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sexta-feira, 13 de abril de 2012

A TRANSIÇÃO DO TEMPO PARA A ETERNIDADE COMO UM PRESSUPOSTO MÍSTICO EM AGOSTINHO DE HIPONA - Controvérsia com Pelágio - Parte 3 (final)

1.2    A controvérsia com Pelágio

Outra importante controvérsia, de caráter mais teológico, ainda teria despertado Agostinho para a questão da eternidade, desta feita, com Pelágio, monge britânico, eunuco, natural da Irlanda, que se engajou em intenso conflito contra Agostinho, numa questão que envolvia basicamente o problema do livre-arbítrio.

Borges, sobre esse assunto, faz a seguinte afirmação:

A eternidade permaneceu como atributo da ilimitada mente de Deus, e sabe-se muito bem que as gerações de teólogos tem trabalhado essa mente a sua criação e semelhança. Nenhum estímulo tão vivo quanto o debate da predestinação. Quatrocentos anos depois da paixão e morte de Cristo, o monge inglês Pelágio incorreu no escândalo de pensar que os inocentes que morrem sem o batismo alcançam a glória. Agostinho, bispo de Hipona, o refutou com indignação aclamada por seus editores. Observou a heresia dessa doutrina: a negação de que no homem Adão todos nós homens já pecamos e perecemos, o esquecimento horrível de que essa morte se transmite de pai para filho pela geração carnal – adiante que segundo a justiça todos nós merecemos o fogo sem perdão, mas que Deus determina salvar alguns, segundo seu arbítrio[1].

Ainda sobre a importância deste debate que é, em última análise, matéria prima de Agostinho para refletir sobre a eternidae, Sproul faz a seguinte afirmação:

A questão entre Pelágio e Agostinho era clara. Não estava ofuscada por argumentos teológicos intricados, especialmente no começo. Nunca houve, talvez, uma outra crise de igual importância na história da igreja na qual os oponentes tenham expressado os princípios em debate tão clara e abstratamente. Somente a disputa Ariana pode ser comparada a ela[2].

Para Pelágio, diferentemente de Agostinho, o homem continuava habilitado, mesmo depois da queda, a fazer o bem se assim desejasse e que não se fazia necessário uma assistência especial da graça de Deus para que o ser humano o obedecesse. Para Agostinho, entretanto, esta assistência da graça era essencial e indispensável, sendo outorgada por Deus, na eternidade.

Para combater as idéias de Pelágio, consideradas heréticas, Agostinho escreve “A Graça”, uma obra densa e de extrema lucidez, onde retoma a questão do Livre Arbítrio tendo, inclusive, modificado seu entendimento inicial sobre o assunto, além de tratar também sobre a própria doutrina da Graça e sobre Predestinação. Ao abordar esses temas, obviamente Agostinho aborda também a questão da Eternidade.

Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). Pois, se fossem eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecerem ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação aquele que diz: Não fostes vós que me escolhestes [...]. Esta é a imutável verdade da predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo?(Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele. Conseqüentemente, foram escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou os que predestinou e não a outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a outros com a consecução daquele fim que não tem fim[3].

Este debate tem sido atualizado ao longo da história do cristianismo: No século XVI foi revivido de forma intensa pelos reformadores Lutero e Calvino, além de outros, que subscreviam a posição agostiniana, enquanto  Erasmo de Roterdam, além de outros, à de Pelágio. No século XVII mais uma vez o debate reaparece, quando um dos mais entusiasmados seguidores de Pelágio, o holandês Thiago Armínius retoma a questão. Para combatê-lo, os calvinistas, reunidos em concílio, formularam um documento que ficou conhecido como “Os Cânones de Dort”, reafirmando, como crença oficial da Igreja Reformada, a posição agostiniana. No século XIX o debate toma força novamente, desta vez com os puritanos ingleses, que formularam a “Confissão de Fé de Westminster”, para ratificar a posição Calvino e, conseqüentemente, de Agostinho. Na contemporaneidade o debate ainda continua de forma intensa, atualizado, principalmente, por calvinistas e arminianos.


O sétimo dia, porém, não tem tarde nem repouso, porque o santificaste para permanecer eternamente. Aquele descanso, com que repousaste no sétimo dia depois de tantas obras muito boas – que realizaste sem cansaço – é um anúncio que nos vem pela palavra da tua escritura: também nós, descansaremos em ti, no sábado da vida eterna, depois dos nossos trabalhos, que são bons porque os concedestes a nós[4].


