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quarta-feira, 10 de julho de 2013

O CALVINISMO E A ÉTICA



       
“Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus” (I Cor 10:31).


         1- DEFININDO TERMOS:

Muitos não sabem, mas a ÉTICA é um objeto de estudo específico da FILOSOFIA. Não é da psicologia, não é da antropologia, não é da Sociologia, nem de qualquer outra área do saber. Esse é um tema indispensável dentro do estudo de qualquer cosmovisão.

Existe muita confusão acerca do que vem a ser Ética. Até mesmo os dicionários acabam por confundir Ética com Moral e Moral com Ética. De forma que não é raro você estar lendo um verbete sobre Ética, mas seu conteúdo trata sobre moral. Isso acontece exatamente por conta do distanciamento que temos com a Filosofia. Isso só não ocorre em dicionários técnicos de Filosofia ou ainda algum de renome e tradição mundial.

Mas, em síntese: o que Ética e o que é Moral?

A palavra ÉTICA vem do grego ÉTHOS. E a palavra MORAL? Também vem do grego ÊTHOS. É a mesma palavra, mesma grafia, porém com pronúncia e significados diferentes. Ou seja, ÉTICA não é a mesma coisa de MORAL, nem vice-versa, como muitos pensam. Não são palavras sinônimas.

Pronunciada com um som de “Ê” fechado e curto (ÊTHOS), pode ser traduzida por costume, norma, hábito. Serviu de base para a tradução latina de “morales”, de onde vem nossa palavra Moral.

Pronunciada com um som de “É” aberto e mais longo (ÉTHOS), significa em sua origem mais remota, essência de um ser (aquilo que, de fato, é essencial ao ser), habitat, local onde o indivíduo se sente protegido. Metaforicamente indica que a Ética irá trabalhar para proteger a vida do ser humano.

A Moral, referindo-se aos costumes dos povos, conjunto de hábitos, de regras, normas, leis que regulam a conduta de um povo, nas diversas épocas, é mais abrangente e divergente e variante de cultura para cultura.

O livro “Costumes e Culturas” traz alguns exemplos interessantes de moral:  Na África do Sul as mulheres se cumprimentam beijando-se na boca. Na Rússia são os homens. Na Tailândia os amigos andam de mãos dadas. Note: nenhum desses preceitos possui status de universalidade. 

A Ética diz respeito a preceitos invariantes. Isto é, que não variam nem de cultura para cultura nem de tempo para tempo. Por exemplo: as necessidades elementares dos seres humanos. A necessidade de alimentação, de sobrevivência. Portanto, a Ética só diz respeito às necessidades elementares dos homens. Ela não se ocupa com questões periféricas e circunstanciais.

A Moral é normativa.  Ética e Moral distinguem-se, essencialmente, pela especulação da Lei. É moral cumprir a “lei”. É ético questioná-la e não cumprir se seu fundamento não for justo. A Ética é especulativa, característica herdada da Filosofia.

Geralmente as pessoas classificam como alguém Ético aquele que cumpre as leis, que segue as normas estabelecidas em sua sociedade. Mas, em algumas situações, para ser Ético o indivíduo precisa quebrar as normas, descumprir a lei.

Por exemplo, o índio que vive numa aldeia cuja a convenção coletiva define como norma o infanticídio de gêmeos. Se ele resolve ser Moral (cumprir as normas e leis estabelecidas em sua comunidade) ele estará optando por matar seus próprios filhos. Se, do contrário ele resolve não matar as crianças, estará, necessariamente, em uma espécie de desobediência civil. Suponhamos que opte por não matar seus filhos gêmeos.

O índio, foi Ético ou Moral? Mais: É possível ser Ético e I-Moral ao mesmo tempo? Ele foi. Foi I-moral porque quebrou as Leis de sua sociedade. Foi Ético porque priorizou o que há de mais essencial no ser humano: a vida.


2- A ÉTICA CALVINISTA NA VISÃO DE UM ATEU: ANÁLISE DA OBRA “ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO”, DE MAX WEBER.

Depois dessa parte mais conceitual, vamos entrar na questão da chamada “Ética Calvinista”, propriamente dita. Essa particularização da Ética, que é por natureza universal, não segue o rigor terminológico exigido pela filosofia. Evidentemente que não existem vários tipos de Ética. Ela é única e universal. Não existe uma Ética especifica dos Calvinista, nem dos médicos, nem dos advogados. Porém iremos continuar adotando essa terminologia para não contrapor a obra que trabalharemos e que citaremos mais adiante.

