Não quero ser injusto. Nossa intenção aqui é tão somente compararmos os pressupostos doutrinários mais basilares da Reforma Protestante com os do Pentecostalismo. Só isso. O julgamento quem fará são nossos leitores. Julgarão se esses pressupostos possuem coerência entre si. Julgarão se eles são, de alguma forma, convergentes ou completamente divergentes, muito embora essa seja a nossa desconfiança.
Poderíamos analisar a questão em várias frentes mas, por questão de espaço, vamos abordar sinteticamente apenas os chamados “Cinco Solas da Reforma”. Evidentemente que não podemos esquecer do contexto histórico em que os Solas foram formulados, sob pena de graves deslizes. Contudo, assim como estamos convencidos que o Pentecostalismo é outra Reforma Religiosa, como já afirmamos na parte I dessa série, também estamos convencidos que o Pentecostalismo é o mais grave passo de retorno ao Romanismo. Sendo assim, o ambiente de nossa análise possui praticamente as mesmas características encontradas pelos Reformadores no século XVI, o que nos habilita a tomar emprestado os “Solas da Reforma” e aplicá-los diretamente à questão Pentecostal.
Sola Scriptura: Somente a Escritura
Essa é, talvez, a bandeira mais importante defendida pela Reforma Protestante. Cair nessa é cair em gravíssimo erro. Ela significa que todas as práticas religiosas, doutrinas e cultos devem emanar “somente” das Escrituras Sagradas. Pressupõe também que toda e qualquer “nova revelação” e, portanto, extra-bíblica, deve ser rejeitada, pois a Escritura, o Canon fechado, os 39 livros do VT e os 27 do NT, são suficientes e inerrantes.
Era assim que pensavam os reformadores. É assim que pensam os Reformados até hoje. Agora, perguntamos: É assim que pensam os Pentecostais?
Até mesmo uma interpretação errada, por mais herética que seja, é minimizada diante dessa “opção consciente” de não ter a Escritura Sagrada como regra exclusiva de fé e de prática.
Para os pentecostais, assim como para os católicos, a palavra de Deus não é a ÚNICA regra de fé e prática. Os Católicos têm nas bulas papais e na tradição o mesmo valor de autoridade das Escrituras. Os Pentecostais, da mesma forma, nas NOVAS REVELAÇÕES, que podem vir por “profecias”, “sonhos”, ou através das “línguas estranhas”.
Quantos casamentos feitos e desfeitos; quantas “visitas pessoais” do próprio Deus nos arraiais Pentecostais. Falam como se pela boca do próprio Deus: “eis que sou Deus que te digo varão”. Quebra flagrante do terceiro mandamento. É mais do que claro que “as novas revelações” possuem, para os pentecostais, status de regra de fé e de prática, posto que eles obedecem cegamente a “ordem de Deus”, vinda diretamente de um “vaso”. Bom seria se essa obediência se estendesse à voz de Deus publicada na bíblia. Mas não é esse o caso, infelizmente. Alguém poderia negar essa realidade?
Já a variação neopentecostal, que pouco se utiliza das “manifestações de dons espetaculares” e que investe, principalmente, no exorcismo, utiliza uma interpretação tão esdrúxula da Bíblia que a transforma em palavra de qualquer pessoa, menos de Deus.
O pressuposto Pentecostal de “Escritura também” pode causar a falsa impressão de similaridade com o pressuposto da Reforma, mas são diametralmente opostos. “Escritura também” pode ser, e tem sido em muitas ocasiões, traduzido por “Somente Novas Revelações, nada de bíblia”. Permita-me ilustrar o que acabamos de argumentar: há muitos anos atrás, em nossa igreja, uma irmã envolvida com o Pentecostalismo recebeu a seguinte revelação: “seu atual marido não é o que Deus escolheu para você”. Essa mesma “profecia” foi levada pela mesma “profetisa” (pessoa com grande reconhecimento no meio pentecostal, possua cargo ou não) a um membro da igreja Assembléia de Deus: “vaso, a sua atual esposa não é a mulher que Deus escolheu pra você”. Resultado: ambos deixaram seus cônjuges e passaram a viver maritalmente “felizes para sempre”. Detalhe: a tal profetisa conhecia os dois pombinhos. Lembro que o conselho da igreja listou uma série incalculável de versículos bíblicos para aquela irmã, na esperança de fazê-la entender o quanto estava enlameada com o pecado de adultério. Sua resposta a cada versículo era: “esse eu já sei decorado, mas nada vai fazer eu mudar de idéia porque eu tenho a confirmação da revelação de Deus na minha vida”. É ou não é “somente nova revelação e bíblia nada”? Ela foi disciplinada, saiu da nossa igreja e foi fazer parte de uma igreja Pentecostal com seu novo parceiro "canela de fogo".