Como vimos, tanto a controvérsia com os maniqueus como a controvérsia com Pelágio, foram de grande importância na construção teoria do tempo de Agostinho, e, de forma muito particular, para a questão da eternidade. Esses debates provocaram e estimularam sua mente, fazendo-o refletir seriamente sobre o problema.

Contudo, uma das mais marcantes experiências místicas de esperança da continuação da vida da consciência após a morte física que Agostinho desfrutou foi, certamente, na última conversa com sua mãe – Mônica –, ao aproximar-se o dia da sua morte. Relata Agostinho que, depois de uma cansativa viagem, conversava com sua mãe, olhando para o futuro, sobre “qual seria a vida eterna dos santos”. Numa experiência mística, chegando ao “íntimo de suas almas”, por “intuição”, por um momento pensaram ter alcançado fagulhas da vida por vir; e, como afirma, naquele momento de contemplação, “o mundo, com todos os seus prazeres, perdia para nós todo valor e minha mãe me disse: “Meu filho, nada mais me atrai nesta vida [...] Deus me satisfez amplamente, porque te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo”[5].

Esse diálogo é de fundamental importância para termos noção da esperança que Agostinho alimentava de uma vida além de sua vida física; e não somente isso, mas também de como a considerava, analogamente à sua mãe, mais importante e mais pujante que a vida terrena. Agostinho tinha plena convicção de que sua mãe havia sido predestinada[6], não por merecimento, e que essa convicção, baseada em seus frutos, dava-lhe condições plenas de afirmar que “ela não responderá que nada deve, por medo de ser convencida do contrário [...], mas, ela responderá que sua dívida lhe foi perdoada por aquele a quem ninguém pode restituir o que ele pagou por nós sem ser devedor”[7].

Tomado de uma perplexidade gratificante, pelo testemunho corajoso de sua mãe ao ser perguntada se não tinha medo de deixar seu corpo longe de sua terra natal, ao que respondeu, segundo seu próprio relato, que “para Deus nada é longe, nem devo temer que, no fim dos séculos, Ele não reconheça o lugar onde me ressuscitará”[8]. Tendo, finalmente, falecido sua mãe, refletiu e chegou à conclusão de que:

De fato não parecia justo celebrar o funeral com lamentos e choros, pois essas demonstrações servem usualmente para deplorar a morte como infelicidade ou como aniquilamento total, ao passo que essa morte não era uma desgraça, nem para sempre[9].

A clareza e a convicção de uma “vida eterna” após a vida física inundara a mente de Agostinho, de forma definitiva, fazendo-o produzir um belíssimo salmo com o qual finalizamos sua compreensão de eternidade:

Que se lembrem com piedosa emoção dos que foram meus pais nesta vida transitória [...] Que se lembrem dos meus concidadãos na eterna Jerusalém, pela qual suspira teu povo peregrino desde a partida da pátria até o regresso[10].


[1] BORGES. Jorge Luis. História da eternidade. 4. ed. Trad. de Carmem C.Lima. São Paulo: Globo, 1991.p.2
[2] SPROUL, R.C. Sola gratia: a controvérsia sobre o livre arbítrio na história. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 31
[3] AGOSTINHO. A graça II . São Paulo: Editora Paulus, 1999, p.194,195.
[4]Conf., XIII, 36.51.
[5]Conf., X.25.
[6] Esta é uma doutrina característica de Agostinho. Ele a aborda densamente nos dois volumes de seu tratado sobre a graça. Em síntese, esta doutrina é uma conseqüência lógica de sua antropologia: com o pecado, o homem tornou-se tão corrompido quanto poderia ter sido, isto é, teve sua “essência” totalmente corrompida, não restando, neste homem, bem algum capaz de habilitá-lo a aproximar-se de Deus novamente. A antropologia Agostiniana influenciou profundamente o pensamento protestante reformado, dando origem à doutrina da “depravação total do homem”. Não sendo este homem capaz de, por sua própria vontade, voltar-se para Deus, por estar morto espiritualmente, como conseqüência do pecado, resta-lhe, como única alternativa, contar com a graça de Deus. Antes da fundação do mundo (por isso o termo predestinação), Deus escolheu, graciosamente, alguns para reabilitar (do seu estado de depravação total) e salvar suas almas.
[7] Conf., XIII, 35.
[8] Conf., XIII, 11.28.
[9] Ibid., XIII, 12.30.
[10] Ibid., XIII, 13.37.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A TRANSIÇÃO DO TEMPO PARA A ETERNIDADE COMO UM PRESSUPOSTO MÍSTICO EM AGOSTINHO DE HIPONA - Controvérsia com os Maniqueus - Parte 2

