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sábado, 31 de outubro de 2015

496 DE REFORMA PROTESTANTE: REFLEXÕES PARA IGREJAS TRADICIONAIS - Parte 1/2




Em 31 de Outubro de 1517 a Reforma Protestante, movimento do século XVI, completa 496 anos. Essa data é pontuada na história do cristianismo, mas não significa dizer que o "movimento de Reforma da igreja de Cristo" está circunscrito a esse tempo e espaço. A expressão Latina "Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est", que significa "igreja Reformada, sempre se Reformando", dá o tom de como deve ser entendido esse movimento. Gosto da palavra "movimento" para falar da reforma, pois ela trás uma ideia de gerúndio, de continuação. Portanto, seria mais adequado falar de "Reformas". A Reforma não foi "movimento estático". Isso constituiria uma contradição entre os termos.  A história do povo de Deus está cheia delas e cada uma com seus próprios "Reformadores'. Nesse sentido, Neemias foi um reformador, o Rei Josias foi um reformador, os profetas, cada um a seu tempo, foram reformadores. Os apóstolos foram reformadores. Agostinho foi um reformador. Sabe aqueles que ficaram conhecidos como "pré-reformadores"? Esse é um título equivocado e injusto. Foram reformadores em seu tempo. Jonh Huss e Wiclif, só para citar alguns, foram verdadeiramente reformadores. Os Puritanos foram reformadores. Todos esses e tantos outros foram tão reformadores da igreja de Cristo quanto Lutero e Calvino.

O que há em comum entre todos esses Reformadores, ao longo a história do cristianismo? Muitas características. Citarei apenas algumas: o amor e apego pela palavra revelada de Deus, seguindo-a como única regra de fé e de prática; o desejo sincero de ter a glória de Deus como objetivo principal e fim supremo de suas vidas e muitas outras facilmente percebida em todos eles. 

Mas, há em todos os Reformadores, citados e não citados aqui, uma característica indispensável, sem a qual não poderiam receber tal designação: A CORAGEM. Eles eram Homens de Verdade. Temiam somente à Deus, verdadeiramente. Não eram frouxos.

Lutero, por exemplo, ao ser convocado para comparecer à Dieta de Worms, para ser julgado diante do Imperador Carlos V, de Joann Eck, assistente do arcebispo de Trier e de outros emissários do Papa, não temeu, frente ao eminente perigo.

“Segundo John Fox, no seu famoso Livro de Mártires Cristãos, no capítulo História da Vida e Perseguições de Martinho Lutero, este foi dissuadido por seus amigos a não comparecer diante do Imperador, que não era simpático à causa reformada, o que poderia acarretar em condenação à morte, Fox assim descreve o ocorrido: “... Veio de modo contrário às expectativas de muitos, tanto dos adversários como dos amigos. Os seus admiradores deliberaram juntos, e muitos trataram despersuadi-lo para que não se aventurasse ao perigo de ir a Roma, pois consideraram que tantas vezes não se havia respeitado a promessa de segurança para as pessoas nesta condição. Ele, após ter ouvido todas as suas persuasões e conselhos, respondeu-lhes do seguinte modo: “No que a mim me diz respeito, uma vez que me chamaram, resolvi e estou certamente decidido a ir a Worms, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; sim, mesmo sabedor de que há ali tantos demônios para resistir-me, em número tão grande como o das telhas que cobrem as casas da cidade de Worms”. Segundo ainda algumas “lendas pias”, Lutero teria dito: “Se cada telha dos Castelos de Worms fosse um demônio, mesmo assim, eu iria, pois Castelo Forte é o nosso Deus!”, desta forma a canção que ele compôs foi chamada assim. Conforme:
 
(http://joceleniltongomes.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html#sthash.qRrKpkOk.dpuf). 

É exatamente essa CORAGEM que distingue um "Reformador" de um não "Reformador". Os fracos e covardes, que preferem assistir passivamente o lobo devorando as ovelhas, mesmo sendo sua função e chamado defendê-las, não merecem essa designação. "Poupar o lobo é sacrificar as ovelhas". 

Há no Brasil, também,  igrejas que são herdeiras diretas da Reforma Protestante do século XVI. Geralmente são chamadas de "tradicionais". Não só por conta do estilo sóbrio, simples e ortodoxo de sua liturgia. O termo remete à sua raiz histórica com a chamada Reforma Protestante do século XVI. São elas: Igreja Luterana, Igreja Presbiteriana, Igreja Reformada, Igreja Batista (se a consideramos fruto do movimento anabatista, ainda que um pouco tardiamente), entre outras pouquíssimas.