Diante disso, podemos afirmar: o pressuposto Pentecostal que contrasta com o “Sola Scriptura” é: “Escritura também, mas não só Escritura”.
Esse pressuposto Pentecostal pode até estar correto e o da Reforma Protestante errado. Mais uma coisa é certa: são completamente diferentes. Além disso, são auto-excludentes. Não há possibilidade de conciliação entre eles.
Sola Fide: Somente a Fé
Significa que o perdão dos pecados e, conseqüentemente, a justificação, advêm tão somente pela fé no sacrifício vicário de Cristo e não por obras meritórias.
Martinho Lutero baseou sua vida nesse princípio para lutar contra os desmandos da ICAR e, principalmente, contra a venda de indulgências, que é a venda de benefícios espirituais, do perdão ou mesmo de uma benção. Ao ler a epístola de Romanos 1:17 “O justo viverá da fé”, Lutero teve seus olhos desvendados para a realidade de que não pode negociar benesses com Deus, antes, pelo contrário, elas devem ser recebidas pela fé somente, sendo fruto da preciosa graça de Deus. Fé esta, aliás, outorgada pelo próprio Deus aos seus eleitos.
Era assim que pensavam os reformadores. É assim que pensam os Reformados até hoje. Agora, perguntamos: É assim que pensam os Pentecostais?
Rui Barbosa, no prefácio do livro “O Papa e o concilio”, referindo-se à venda de indulgências pela ICAR, na idade média, chega a dizer que não se respeitava nem mesmo os pontos mais melindrosos da Fé. Diz ele: “É só jogar o dinheiro na caixa que, no mesmo instante, as almas que estão no purgatório escapam, e que todos deveriam comprar o perdão da alma de seus entes queridos, e ainda que tivessem uma só veste, deveriam despi-la, logo e já, para comprar benefícios tamanhos”.
Os pentecostais são os responsáveis por ressuscitarem a famigerada idéia de indulgência. A troca de dinheiro por benefícios divinos é evidente, sobretudo em sua vertente neopentecostal, que se utiliza, também de muitos símbolos físicos como “unção com óleo”, “pulseiras da vitória”, “rosa ungida” e muitos outros, afastando por completo a idéia de “pela fé somente”. Mas, esse não é um privilégio apenas dos neopentecostais. Um dos mais proeminentes representantes do “Pentecostalismo tradicional ou original”, Silas Malafaia, também enveredou pela negação do “Sola Fide”. Em um vídeo muito famoso, também publicado no filosofiacalvinista sobre o título “A indulgência eletrônica de Malafaia e Murdock”, fez as seguintes afirmações, que o reaproximam e junto com ele o Pentecostalismo, mais uma vez, ao Romanismo e dessa feita em suas característcias mais graves: o Romanismo pré-reforma:
“E quando mais rápido a semente entrar no solo uma colheita começa a crescer”. Essa afirmação é uma referência a uma oferta “voluntária” de R$ 1.000,00 pedida pro Malafaia e Murdock.
Que outros benefícios essa oferta traria? Pasmem. Essa frase da dupla Malafaia/ Murdock é completamente indiscutível:
“Salvação para membros da família" (é uma referência a um dos benefícios adquiridos por quem pagar a indulgência, ou melhor, a "oferta voluntária" de R$ 1.000,00).
Agora compare com o que disse Rui Barbosa acerca da venda de indulgência, pela Igreja Católica Romana pré-reforma, que reproduzimos acima, com a Indulgência Eletrônica (porque poderia ser até dividia no cartão) de Malafaia e Murdock. É ou não é a mesmíssima coisa?
