A ignorância é Felicidade! Frase aparentemente inocente e despretensiosa,
mas que está cheia de significados e implicações filosóficas. Ela aparece no
filme Matrix, numa importante discussão acerca da verdade. Parece supor alguém
que conhece os dois lados da moeda: a ignorância e o conhecimento. Alguém que
trilhou caminhos bem definidos para alcançar o alvo-conhecimento e, agora,
olhando para trás, chega à conclusão que era mais feliz no tempo da ignorância.
“Melhor tivesse ficado sem conhecer a verdade, na ignorância”, chega-se a afirmar.
De fato, conhecer, muitas vezes, é
atormentador.
Paulo, Apóstolo de Jesus
Cristo, sentiu na pele o peso que o
conhecimento trás ao homem. Diz ele: “eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não
teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás” (Romanos
7:7).
Sabedor, agora, do que deve
e do que não deve fazer, Paulo passa a viver o conflito existencial que somente
aquele que “conhece” vive. A luta agora, depois de ter “conhecido”, é contra o
mais difícil inimigo a ser enfrentado: sua própria natureza, que teima em fazer
aquilo que a sua própria consciência, agora espiritual, lhe diz para não fazer: “Porque não faço o bem que prefiro, mas
o mal que não quero, esse faço” (Romanos 7:19). Resultado: tristeza,
frustração, decepção, sentimento de impotência e insatisfação. Tudo isso
descrito num profundo brado de lamento e melancolia por ter chegado ao “conhecimento”
que chegou. Conclui Paulo: “Desventurado
homem que sou! (Romanos 7:24).
Numa elucubração anacrônica,
imaginemos Paulo assistindo Matrix. Será que ele concordaria com a célebre
frase “Ignorância é felicidade”?
A.W.Pink comentando essa
luta interior que o apóstolo Paulo travava com sua própria
consciência-conhecedora, faz a seguinte afirmação:
O
reconhecimento dessa guerra em seu íntimo e o fato de que se tornou cativo ao
pecado levam o crente a exclamar: “Desventurado homem que sou!” Esse é um
clamor produzido por uma profunda compreensão da habitação do pecado. É a
confissão de alguém que reconhece não haver bem algum em seu homem natural. É o
lamento melancólico de alguém que descobriu (grifo meu) algo a respeito
da horrível profundeza de iniqüidade que existe em seu próprio coração. É o
gemido de uma pessoa iluminada por Deus, uma pessoa que odeia a si mesma — ou
seja, o homem natural — e anela por libertação (http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=84).
Eis
o tormento causado pelo conhecimento, inclusive
da Lei Moral de Deus. Acaso não teria sido mais vantajoso ter continuado na
ignorância em relação à Lei? Muito tarde
para isso. Não dá mais para “não ter conhecido”. Uma vez iluminados pela luz da
verdade, não conseguiríamos viver novamente na escuridão da ignorância; por
mais difícil que seja conviver com o conhecimento. E se pudéssemos aconselhar o
ignorante? Diríamos para continuar na sua ignorância para não se arrepender de
ter conhecido? Estaríamos corretos?
O Filósofo Grego Platão, em
sua Alegoria da Caverna, abordada a partir da Teoria do Conhecimento, ensina
que a vida do ser humano pode ser divida em 3 etapas:
1º) A primeira etapa, a Agnosis,
é a etapa da Ignorância, representada, em sua alegoria, por homens presos,
desde a infância, no interior de uma caverna escura, olhando sombras refletidas
na parede, enquanto entendem ser esta a única realidade/verdade existente, já
que não conheciam outra. Segundo Platão, todos os seres
humanos, sem exceção, já nascem nessa
etapa, na ignorância. A maior parte das pessoas jamais sairão dela.
Nascerão, viverão e morrerão na ignorância.
2ª) A segunda etapa, o Doxa, é a etapa da desconfiança ou opinião,
representada na alegoria, pelo prisioneiro que consegue se libertar e olhar,
pela primeira vez em sua vida, em outra direção, para a entrada da caverna,
quando percebe que existe algo além das sombras que entendia como a única
verdade existente, porém, ainda não consegue discernir com clareza o que
consegue ver no exterior da caverna, mas tem, agora, certeza de uma coisa:
existe algo além das sombras que via. Segundo Platão, algumas pessoas transcendem à Agnose e conseguem chegar a essa
etapa, mas não todas.
3ª) Finalmente, a terceira
etapa, Episteme,
é a etapa do “Conhecimento”. Quando o indivíduo que conseguiu se libertar de
sua cadeia, imposta desde a infância, e, agora, sai definitivamente da caverna,
ficando frente a frente com o real, com a verdade. Ele finalmente, “conhece” a
verdade e entende perfeitamente que antes, quando na caverna, era um ignorante,
vendo sombras e julgando ser a realidade. Segundo Platão, poucos chegam nessa etapa.
A imagem acima, em forma e
significado piramidal, demonstra bem o número de pessoas em cada uma dessas
etapas:
Ao se deparar com a Luz da
verdade, do conhecimento, identificados na alegoria de Platão pela Luz do sol, o
preso que consegue se libertar das cadeias, já começa a sentir os primeiros
problemas causados pelo “conhecimento”:
1) Seus olhos, agora desconfortáveis,
são ofuscados por conta dos longos anos
vividos na escuridão da caverna;
2) Sente a necessidade, incontrolável
de voltar à caverna para tentar soltar seus companheiros de infortúnio, pois o
conhecimento da verdade não lhe permite mais viver tranquilamente enquanto lembra-se
de outras pessoas, seus companheiros, que ainda estão vivendo na completa escuridão da ignorância, o que
denota a inquietação e responsabilidade trazida pelo conhecimento;
3) Sofre muita
resistência dos seus antigos companheiros de prisão ao tentar abrir-lhe os olhos para que, também, assim como ele, conheçam a verdade. Afinal, é bem mais
cômodo ficar na zona de conforto que sair em busca do conhecimento.