1- A controvérsia com os Maniqueus

O cerne dessa principal polêmica, que envolve, primordialmente, a questão da eternidade, perpassa pela provocante pergunta feita pelos maniqueus[1]: O que fazia Deus antes de criar a terra?

Agostinho apresenta a argumentação maniquéia da seguinte forma:

Certamente estão ainda mergulhados na cegueira do velho homem aqueles que dizem: que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? E acrescentam: se estava ocioso e nada realizava, porque não ficou sempre assim, continuando a abster-se do trabalho? Se existia em Deus um movimento novo, uma vontade nova de criar uma criatura que ele ainda não tinha feito antes, como se pode falar de verdadeira eternidade, onde nasce uma vontade que antes não existia? Mas a vontade de Deus não é uma criatura; é anterior a toda criatura, pois nada seria criado se antes não existisse a vontade do Criador. Essa vontade pertence à própria substância de Deus. Mas se algo surgiu na substância de Deus que antes não existia, não é justo denominá-la substância eterna. Pelo contrário, se era eterna a vontade de Deus que existisse a criatura, por que não é eterna também a criatura?[2].

Fica evidente a intenção dos maniqueus: deixar seus oponentes em situação embaraçosa. Se reconhecem a mudança na vontade de Deus, caem no precipício de negar-lhe a eternidade, pois é próprio do eterno permanecer. Se, por outro lado, admitem a existência co-eterna das coisas, admitem integralmente o pensamento dos maniqueus. 

Para responder aos questionamentos sugestionadores dos maniqueus, Agostinho, cautelosamente, desvia a indagação para outra direção, procurando estabelecer parâmetros para sua resposta e, ao mesmo tempo, esvaziar a pergunta dos maniqueus, uma vez que, para Deus, não há passado nem futuro, mas apenas um “eterno presente”; isto é, Deus tudo vê de forma compacta e ao mesmo tempo, no “esplendor de sua sempre imutável eternidade”. Agostinho reconhece, entretanto, o esforço deles para conhecer as coisas eternas, mas adverte: nunca conseguirão chegar a esta compreensão; pelo menos enquanto não se desvencilharem das realidades passadas e futuras.

Para Agostinho, não cabe sequer a pergunta sobre o que Deus fazia antes da criação, ou ainda, porque não quis criar antes o que criou depois. Essas questões pressupõem mudança, e esta é antítese de eternidade.

Eles – os maniqueus – estavam querendo achar um Deus que em sua própria natureza é livre, por sua eternidade e soberania, preso aos mesmos caprichos de suas consciências. Sua maneira de entender esta questão estava completamente equivocada, jamais compreenderiam que, em certo sentido, “o princípio”[3] não o é em relação a Deus e, sim, em relação às criaturas. Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele. Em Deus não pode haver, e não há movimentos, pois isso é próprio da criatura finita e não do Criador infinito, como afirma Agostinho:

O céu e a terra existem e, através de suas mudanças e variações, proclamam que foram criadas [...], e todas as coisas proclamam que não se fizeram por si mesmas: Existimos porque fomos criados; mas não existimos antes de existir, portanto não podíamos ter criado a nós mesmos[4].

Parafraseando as palavras de Agostinho, como poderia uma obra de arte existir antes da existência do seu criador? Se a pintura é contemplada, e enche cada vez mais partes do corpo, até ficar todo ele tomado de um sentimento estético indescritível, ela – a pintura – estará sempre proclamando que foi criada. Até mesmo seu valor é avaliado não pela sua beleza em si, mas pela importância do seu criador. Maior honra terá a obra em proclamar que é criatura, e nunca se dirá co-existente com seu criador, do contrário não seria criatura; e muito menos dirá ser a causa de sua própria existência e, ainda que possível fosse, já estaria denunciada sua falácia, numa simples contemplação.