Isso não é simplesmente um desvio de conduta de um Pentecostal. É, antes, uma conseqüência mais ou menos lógica e previsível dos desdobramentos da negação dos princípios basilares da Fé Reformada, que é, na verdade, o cerne do Pentecostalismo.
Diante disso, podemos afirmar: o pressuposto Pentecostal que contrasta com o “Sola Fide é: “Fé em Deus, mas também Fé no esforço do homem”.
Esse pressuposto Pentecostal pode até estar correto e o da Reforma Protestante errado. Mais uma coisa é certa: são completamente diferentes. Além disso, são auto-excludentes. Não há possibilidade de conciliação entre eles.
Solus Christus: Somente Cristo.
Significa, em última análise, que não necessitamos de mais absolutamente nada além do Sacrifício substitutivo de Cristo Jesus, para a salvação. Implica que aquele que é salvo o é única e exclusivamente pelo sacrifício de Cristo. Isto é, o eleito nada faz que possa contribuir para sua salvação. De forma que a pregação numa Igreja Reformada poderia, tranquilamente, fazer a seguinte exortação: “não tentem fazer nada para alcançar a salvação, pois isso lhes seria um esforço inútil, pois vocês nada podem fazer para alcançar a vida eterna, nem mesmo podem contribuir ou ajudar a Deus nessa tarefa”.
Era assim que pensavam os reformadores. É assim que pensam os Reformados até hoje. Agora, perguntamos: É assim que pensam os Pentecostais?
O que aconteceria se essa exortação fosse feita em uma igreja Pentecostal?
Os pentecostais, pelo fato se serem semi-Pelagianos, não suportam a idéia da passividade face à doutrina da Salvação. Não estou querendo afirmar que os Pentecostais não crêem em Cristo para a salvação. Isso seria absurdamente desonesto. O problema é que não depositam a confiança de sua salvação “Somente em Cristo”, como o pressuposto da Reforma Protestante, baseado na Bíblia, requer. É sempre Cristo+cabelos+“joelhos no chão”+roupas+“manifestações do espírito”+“prosperidade” (características da variação neopentecostal)+“santificação pessoal”, cujo conceito é extremamente parecido com o conceito Católico Romano, isto é, santo como sendo aquele que não peca. Essa similaridade é evidenciada também pelas roupas dos santos católicos e dos crentes pentecostais, que parecem proceder da mesma grife.
O pressuposto Pentecostal de “Cristo também” também pode causar a falsa impressão de similaridade com o pressuposto da Reforma, mas são diametralmente opostos.
Diante disso, podemos afirmar: o pressuposto Pentecostal que contrasta com o “Solus Christus” é: “Cristo também, mas não só Cristo”.
Esse pressuposto Pentecostal pode até estar correto e o da Reforma Protestante errado. Mais uma coisa é certa: são completamente diferentes. Além disso, são auto-excludentes. Não há possibilidade de conciliação entre eles.
Sola Gratia: Somente a Graça
“Durante a Reforma, os líderes protestantes e os teólogos geralmente concordavam que a doutrina da salvação da Igreja Católica Romana seria uma mistura de confiança na graça de Deus e confiança no mérito de suas próprias obras, comportamento este chamado pelos protestantes de sinergismo” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Sola_gratia), enquanto eles defendiam o monergismo, que significa que a salvação depende exclusivamente de Deus: no início, no meio e no fim.
Era assim que pensavam os reformadores. É assim que pensam os Reformados até hoje. Agora, perguntamos: É assim que pensam os Pentecostais?
Observe: a mesma constatação que os “líderes protestantes” do século XVI chegaram acerca da doutrina da salvação da Igreja Católica Apostólica Romana pode, integralmente, ser observada na doutrina da Salvação dos Pentecostais.
Eles não acreditam que Cristo resolveu o problema da condenação eterna de forma igualmente eterna e definitiva, pois também acreditam na perda da Salvação. Ora, se Cristo morreu pelo indivíduo e ele ainda pode perder a salvação, o que, afinal, seria suficiente para dar-lhes a certeza da salvação? Respondemos claramente o que os Pentecostais respondem na sua prática religiosa: as obras. À semelhança dos Espíritas, que praticam boas obras por acreditarem ser importante para melhorarem seu processo de reencarnação, tudo que o Pentecostal faz é visando a “continuação da sua salvação”. Ou seja, faz porque entende que deve fazer para “continuar salvo”, do contrário poderá perder essa salvação, a exemplo das vigílias, das longas orações, das manifestações públicas de “espiritualidade” e das campanhas de evangelização, que servem como uma espécie de “cartão de visita” para ser apresentado na porta do céu.