4) Como insiste em levar
o conhecimento adquirido adiante, aos outros, é, finalmente, morto por seus
próprios companheiros. De fato, muitas vezes o conhecimento poderá ser
responsável por traumas irremediáveis.
A decisão por querer
conhecer é algo de extrema
responsabilidade e que trás um imenso peso ao ser humano. Chegar ao
conhecimento, entretanto, não é nada
fácil. Por isso mesmo, muitas pessoas preferem continuar na comodidade e na
inércia da ignorância. É preciso percorrer um longo e árduo caminho para chegar
ao conhecimento.
O filme Show de Truman
aborda de forma brilhante esse tema, completamente embasado na Teoria do Conhecimento de Platão. Ou seja,
alguém que vivia na completa escuridão da ignorância e depois resolve sair em
busca da verdade, do conhecimento. Veja toda a
dificuldade que essa atitude pode gerar, na cena final do filme, abaixo:
Apesar do tormento que o “conhecimento”
pode trazer, ele é também fonte, talvez a única, de soluções inadiáveis. O
conhecimento prévio de uma doença grave, por exemplo, ainda que traga dor e
tristeza, pode ser fundamental para o início de um tratamento eficaz. Da mesma
forma, o conhecimento do perigo que um filho está correndo, por mais
desesperador que seja para seus pais, pode permitir que cheguem a tempo de
salvá-lo do desastre eminente.
Finalmente, o que a bíblia tem a nos dizer sobre esse tema?
Qual a recomendação e
opinião da Palavra de Deus a esse respeito? Devemos buscar o conhecimento ou,
antes, pelo contrário, preferir a ignorância? Qual o melhor para nossa vida? O
atormentador peso do conhecimento ou a
suposta leveza da ignorância?
Que muitos líderes
religiosos preferem seus rebanhos na mais completa escuridão e ignorância, para
poder assaltar-lhes os bolsos com maior tranqüilidade, é certo. Mas, e a
Bíblia? O que nos diz? Vejamos alguns textos:
Mateus 28:19-20: “19.Ide,
portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e
do Filho, e do Espírito Santo;
20.ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis
que estou convosco todos os dias até à consumação do século”.
Algumas pessoas
costumam dizer que não gostam de teologia. “Meu negócio é vida prática”, afirmam.
No texto acima, um dos mais conhecidos, sempre que é citado, pontua-se a
questão do “Ide” (v.19), da “evangelização”. Mas,
não podemos esquecer que o mesmo imperativo para “evangelizar” é aplicado, com
a mesma intensidade, para a necessidade do “ ensino da palavra de Deus” (v.20). Em Mateus
22:29, Jesus levanta mais uma vez a questão da importância do aprofundamento no
estudo das escrituras. Diz ele: “Errais, não conhecendo as Escrituras”. Em João
5:39, sobre esse assunto, mais uma vez Jesus incentiva o aprofundamento nas
escrituras, diz ele: “Examinai as escrituras”.
Jesus, em João 8, fala de
escravidão, sinônimo de ignorância, e de libertação, sinônimo de conhecimento:
8.36
Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.
Qual o meio utilizado pelo Filho
para promover essa libertação, inclusive da ignorância da falta de conhecimento
de Deus e de seus preceitos?
8.32 e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Conhecimento
da Verdade)
E o que é a verdade?
Jesus, em João 17:17,
explica: “ Santifica-os na
verdade; a tua palavra é a verdade”.
O próprio Paulo, mesmo
sabedor do sofrimento e responsabilidade que o conhecimento trás, opta por ele
e desconsidera a possibilidade de viver na ignorância. Muito embora, o
conhecimento de Deus e dos seus preceitos também produzam prazer e
descanso sem igual.
II Timóteo:
3.10 Tu, porém, tens seguido, de perto, o meu ensino, procedimento, propósito, fé,
longanimidade, amor, perseverança, 3.14 Tu, porém, permanece naquilo
que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste 3.15
e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio
para a salvação pela fé em Cristo Jesus. 3.16 Toda a
Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça, 3.17 a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.
Colossenses
1.10 a
fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado,
frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus;
Romanos
1.28 E,
por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma
disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes,
Tito
1.1 Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade.
Por fim, devemos entender
que o conhecimento de Deus e de seus preceitos, descritos exclusivamente em sua
Palavra, são verdadeiros luzeiros a iluminar nosso caminho, a dissipar por
completo as trevas da ignorância.
A ignorância é Felicidade?
Depende do que entendemos por Felicidade.
Depende do objetivo de nossas vidas. Se nosso objetivo é a glória de Deus, não podemos ficar alheios ao conhecimento Dele e de seus preceitos. Se há alguma possibilidade da ignorância
trazer felicidade, prefiro, e devemos preferir, a dor do conhecimento à louca
sensação de paz e tranqüilidade que a ignorância forja, fazendo tudo parecer real, enquanto sabemos: são apenas sombras.
Preferir sombras à verdade, tendo a
possibilidade de conhecer a verdade, é um ato tão louco quanto pode ser.
Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz para os meus caminhos (Salmos
119.105).