Assim também é o sentimento da criação toda em relação ao seu criador, apenas com uma diferença: a tela produzida é posterior ao seu criador, porém, este, por ser também criatura de um Criador, só pode criar a partir de uma outra matéria. Com a criação de Deus ocorre exatamente o contrário, como afirma Agostinho em suas Confissões e conversa com seu Criador:

Certamente não fizestes como o artista, que se serve de um corpo para formar outro corpo, imprimindo-lhe, segundo a inspiração do espírito, a imagem que seu olhar interior descobre [...] nem tinha à mão matéria alguma com que modelasses o céu e a terra [...], portanto, disseste uma palavra e as coisas foram feitas, com a tua palavra as criastes[5].

Nem mesmo em suas “eternas palavras” há sombra de mudanças ou variação, do contrário, onde estaria o conselho eterno? Em Deus, devido a sua eternidade, não se pode pensar na linguagem, assim como em nós ocorre: sucessivamente e depois do pensamento. Nele, pensamentos, palavras e frases, tudo acontece ao mesmo tempo. Os tipos de antropomorfismo[6] por vezes nos dão uma falsa impressão de sucessão em suas palavras e atos, porém como o entenderíamos nós, pelo menos em fagulhas, se não utilizássemos esse recurso de dizer as coisas concernentes a Deus através das coisas que conseguimos entender?

Pois o que foi dito não foi sucessivamente proferido – uma coisa concluída para que a seguinte pudesse ser dita, mas todas as coisas proferidas simultânea e eternamente. Se assim não fosse, já haveria tempo e mudança, e não verdadeira eternidade e verdadeira imortalidade[7].

Por isso, ao responder à pergunta: O que fazia Deus antes de criar o mundo? Agostinho diz: “Aqueles que falam assim, ainda não te compreenderam [...]; ainda não compreenderam como se fazem as coisas criadas por ti e em ti”[8]. Em Deus, não há devir, apenas ser. “Na eternidade nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente”[9].

Com esse desvinculamento do “tempo perguntado” pelos maniqueus e a eternidade divina, Agostinho esvazia seus argumentos e, concluindo, cita que, antes da criação, “Deus preparava o inferno para aqueles que perguntam estes profundos mistérios”[10].

Com essa argumentação, confrontando o “tempo perguntado” pelos maniqueus com a eternidade de Deus, Agostinho põe por terra toda cadeia de pensamento do mito maniqueu, de uma criação co-eterna e, assim sendo, sem um criador.

Agostinho afirma, de forma racional, não apenas mística, a existência de um Deus eterno e uma criação não eterna, por sua própria natureza, e que todas as coisas foram criadas por Deus, quer direta ou indiretamente, e que não cabe a pergunta: “o que Deus fazia antes”, pois, antes da criação, não havia tempo, nem homem, para que se possa utilizar o termo “antes”, nem criação, apenas Deus em seu atributo incomunicável de imutabilidade, em sua eternidade:

Porventura, Senhor, tu és eterno, já não conheces o que te digo? Não vês no tempo o que se passa no tempo? Por que motivo te narro então tantos acontecimentos? Não é, certamente, para que os conheças por mim, mas para despertar meu amor por ti[11].

A partir desse conceito de eternidade e em contraponto com ele, Agostinho desenvolve, de forma mais elaborada, sua teoria sobre o tempo, abordando entre outros aspectos, sua subjetividade e, pela memória, as noções de passado, presente e futuro, como vimos nos capítulos anteriores.

A controvérsia de Agostinho com os maniqueus sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo levou-o a afirmar a eternidade de Deus e, assim procedendo, inegavelmente, admite a possibilidade de um “tempo” para “além-do-tempo”. Ele o faz, entretanto, buscando apoio nas revelações, não diminuindo, por isso, de forma alguma, o valor lógico e racional de seus argumentos. Fica evidente, de igual modo, que Deus, sendo eterno – Ele sozinho – sem ninguém com quem tome conselho –, é também livre para criar; e o que criou, criou segundo sua exclusiva, soberana e eterna vontade:

Tuas obras te louvam para que te amemos, e nós te amamos para que tuas obras te louvem; elas que tiveram início e fim no tempo, nascimento e morte, progresso e regresso, beleza e imperfeição. Todas elas têm sucessivamente manhã e tarde, ora oculta ora manifesta. Do nada foram criadas por ti, não da tua substância; não de alguma matéria tua que existisse antes, mas de matéria concreta, criada por ti, ao mesmo tempo em que lhe deste uma forma sem nenhum intervalo de tempo. Uma é a matéria do céu e da terra. Essa matéria foi tirada da matéria informe, mas essas duas operações foram simultâneas, de forma que entre a forma e a matéria não houve intervalo de tempo[12].