Com relação a essas igrejas, é quase unânime a afirmação que estão enfrentando uma "grave crise de identidade doutrinária", o que discordo, em certo sentido.

Vejo essa crise apenas na Igreja Batista,  não nas outras. 

Na Igreja Presbiteriana, por exemplo, não há uma "crise de identidade doutrinária", antes houvesse. A igreja, como instituição, preserva, ainda hoje, uma forte identificação confessional com os chamados símbolos de fé de Westminster - Confissão de Fé e Catecismos Maior e Breve, que constituem a interpretação oficial da igreja sobre diversos temas das Escrituras. A igreja sabe exatamente no que crê. Todas as suas estruturas funcionam perfeitamente como uma espécie de blindagem contra esse tipo de crise. É uma igreja confessional. Portanto, não sofre dessa "crise de identidade doutrinária".

Mas, o fato da IPB não sofrer dessa crise especifica, não significa dizer que está isenta de toda e qualquer crise. Pelo contrário, há uma GRAVE crise em seu meio: "a crise de HOMENS DE VERDADE, de HOMENS DE CORAGEM à semelhança dos Reformadores; de profetas de Deus que não temem perder o pescoço, à semelhança de João Batista; crise de Reformadores, de fato". 

Muitos pastores não fazem o que tem que ser feito, nas igrejas e nos concílios competentes, por conta de uma espécie de corporativismo velado que existe na "classe" e por conta de sua reeleição como pastor efetivo da igreja local. Aprovam candidatos sem condições, recepcionam pastores de outras denominações que não conhecem ao menos o básico da teologia da igreja, e tudo isso, na maioria das vezes, para satisfazerem aos anseios das "amizades". Além disso, fecham os olhos aos grotescos erros teológicos e de práxis religiosa e litúrgica de seus "colegas". E o que não dizer dos Presbíteros, principalmente, e dos Diáconos? A maioria deles são adeptos da filosofia do pragmatismo. Negociam práticas que são claramente contrárias às Escrituras, em nome de um suposto "não-radicalismo", mas, que, na verdade, querem ser "bem vistos" pelas "ovelhas subnutridas" das igrejas e, principalmente, pelas sociedades internas, transformadas, algumas vezes, em palanques "eclesiástico-eleitorais". Isso, sim, é verdadeiramente uma crise. Crise da Falta de HOMENS com a CORAGEM e a paixão pelas Escrituras que os Reformadores, de todos os tempos, tiveram. Essa crise é tão grave que parece supor a existência de uma "crise de identidade doutrinária", mas ela não existe. Essa falta de compromisso doutrinário de algumas igrejas locais e a quebra dos votos confessionais de alguns pastores e oficiais só ocorre por falta de HOMENS de CORAGEM no seio da igreja. Essa é a verdadeira crise que desencadeia todos os outros problemas da IPB.

Nunca pensei que publicaria uma música de origem pentecostal, muito menos ainda num post sobre a Reforma Protestante e, para piorar,  cantada por um "astro gospel" que não tem o menor compromisso com o Cristianismo, segundo ele mesmo. Mas, o fato é que ela se encaixa perfeitamente aqui, nesse contexto. Algo do tipo, como diria o Presb.Jonas Carvalho - um daqueles que têm coragem - "até as pedras clamarão". Na IPB, então: "Tá faltando João Batista, tá sobrando Salomé":

496 ANOS DE REFORMA PROTESTANTE: REFLEXÕES PARA IGREJAS PENTECOSTAIS 2/2



Quem já leu nossa série intitulada "Pentecostalismo e Reforma Protestante", arquivada aqui no blog em setembro e outubro/2011, sabe que não considero as igrejas pentecostais como igrejas "protestantes", no sentido de serem fruto ou de terem alguma espécie de ligação com a Reforma Protestante do século XVI. Em nossa opinião, o Pentecostalismo é muito grande para caber dentro da reforma. É um movimento completamente outro. Além disso, entendemos que as igrejas chamadas "Neo-Pentecostais" nada mais são que igrejas "Pentecostais", com algumas poucas variações; para pior, geralmente.