Para isso, iremos nos basear, quase que exclusivamente, nas pesquisas e nas observações de um ateu. Sim, de um ateu.

É claro que tem muito Calvinista que escreve e fala sobre a chamada “Ética Calvinista”. E, claro, também, sempre “puxando a brasa para a sardinha” dos Calvinistas.

Escolhi fazer essa abordagem a partir de um ateu por conta de sua análise desapaixonada e isenta.

O nome dele é Max Weber, um sociólogo ateu que intuiu que os problemas e os acertos econômicos poderiam  ter uma causa completamente diferente daquelas apontadas por Karl Marx, que  acreditava que o povo de um país vivia bem ou vivia mal dependendo da relação de fatores puramente econômico, como a relação Patrão X Empregado.

Expressões do tipo “o povo sobre porque os burgueses só sabem explorar”, “somos pobres porque as elites dominantes não nos deixam crescer economicamente” dão o tom do pensamento de Karl Marx.

Interessante que nessa onda de protestos que tivemos recentemente essas expressões eram constantemente repetidas, inclusive por crentes. Crentes que são “comunistas” sem saber. Ou que, pelo menos, são simpatizantes dessa causa.

Marx Weber, então, começa a desconfiar que a causa da pobreza e da falta de desenvolvimento intelectual, social e até econômico de muitos países  poderia ter outros fatores. É certo que alguns pensadores tiveram essa desconfiança, antes de Weber, mas nenhum deles conseguiu avançar nesse sentido.

Weber queria entender o que faz uma nação ser próspera e desenvolvida e outro subdesenvolvida e seu povo intelectualmente desprovido e limitado.

Pra saber isso só tinha um jeito: era preciso fazer uma análise comparativa entre as nações;

E foi o que ele fez. Tendo como pano de fundo a Europa Moderna, Weber avaliou e investigou diversos países, diversas nações para tentar trazer luz a essa problemática, utilizando, para isso, os métodos comparativos das ciências sociais. Ele chega, então, a uma descoberta surpreendente, jamais percebida antes.

Depois de uma vasta pesquisa, Weber começa a cruzar os dados colhidos de vários países. Ele constatou que nos países bem sucedidos, em todos os aspectos, havia uma característica muito interessante, que ele não conseguiu identificar nos países decadentes. Vejamos suas premissas:

a)    Homens de negócios e grandes capitalistas[1];
b) Operários qualificados de alto nível e pessoal especializado (tecnologicamente e comercialmente);
c) Premissas 1 e 2 têm em comum o fato de conter majoritariamente protestantes de linha Calvinista.

Diz Weber:

“Um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição mista mostrará, com notável freqüência, uma situação que muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas.O fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente protestante’ (WEBER, 2002. p.37).

Essa constatação intrigou bastante Max Weber. Então ele passou a investigar o que havia de diferente nesses protestantes que produzia uma “ética” diferenciada; esse estilo de vida peculiar a ponto de mudar a realidade de um país.

E mais uma vez sua constatação foi surpreendente:

De forma bastante clara, Weber atribui ao Calvinismo a produção dessa ética particular, principalmente aos efeitos psicológicos causados pela doutrina da eleição ou da predestinação.

A antropologia bíblica enxergada por Calvino e tantos outros expoentes, como Agostinho de Hipona, que tira do homem o tão requerido e postulado “livre arbítrio”, é peça fundamental no entendimento da doutrina da predestinação ou eleição.

Segundo Calvino, o homem, em seu estado natural, está morto (Efésios 2:1), restando-lhe apenas a certeza do inferno eterno.

Para um homem nesse estado de morte espiritual e de “nulidade” total e absoluta, um verdadeiro agente passivo da condição espiritual pós-pecado, quando há a perda do livre-arbítrio - pois que vontade (espiritual) pode ter um morto?  - só existe uma possibilidade de salvação: o favor não merecido de Deus para salvá-lo, a graça de Deus.

A crença nessa sistematização doutrinária calvinista leva o “eleito” a um imenso sentimento de gratidão a Deus, uma vez que, mesmo sem merecer, recebe esta graça extraordinária.

Como consequência e em gratidão, passa a viver e a dedicar todos os seus momentos, inclusive atividades seculares, para a “glória de Deus”.