A possibilidade da eternidade está intimamente ligada com a questão da imutabilidade. Para Agostinho, Deus é um eterno “ser”, que não muda e que não possui sequer sombra de variação; mais que isso, ele é único sob essas condições:

A imutabilidade de Deus é necessariamente concomitante com sua asseidade. É a perfeição pela qual não há mudança nele, não somente em seu Ser, mas também em suas perfeições, em seus propósitos e em suas promessas. Em virtude deste atributo, ele é exaltado acima de tudo quanto há, e é imune de todo acréscimo ou diminuição e de todo desenvolvimento ou decadência em seu Ser e em suas Perfeições [...] Até a razão nos ensina que não é possível nenhuma mudança em Deus, visto que qualquer mudança é para melhor ou para pior. Mas em Deus, a perfeição absoluta, melhoramento e deterioração são igualmente impossíveis[13].


[1] O Maniqueísmo foi uma espécie de seita fundada por Mani, no século III ac. Ele acreditava que a difícil situação humana era causada por dois princípios que co-existem naturalmente em todos os seres humanos: o primeiro espiritual e luminoso e o segundo material, físico e tenebroso. Basicamente a doutrina maniqueísta está fundamentada sob o pilar da existência desses dois princípios antagônicos: o bem e o mal. O bem sendo representado por Deus e o mal por Satanás. Sua doutrina misturava as doutrinas de Zoroastro com o Cristianismo. Agostinho participou desse grupo, durante nove anos, como “ouvinte” (espécie de catecúmeno, que não se obrigava a todos os votos exigidos pela seita, diferentemente dos “eleitos”, que se envolviam diretamente com seus rituais e cerimônias) atraído pela solução apresentada pelo maniqueísmo, relativamente à origem do mal, que isentava Deus de toda a responsabilidade pelos males existentes no universo. Isso fica claro quando afirma em suas Confissões, V.10,20: “Certa religiosidade que possuía me obrigava a crer que um Deus bom não podia ter criado uma natureza má [...] me parecia mais justo crer que não tivesses criado o mal nenhum, do que acreditar que a natureza do mal – como eu a imaginava – proviesse de ti”. Isso também é confirmado por COSTA, 2002, p. 58,59: “Os maniqueus, e Agostinho, durante o tempo em que pertenceu a essa seita, estavam preocupados em responder a uma simples pergunta: como é possível conciliar as maldades presentes no mundo – as injustiças, as desgraças, os ódios, as pestes, as calamidades, as misérias dos homens, os defeitos das sociedades e muitas outras com a bondade de Deus? Ou seja, Deus, O Bem, pode ser causa do mal? Ou devemos atribuir a um outro ser tão poderoso quanto Ele a causa do mal? Tentando responder a tal dilema, os maniqueus vão construir uma doutrina que isenta Deus de toda responsabilidade pelos males existentes no universo e o homem pelas maldades praticadas individualmente”. Posteriormente, já afastado do maniqueísmo, Agostinho reconhece em suas Confissões V.10,20 que: “desse princípio peçonhento derivam todos as outras idéias errôneas”, tornando-se forte opositor das doutrinas de Mani, como afirma em suas Confissões, XIII,30,45: “Escutei, Senhor meu Deus, e consegui recolher uma doce gota da tua verdade. Compreendi que a alguns desagradam as tuas obras. Sustentam que muitas delas criaste impelido pela necessidade; assim por exemplo, a estrutura dos céus e o sistema dos astros. Dizem que essas não foram criadas por ti, mas que já existiam, provindas de outra fonte. Tu as terias apenas reunido, compondo-as e coordenando-as, quando edificaste as muralhas do mundo, depois de teres vencido os teus inimigos, para que