Por conta isso, reconhecemos que é um pouco fora de sentido direcionar algumas reflexões para as igrejas "Pentecostais históricas" e suas variantes Neo-pentecostais, dentro de uma postagem sobre a Reforma Protestante. Cometeremos esse deslize de forma consciente, entretanto:

Para iniciarmos nossas reflexões às igrejas Pentecostais, evocaremos a "tese" de nª 20/95, de Lutero, que diz: 

"O Teólogo da Glória chama de bom aquilo que é mau, e chama de mau aquilo que é bom; o teólogo da cruz chama as coisas pelo que são".

Para Lutero, os teólogos de seu tempo, a quem ele chama de "Teólogo da Glória", "criavam uma imagem de Deus que refletia apenas as próprias expectativas da humanidade sobre como Deus deveria ser", como afirma Carl Trueman, em seu excelente livro "Reforma ontem, hoje e amanhã", p.39. Eles, continua ele: "como a maioria das pessoas, esperam que Deus recompense aos que fazem coisas boas, entendendo, obviamente, que suas próprias obras são boas e louváveis diante de Deus".

Acaso não são "Teólogos da Glória" também os defensores hodiernos da teologia da prosperidade? Para eles, os crentes em Cristo precisam ser prósperos financeiramente. Precisam repreender a enfermidade; precisam viver regaladamente. Para eles, o sofrimento não deve fazer parte da vida do Cristão. São triunfalistas, materialistas, pregadores da vitória consumista e da glória; a glória própria.

Lutero, o teólogo da cruz, pensava absolutamente diferente. Certamente ele receberia um sonoro "tá repreendido em nome de Jesus" ao expor sua "teologia da cruz", do sofrimento, que ensina:

"Assim como Cristo aceitou o sofrimento e a morte como parte de sua própria vida e ministério, assim os que procuram andar em seus passos não devem esperar menos do que isso. A teologia da cruz [...] inverte as concepções humanas. A pergunta natural de alguém que está sofrendo de alguma forma é a seguinte: Por que eu? Por que essa coisa terrível está acontecendo comigo? Eu não fiz nada de errado. Para Lutero, a pergunta deve ser respondida olhando para a cruz: Se o sofrimento, a perseguição, a injustiça, o ódio e o escárnio são o quinhão de Cristo [...], devemos então esperar que nosso quinhão seja melhor? Em outras palavras, a pergunta não é tanto "Por que acontecem coisas ruins a pessoas boas?", e, sim: "Por que não acontecem mais coisas ruins às Pessoas boas?". De fato, para Lutero o sofrimento e a fraqueza são essência da vida cristã" (TRUEMAN, 2013, p.46,47).


Se as palavras acima já são mais que suficientes para deixarem os "teólogos da glória e da prosperidade" de "cabelo em pé", afastando-os cada vez mais de Lutero, talvez por entenderem ter ele recebido a influência do "demônio verdugo" (para saber mais sobre isso pergunte ao futuro Apóstolo "Eraldo Filho", no facebook), que o fez pensar assim, imagine, então, as que se seguem:

"Quanto mais alguém se assemelha a Cristo, tudo indica que mais propensa essa pessoa estará a sofrer e a sentir-se fraca e inadequada [...]. Naturalmente, isso não quer dizer que somos salvos por meio do sofrimento - de maneira nenhuma! O que está implícito é que, uma vez salvos, podemos esperar sofrimento e fraqueza como parte integrante da vida centrada em Cristo. Portanto, não devemos ficar surpresos quando as dificuldades surgem em nossa vida, pois elas são parte essencial da obra estranha de Deus, por meio da qual ele completa em nós a obra peculiar. O que deve o cristão esperar dessa vida? Saúde, riqueza e felicidade? É assim que Deus mostra sua graça e favor? Certamente isso é o que um teólogo da glória tomaria por certo: se Deus é bom para comigo, então ele me dará todas as coisas que tanto desejo. Os valores e as expectativas de um teólogo da glória são as mesmas do mundo ao redor. Assim, o sucesso espiritual deve ser julgado de maneira e maneira análoga ao suesso terreno, em termos de receita, status e credibilidade social. Mas essa não é a genuína teologia cristã, como Lutero a vê, pois ela não dá lugar para a cruz. As verdadeiras expectativas cristãs centralizam-se na cruz e envolvem aceitar, e até mesmo abraçar espontaneamente o sofrimento, a fraqueza e a marginalização que inevitavelmente acontecem àqueles que seguem os passos o Senhor Jesus. esse é que deve ser o horizonte de expectativas do crente como indivíduo e da igreja como um todo" (TRUEMAN, 2013, p.47,48).

Nada mais a acrescentar. Aprendam isso "teólogos da glória e da prosperidade" dos últimos tempos. 

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