Isso simplesmente acaba com o binômio Sagrado X Profano. Para o Calvinista tudo passa a ser sagrado; tudo deve ser servir para a glória de Deus

Veja o que Weber diz:

“Dessa forma, coube aos puritanos, que se consideravam eleitos, viver a santificação da vida cotidiana. Pois o caráter sectário – a consciência de ser minoria e a motivação de ser eleito de Deus – fazia de cada membro dessas comunidades não mero adepto do rebanho mas, mas um vocacionado que se dedicava simultaneamente ao aprimoramento ético, intelectual e profissional” (WEBER, 2002. p.21).

O importante Catecismo calvinista, Catecismo Maior de Westminster, dá o tom dos objetivos dessa nova vida outorgada pela graça, já na pergunta inicial:

“Qual é o Fim supremo e principal do homem? O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus” (CATECISMO MAIOR, 2007. p.31).

Esse novo modelo de vida, essa “ética” calvinista, segundo Weber, é a causa evidente do desenvolvimento dos países por ele pesquisado.

Diz Weber:

O Deus de Calvino exigia de seus crentes não boas ações isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado (WEBER, 2002. p.91).

Isso é seguir a orientação Apostólica de Paulo, os Calvinistas procuram “fazer todas as coisas como se estivessem fazendo para Deus” (Col 3:23).

3- O PENTECOSTALISMO E A ÉTICA DA VANTAGEM

Seguindo o modelo de investigação de Weber, iremos tentar entender um fenômeno recorrente que pode ser observado desde meados do século passado e que tem crescido mais ainda ultimamente:

O envolvimento de crentes em escândalos de ordem moral e em  casos de corrupção.

Só pra lembrar alguns: O caso de Sônia e Estevam Hernandes. A máfia dos sanguessugas, protagonizada por grande parte da bancada evangélica. O caso da oração de gratidão pela propina recebida de Leonardo Prudente e Rubens Brunelli.

Quem são esses crentes e o que os levou a trilhar por esse caminho?

Todos esses casos e tantos outros que não temos espaço para dizê-los aqui, têm algo em comum: a presença “predominante”, para usar uma expressão weberiana, de Pentecostais envolvidos.

Isso é fato. É estatística. Você não vai encontrar, de forma “predominante”, crentes que têm uma proximidade maior com os preceitos da Reforma Protestante, envolvidos nesse tipo de coisa.

Então, o que tem os Pentecostais que os fazem propícios a esse tipo de atitude peculiar?

Será que o arcabouço doutrinário, à semelhança do que identificou Weber, tem alguma ligação com esse estilo de vida? Penso que sim.

A ideia de um contato, de uma comunicação direta com Deus, via “novas revelações”, produz, no Pentecostal, o efeito contrário que a doutrina da eleição Depravação Total produz no Calvinista. Faz dele uma espécie de “super-crente”, alguém que tem “poder”, alguém que tem um relacionamento diferenciado com Deus, o que o acaba tornando, inconscientemente, um “crente soberbo”.

Enquanto a Eleição Incondicional, consequência direta da doutrina da Depravação Total do Homem, humilha o homem e o deixa consciente de sua inutilidade, comprovando que tudo que possui advém do favor divino, a doutrina pentecostal da 2ª bênção, aliada a um quase "semi-Pelagianismo”, ao contrário, exalta o homem deixando-o prepotente e orgulhoso de si.

O resultado disso tudo não poderia ser outro: o Pentecostal entende que o mundo deve girar ao seu redor. Todas as coisas devem orbitar em sua volta. Pentecostal tem “o rei na barriga”. Mais que isso: Pentecostal se acha o próprio rei. E, por isso mesmo, ele não consegue enxergar o outro, respeitar o direito do outro, mas apenas seu alvo, que é conquistar o melhor, que é ter o melhor, aquilo que lhe é, supostamente, de “direito”. Afinal, rei é rei!

Kenneth Hagin, muito embora não seja um legítimo representante do Pentecostalismo da primeira onda, apesar de ter tido dela toda a influência doutrinária, traduz de forma explícita e irrefutante o sentimento que paira no coração do Pentecostal que não teve nenhuma contato com a doutrina humilhante da Depravação Total do homem:

“Você não tem um deus no seu interior, você é um Deus. Uma réplica perfeita de Deus! Diga isso em alto e bom som, “eu sou uma réplica perfeita de Deus”! (A congregação repete um tanto insegura e sem jeito)...vamos digam isto! (Ele conduz a congregação em uníssono). Digam de novo! “Eu sou uma réplica de Deus!”- A congregação começa a se animar e o entusiasmo e o barulho aumentam cada vez que eles repetem a frase” (NODA, 1997. p.23).