cativos, nessa construção, não pudessem de novo rebelar-se contra ti. Quanto aos outros seres, não os terias criado nem ao menos ordenado; assim por exemplo os corpos carnais, os animais menores e tudo o que se radica na terra; teria sido um espírito hostil e uma natureza não criada por ti e oposta à tua; quem teria gerado e formado tais seres nas regiões inferiores do universo. São loucos os que assim falam porque não vêem as tuas obras através do teu espírito; nem nelas te reconhecem”. E ainda em suas Confissões V,7.13: “Meu entusiasmo pelos escritos dos maniqueus acabou. Pois se o mais famoso entre eles , Fausto, bispo maniqueu, mostra-se tão inepto para resolver as questões que me angustiam, que poderia esperar dos outros mestres? Todavia, mantive relacionamento com ele, baseado no grande interesse comum pela literatura, que eu, como professor, ensinava aos jovens de Catargo. Lia com ele as obras que ele desejava conhecer, e as que eu julgava adequadas à sua inteligência. De resto, depois de conhecê-lo, meu propósito de prosseguir naquela seita caiu por terra, mas não a ponto de separar-me totalmente dela. Não havendo, por assim dizer, nada melhor, decidi permanecer no ponto a que chegara, enquanto não aparecesse algo mais calmo, que merecesse ser abraçado. Dessa forma, aquele Fausto, que foi para muitos uma armadilha mortal, sem que soubesse, começou a afrouxar o laço que me prendia”.
[2]Conf., XI.10.12.
[3] Referência à passagem escriturística utilizada como base, pelos maniqueus, para o questionamento da cosmovisão cristã. Sobre ela diz MAMMI, Lorenzo. Santo Agostinho, o tempo e a música. São Paulo: USP, 2002. p. 262: “No princípio Deus Criou o céu e a terra”. O que fazia antes desse princípio? Como é possível que um ser eterno e imutável comece a fazer alguma coisa? Essa pergunta, para Agostinho, não faz nenhum sentido: não há um antes desse princípio.
[4] Conf., XI.3,4.
[5] Conf., XI.3,5.
[6] Assim é definido o termo na ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro, São Paulo: Encyclopaedia britânica do Brasil, 1994. vol. 2, p. 484: Antropomorfismo:  Em sentido usual, significa a utilização de atributos humanos para representar ou explicar o não-humano. Os antropomorfismos existentes na Bíblia foram arrolados pela tradição exegética: o dedo de Deus, a cólera, a sabedoria, o ciúme, a piedade, o arrependimento de Deus, seus desejos e projetos [...]. Esses antropomorfismos, em conjunto, justificam-se por um princípio geral, ou seja, pela necessidade em que se encontra a pessoa que fala de utilizar uma linguagem que possa ser compreendida por aqueles que a ouvem.
[7] Conf., XI. 7, 9.
[8] Conf., XI.10.11.
[9] Ibid., XI.10.11.
[10] Ibid., XI.10.12.
[11] Ibid., XI. 1.1.
[12] Conf., XIII, 33, 48.
[13] BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. Campinas: Luz para o caminho, 1998. p. 61.

quarta-feira, 28 de março de 2012

A TRANSIÇÃO DO TEMPO PARA A ETERNIDADE COMO UM PRESSUPOSTO MÍSTICO EM AGOSTINHO DE HIPONA - PARTE 1


O problema do tempo tem sido motivo de intensos debates em diversas épocas, trazendo inúmeras questões a serem resolvidas. Uma delas é a de tentar sincronizar o tempo geral das matemáticas e das ciências com o tempo interno do indivíduo. Esta é, de fato, uma das grandes dificuldades da reflexão sobre o tempo. Contudo, um dos maiores e mais polêmicos problemas trazidos por essa reflexão é o que trata da transição de um tempo vivenciado para a eternidade.

São muitas as tentativas de apreender essa espécie de “negação do tempo”, desse “prolongamento de um presente que não passa”.

