”. Mais que isso:
Pentecostal se acha o próprio rei. E, por isso mesmo, ele não consegue enxergar
o outro, respeitar o direito do outro, mas apenas seu alvo, que é conquistar o
melhor, que é ter o melhor, aquilo que lhe é, supostamente, de “direito”.
Afinal, rei é rei!
Kenneth Hagin, muito embora não seja um legítimo
representante do Pentecostalismo da primeira onda, apesar de ter tido dela toda
a influência doutrinária, traduz de forma explícita e irrefutante o sentimento
que paira no coração do Pentecostal que não teve nenhuma contato com a doutrina
humilhante da Depravação Total do homem:
“Você
não tem um deus no seu interior, você é um Deus. Uma réplica perfeita de Deus!
Diga isso em alto e bom som, “eu sou uma réplica perfeita de Deus”! (A
congregação repete um tanto insegura e sem jeito)...vamos digam isto! (Ele
conduz a congregação em uníssono). Digam de novo! “Eu sou uma réplica de Deus!”-
A congregação começa a se animar e o entusiasmo e o barulho aumentam cada vez
que eles repetem a frase” (NODA, 1997. p.23).
Por isso Pentecostal não respeita filas. Por isso
Pentecostal acha que pode comprar e contratar serviços e não pagar. Por isso
Pentecostal é péssimo empregado. Por isso Pentecostal é péssimo Patrão. Por
isso Pentecostal é Péssimo vizinho. Por isso Pentecostal é péssimo marido. Por
isso Pentecostal é péssima esposa. Por isso é cada vez maior o número de
pessoas que repetem a já famosa frase “não faço negócio com crente”. Por isso
Pentecostal não assiste socialmente os membros de sua igreja, levando
muitos a terem que esmolar na porta da igreja dos outros.
Mas é verdade também que nem sempre os
Pentecostais conseguem o que querem, mesmo usando todos os meios espúrios que
usam. Pensam que eles se dão por vencidos? Na “Ética da vantagem Pentecostal”
não tem espaço para derrotas. Eles continuam tentando. São incansáveis. Por
isso os hospícios e sanatórios estão lotados de Pentecostais. Acha que estou
exagerando de novo? Então visite um.
Nota de
Esclarecimento: Esse artigo, bem como os outros da série Pentecostalismo e Reforma
Protestante não está se referindo a indivíduos Pentecostais. É evidente que
existem muitos Pentecostais, mas não a maioria, que são pessoas de bem e que
têm um testemunho digno. Pessoalmente conheço alguns. Infelizmente não muitos.
Da mesma forma não estamos querendo advogar que todo Calvinista tem uma postura
ética e moral ilibada. Evidentemente que existem alguns Calvinistas que são uma
vergonha. Contudo, estamos tratando de uma visão macro dessas relações
religiosas. De forma que, de uma maneira geral e abrangente, por tudo que foi
argumentado aqui, podemos afirmar: o Calvinismo produz no seu crente uma
postura ética e moral invejável e digna do registro até de ateus, como é
o caso de Max Weber, enquanto que o Pentecostalismo produz no seu crente o que
chamamos aqui de “Ética da vantagem”.
Observação: Esse
terceiro tópico é um fragmento de outro post publicado neste blog, sob o título
“Pentecostalismo e Reforma Protestante: Pressuposto Ético”. Para acessar o artigo
completo é só clicar no link abaixo:
[1]
De capitalismo não devemos entender, aqui, como a busca desregrada pelo Lucro,
como diz o próprio Weber : “O impulso
pelo ganho, a perseguição do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível
de dinheiro, não tem, em si mesmo, nada que ver com o capitalismo. Tal impulso
existe e sempre existiram entre garçons, médicos, cocheiros, artistas,
prostitutas [...]. Pode-se dizer que tem sido comum a toda sorte de condições
humanas em todos os tempos e em todos os países da terra [...]. A ganância
ilimitada de ganho não se identifica nem de longe com o capitalismo, e menos
ainda com o seu “espírito”(WEBER, 2002. p.26). Ao que concorda Biéler: “Não se
trata mais, de modo algum, da paixão pelo ganho que caracterizava outrora
alguns comerciantes à vida de riquezas” (BIÉLER, 1999. p.624). E ainda:
Calvino, sabe-se, é o primeiro dos teólogos cristãos a exonerar o empréstimo a
juros do opróbrio moral e teológico que a igreja havia feito sobre ele, até
então; não é justo, entretanto, atribuir-lhe a justificação integral do
capitalismo liberal (BIÉLER, 1999. p.20)