Por isso Pentecostal não respeita filas. Por isso Pentecostal acha que pode comprar e contratar serviços e não pagar. Por isso Pentecostal é péssimo empregado. Por isso Pentecostal é péssimo Patrão. Por isso Pentecostal é Péssimo vizinho. Por isso Pentecostal é péssimo marido. Por isso Pentecostal é péssima esposa. Por isso é cada vez maior o número de pessoas que repetem a já famosa frase “não faço negócio com crente”. Por isso  Pentecostal não assiste socialmente os membros de sua igreja, levando muitos a terem que esmolar na porta da igreja dos outros.

Mas é verdade também que nem sempre os Pentecostais conseguem o que querem, mesmo usando todos os meios espúrios que usam. Pensam que eles se dão por vencidos? Na “Ética da vantagem Pentecostal” não tem espaço para derrotas. Eles continuam tentando. São incansáveis. Por isso os hospícios e sanatórios estão lotados de Pentecostais. Acha que estou exagerando de novo? Então visite um.


Nota de Esclarecimento: Esse artigo, bem como os outros da série Pentecostalismo e Reforma Protestante não está se referindo a indivíduos Pentecostais. É evidente que existem muitos Pentecostais, mas não a maioria, que são pessoas de bem e que têm um testemunho digno. Pessoalmente conheço alguns. Infelizmente não muitos. Da mesma forma não estamos querendo advogar que todo Calvinista tem uma postura ética e moral ilibada. Evidentemente que existem alguns Calvinistas que são uma vergonha. Contudo, estamos tratando de uma visão macro dessas relações religiosas. De forma que, de uma maneira geral e abrangente, por tudo que foi argumentado aqui, podemos afirmar: o Calvinismo produz no seu crente uma postura ética e moral invejável e digna do registro até de ateus, como  é o caso de Max Weber, enquanto que o Pentecostalismo produz no seu crente o que chamamos aqui de “Ética da vantagem”.

Observação: Esse terceiro tópico é um fragmento de outro post publicado neste blog, sob o título “Pentecostalismo e Reforma Protestante: Pressuposto Ético”. Para acessar o artigo completo é só clicar no link abaixo:


[1] De capitalismo não devemos entender, aqui, como a busca desregrada pelo Lucro, como diz o próprio Weber :  “O impulso pelo ganho, a perseguição do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro, não tem, em si mesmo, nada que ver com o capitalismo. Tal impulso existe e sempre existiram entre garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas [...]. Pode-se dizer que tem sido comum a toda sorte de condições humanas em todos os tempos e em todos os países da terra [...]. A ganância ilimitada de ganho não se identifica nem de longe com o capitalismo, e menos ainda com o seu “espírito”(WEBER, 2002. p.26). Ao que concorda Biéler: “Não se trata mais, de modo algum, da paixão pelo ganho que caracterizava outrora alguns comerciantes à vida de riquezas” (BIÉLER, 1999. p.624). E ainda: Calvino, sabe-se, é o primeiro dos teólogos cristãos a exonerar o empréstimo a juros do opróbrio moral e teológico que a igreja havia feito sobre ele, até então; não é justo, entretanto, atribuir-lhe a justificação integral do capitalismo liberal (BIÉLER, 1999. p.20)


sexta-feira, 5 de julho de 2013

A LÓGICA HOMOSSEXUAL


Por definição, homossexual (masculino) gosta de mulher, de outro homossexual ou de “homem de verdade”?

A resposta a essa pergunta deveria ser, de “homem de verdade”. Correto? Deveria.

Bom, sendo assim, não entendo porque existe homossexual que tem caso com outro homossexual, já que esse, de alguma forma, quer ser diferente daquilo que um “homem de verdade” representa. Afinal, ele quer se parecer com uma mulher; lembrar, pelo menos, uma mulher;  diz até gostar da mesma coisa que a mulher gosta. Deixa ver se entendi:  nesse caso, está tendo uma  relação com a representação de tudo aquilo que tem aversão; nojo - “a  mulher” -, ainda que  uma representação infeliz, insuficiente e mal feita?

Por outro lado, se o homossexual  tem um romance com um “homem”, não é o caso desse “homem”  ter deixado de ser “homem de verdade” e ter se transformado, imediatamente, em homossexual,  por definição, já que sentiu, também,  atração sexual por alguém do mesmo sexo?

Mas, o desejo do homossexual  não é só e somente só por um “homem de verdade”?