Teilhard de Chardin, por exemplo, refletindo sobre essa transição dá luz a uma teoria surpreendente:

O tempo é a duração dos acontecimentos ou fenômenos. Por isso o conceito de tempo evoca, necessariamente, o conceito de movimento, que é a sua única razão de ser. Para nossas observações, tempo e movimento são dois termos perfeitamente paralelos. Sem tempo não há movimento e sem movimento não há tempo. A duração do movimento é a própria essência do tempo [...]. O tempo somente deixará de existir com a completa cessação universal do movimento e dos fenômenos. Isso unicamente é possível pelo repouso absoluto da matéria, elevada até o último limite de sua realização, pela atualização de toda a sua potência. Tal situação coincide com a superação definitiva do tempo, transformado em natureza eterna [...]. A limitação do tempo não é somente um postulado da razão, mas é demonstrada pelo própria ciência física, que já possui condições de medir as durações finitas do mundo físico em movimento e transformação. Se o tempo do mundo nunca terminasse, nunca se tornaria eterno, pois somente terminado, ele pode adquirir um sentido de eternidade. A lei da entropia e o enrolamento cósmico vêm demonstrar, pela ciência, a necessidade irrevogável da completa cessação do tempo, pelo total esgotamento das energias físicas que produzem o movimento”[1].

Na história do pensamento encontramos definições muito variadas para o termo “eternidade”. Não é raro encontrarmos também definições desse termo sintetizadas em pequenas frases ou expressões, geralmente baseadas em escritos do Velho e do Novo Testamento, como por exemplo: “Um dia diante do Senhor é como mil anos”, “Eu sou o que Sou”, “Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim”, entre outras definições clássicas. A eternidade, apesar de ser um tema de caráter teológico, possui uma dimensão filosófica[2], de forma que, desde a antiguidade, tem sido pensada por grandes nomes da história da filosofia.

As diversas abordagens da eternidade nos parecem dar a impressão de que estamos falando de “várias eternidades”, isto é, de vários sentidos em que pode ser aplicada ou examinada. Dentre essas variadas abordagens, a elaborada por Agostinho de Hipona é digna de destaque, como bem sugere Borges: “O melhor documento da primeira eternidade é o quinto livro das Enéades; o segundo, ou cristã, o décimo segundo livro das Confissões de Santo Agostinho[3]”.

A Eternidade em Agostinho


Agostinho foi conduzido a analisar a questão do tempo e, conseqüentemente, da eternidade, a partir de algumas controvérsias, principalmente: 


1) com o Maniqueísmo 
2) com Pelágio 


Como veremos mais adiante. Aguarde a continuação na próxima postagem.

[1] POERSCH, J.L. Evolução e Antropologia no espaço e no tempo: síntese da cosmovisão de Teilhard de Chardin. São Paulo: Herder, 1972. p. 21
[2] Sobre a abordagem do termo “eternidade” na filosofia, assim informa ABBAGNANO, 2000, p. 378: “Esse termo tem dois significados fundamentais: 1º duração indefinida no tempo; 2º intemporalidade como contemporaneidade. A filosofia grega conheceu ambos os significados. Heráclito expressou o primeiro ao afirmar que o mundo “foi desde sempre, é e será fogo vivo que se acende a intervalos e a intervalos se apaga” (FR.3º, Diels). Platão contrapôs explicitamente os dois significados: “Da substância eterna dizemos erroneamente que era, que é e que será, mas na verdade só lhe cabe o é, ao passo que o era e o será devem ser predicados apenas da geração que procede no tempo” (TIM. 37e). Aristóteles utilizou ambos os conceitos [...] Plotino repete a concepção de Parmênides e de Platão: eterno é o que não era nem será, mas apenas é. A duração, porém, é peculiar às coisas que estão sujeitas ao momento local e para o resto são imutáveis, como ocorre com o céu, que é, por isso, algo de intermediário entre a eternidade e o tempo. Esse conceito também foi adotado pelo racionalismo moderno. Spinoza identifica a eternidade como a existência da substância, porque implícita em sua essência e, portanto, necessária [...] Leibniz afirma, contra Locke, a precedência de uma “idéia do absoluto”, que serviria de fundamento à noção de eternidade [...]. Toda a filosofia hegeliana é concebida do ponto de vista da eternidade [...]. “Intemporalidade” e “presente eterno” são as expressões mais repetidas também na filosofia contemporânea”.
[3] BORGES, 1991, p. 21.

quinta-feira, 22 de março de 2012

MINHA FILHA, MINHA FLOR - PG


Assim como mudam as estações,
se acaba o frio de um inverno
E se espalham pela vida as flores de uma primavera