Diante disso, podemos afirmar: o pressuposto Pentecostal que contrasta com o “Sola Gratia” é: Sinergia. Nós podemos contribuir ativamente para nossa salvação. A graça, no contexto Pentecostal, é algo quase dispensável, pouco utilizada, pouquíssimo estudada e nunca compreendida.
Esse pressuposto Pentecostal pode até estar correto e o da Reforma Protestante errado. Mais uma coisa é certa: são completamente diferentes. Além disso, são auto-excludentes. Não há possibilidade de conciliação entre eles.
A primeira pergunta do Catecismo Maior de Westmister faz uma indagação cuja resposta representa bem esse Sola: Qual o fim supremo e principal do homem? A Essa pergunta os herdeiros da Reforma responderam: Glorificar a Deus e Gozá-lo para Sempre.
Esse ponto foi levantado pelos Reformadores exatamente para combater a questão hierárquica da Igreja Católica, bem como da canonização de pessoas consideradas “santas”. É evidente aqui que a luta era contra o orgulho humano que quer, insuflado pelas idéias de satanás, assumir a glória devida “somente a Deus”.
Os Reformadores não admitiam, em hipótese alguma, dividir a glória devida “somente a Deus” com homens, ainda que esses fossem líderes religiosos proeminentes.
Era assim que pensavam os reformadores. É assim que pensam os Reformados até hoje. Agora, perguntamos: É assim que pensam os Pentecostais?
A busca frenética pelo reconhecimento pessoal no meio Pentecostal é algo gritante. Muitos jovens se martirizam psicologicamente para ter “o dom de línguas estranhas”, por exemplo. Com que objetivo? Edificar a igreja? Absolutamente. Com o fim de serem reconhecidos como “homens e mulheres de Deus”. Isso, em última instância redunda em glória pessoal e particular, além de render cargos. Cargos que inclusive possuem natureza hierárquica, o que possibilita uma nova ponte à idéia de clero do Catolicismo Romano, passando pelo “cargo” de presbítero, evangelista e evoluindo aos diversos tipos de pastores, numa escalada gradual, sendo o posterior superior ao imediatamente anterior.
De todo esse estado de “glorificação velada do homem”, característica peculiar do humanismo - principal influenciador do Pentecostalismo, decorre a variação encontrada nas igrejas neopentecostais: a figura do Apóstolo, que pressupõe um grau extremamente alto e superior em relação aos demais líderes da igreja. Só não se sabe onde essa escala hierárquica de poder eclesiástico vai parar.
Há também a glorificação dos “profetas” e “profetisas” que não possuem, necessariamente, um cargo, muito embora seja o objetivo de muitos deles. Esses são “eleitos” pelo próprio povo para receberem a glória do reconhecimento. Esses têm uma oração mais poderosa que os demais. Com esses, dizem seus admiradores, Deus fala coisas profundas e misteriosas. Uma das principais frases de Malafaia, por exemplo, para trazer alguma espécie de “maldição” aos seus oponentes é “sou profeta de Deus”. Isso requer para si uma espécie de contato direto com Deus, o que lhe confere um poder extremamente grande.
Diante disso, podemos afirmar: o pressuposto Pentecostal que contrasta com o “Soli Deo Glória” é: Deus seja glorificado, mas também o “homem e a mulher de Deus".
Esse pressuposto Pentecostal pode até estar correto e o da Reforma Protestante errado. Mais uma coisa é certa: são completamente diferentes. Além disso, são auto-excludentes. Não há possibilidade de conciliação entre eles.
Agora decida: o Pentecostalismo tem algo a ver com a Reforma Protestante? Os pressupostos do Pentecostalismo são convergentes ou divergentes em relação ao pressupostos da Reforma Protestante do século XVI?
Se por acaso (e espero que sim) atribui ao Pentecostalismo algum pressuposto que não lhe pertence, por favor apontem, faço questão de corrigir.
Série: Reforma Protestante.
Série: Reforma Protestante.