Pelo jeito não é possível que o homossexual satisfaça esse seu desejo pecaminoso, como vimos. Logo, se ele não poderá jamais satisfazer seu desejo pecaminoso com um “homem de verdade”,

Não seria melhor ter aprovado a PDC-234/11?

terça-feira, 25 de junho de 2013

MICHAEL JACKSON, A TRANSITORIEDADE DA VIDA E A IMUTABILIDADE DE DEUS - 06 ANOS SEM O REI DO POP

O ato de existir consiste em renovação, em mudança; muitas delas involuntárias. O filósofo pré-socrático Heráclito (540 a.C – 470 a.C) admite isso ao afirmar que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” (HERÁCLITO. Fragmentos, 1947. p.40). O próprio fluir natural da vida pressupõe, aprioristicamente, essa realidade. Em nenhum momento, desde a nossa concepção, somos os mesmos. Há sempre um avanço, um retrocesso, um acréscimo ou diminuição; nunca, porém, uma estagnação. O filósofo francês Henri Bergson (1859 – 1941) percebe, como poucos, essa heterogeneidade dos instantes da vida. Diz ele: “não há dois momentos idênticos num ser consciente” (BERGSON, 1979, p.16). Bergson ainda afirma que “se hoje, sob a influência das mesmas condições exteriores, não procedo como ontem, isso nada tem de extraordinário, porque mudo, porque duro [...]. Portanto, mudo sem cessar (BERGSON, 1988, p.144).

Nesse sentido, está certo o poeta ao reafirmar sua preferência em ser “essa metarmofose ambulante”; erra, porém, ao considerar esse um fato opcional. Michael Jackson é a constatação empírica do que acabamos de argumentar acima.

Sua vida foi marcada pelas mudanças, pelas transformações. A nossa também, mas nem sempre percebemos. Os holofotes que iluminaram o Rei do Pop, entretanto, não nos brindaram “apenas” com um talento incomum; refletiram, como um espelho, o que exatamente somos e o que, apesar de já sabermos, insistimos em não admitir: a transitoriedade da nossa vida. Se até os “Reis” passam, como não passaríamos nós também? “Que é o homem para que dele tomes conhecimento? E o filho do homem, para que o estimes? - Pergunta o salmista, respondendo ele mesmo - O homem é como um sopro; os seus dias, como a sombra que passa (Salmos 144:3-4). E ainda outro salmista afirma: “Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos” (Salmo 90:10).

Alguém, consciente, pode negar essa verdade? Mas, ao lado dessa nossa mutabilidade incondicional colocamos agora a imutabilidade de Deus, para provocar nossas mentes, deixando claro nossa loucura em não glorificá-lo. O filósofo medieval Agostinho de Hipona, em seu embate contra os maniqueus, afirma a imutabilidade de Deus, baseando-se no Seu atributo incomunicável da Eternidade. Ora, o que é eterno não pode, por definição, mudar nem variar. Afirma ele: “Porventura, Senhor, tu és eterno, já não conheces o que te digo? Não vês no tempo o que se passa no tempo? Por que motivo te narro então tantos acontecimentos? Não é, certamente, para que os conheças por mim, mas para despertar meu amor por ti" (CONFISSÕES XI, 1.1). O teólogo holandês Louis Berkhoff, expondo sobre o assunto, afirma que “A imutabilidade de Deus é necessariamente concomitante com sua asseidade. É a perfeição pela qual não há mudança nele, não somente em seu Ser, mas também em suas perfeições, em seus propósitos e em suas promessas. Em virtude deste atributo, ele é exaltado acima de tudo quanto há, e é imune de todo acréscimo ou diminuição e de todo desenvolvimento ou decadência em seu Ser e em suas Perfeições [...]. Até a razão nos ensina que não é possível nenhuma mudança em Deus, visto que qualquer mudança é para melhor ou para pior. Mas em Deus, a perfeição absoluta, melhoramento e deterioração são igualmente impossíveis” (BERKHOF, 1998. p.61).

O argumento está em perfeita harmonia com o que afirma Tiago, em sua epístola: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (TG 1:17). O que fazer diante da irrefutável imutabilidade de Deus? Como nós, seres finitos e transitórios – todos nós – devemos proceder diante daquele que é o Oleiro? Um importante documento teológico do século XVII responde a essa questão: O fim supremo e principal do homem é Glorificar a Deus e gozá-lo para sempre (CATECISMO DE WESTMISTER, Pergunta 1).

Àquele pois que Era, que É e que há de vir; ao Alfa e Ômega, princípio,  fim e preservador de todas as coisas, honra, louvor e glória!

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