Aquele dia foi assim, o sol pela manhã anunciava, outubro
Trouxe o perfume que me faltava

Filha, menina escolhida por Deus
Pra fazer sorrir a nossa vida
Com você os meus dias serão primavera
A flor mais bela que Deus plantou em meu jardim

Filha, menina escolhida por Deus
Pra fazer sorrir a nossa vida com você
Os meus dias serão primavera
A flor mais bela

Tão bela quanto as rosas, preciosa como um lírio dos vales,
Seu nome é forte como a flor que resiste ao deserto
Seu sorriso em minha memória, Estará sempre guardado
Tão bela, preciosa, filha amada do pai, bela, tão bela
Seu nascer transformou a minha história

Filha, menina escolhida por Deus
Pra fazer sorrir a nossa vida
Com você os meus dias serão primavera
A flor mais bela que Deus plantou em meu jardim

Filha, menina escolhida por Deus
Pra fazer sorrir a nossa vida com você
Os meus dias serão primavera
A flor mais bela

quinta-feira, 15 de março de 2012

O DESAFIO DE CRESCER COMO UMA VERDADEIRA IGREJA DE DEUS


Muito se tem falado da “urgência” de se pregar o evangelho ou ainda de se fazer “qualquer” outra coisa para “mudar” a situação da IPB. Fala-se até em “salvar” a IPB da extinção. De fato, as estatísticas não são nada animadoras. Para termos uma idéia, no Censo 1991-2001[1], a  Igreja Presbiteriana do Brasil, em dez anos, teve um  acréscimo de apenas 2.000 novos membros. Isso representa um crescimento de 0,40%, em relação ao número de membros da IPB em 1991 (498.000 membros). Se comparado ao número de pessoas que se tornaram “evangélicas”  nesse mesmo período (5.809.000 membros), a situação é ainda mais alarmante: desse total, apenas 0,03% ingressaram na IPB.  Com relação à representatividade da IPB na população total de “evangélicos”, tendo como parâmetro os anos de 1991 e 2001, os números também em nada defendem nossa igreja: em 1991 a IPB representava 8% da população total de “evangélicos” (6.252.000 membros). Em 2001, quando o número de “evangélicos” chegou aos 12.061.000 de membros, esse percentual caiu para 4%, ou seja, enquanto o total de “evangélicos” quase dobrou, nesse período, a representação da IPB caiu pela metade.

Para onde afluiu então toda essa multidão se não para a IPB? Basta olhar para a estatística que revela o crescimento de algumas igrejas. Em 1991 a Assembléia de Deus tinha 2.400.000 membros; em 2001 esse número chega a 4.500.000 membros, representando um crescimento de 87,5%.  A Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1991, tinha 100.000 membros; em 2001 chegou a 270.000 membros, um crescimento de 170%. A Igreja Quadrangular que em 1991 tinha 303.000 membros, em 2001 passou a 1.000.000 de membros, um desempenho de 230,3%. A Igreja Deus é amor em 1991 tinha 170.000 membros e passou a 750.000 membros em 2001, numa excelente performance de 341,18%.

Mas nenhum desses crescimentos acima podem ser comparados com as igrejas  “tope de linha” no quesito crescimento. Em terceiro lugar temos a Igreja Universal do Reino de Deus, que em 1991 tinha 268.000 membros e em 2001 atingiu a importante “marca” de 2.000.000 membros; isso representa um crescimento de 646,27%. Em segundo lugar aparece a não menos “famosa” Igreja Renascer em Cristo, da “Bispa” Sônia e do “Apóstolo” Estevam Hernandes, que em 1991 tinha apenas 10.000 membros e ao final de 2001 já “contabilizava” 120.000 membros, experimentando um astronômico crescimento de 1.100%. E, finalmente, a grande campeã: a Igreja Sara Nossa Terra, que em 1991 tinha 3.000 membros e em 2001 alcançou nada mais nada menos que 150.000 membros; representando um espetacular  crescimento de 4.900%.

Das Igrejas consideradas “tradicionais”, apenas a Igreja Batista conseguiu um índice de crescimento “satisfatório”: cresceu em dez anos 20%. Mesmo assim, um crescimento muito inferior das igrejas de tendências Neo-Pentecostais e Neo-Renovadas. A Igreja Luterana, nesse mesmo período, decresceu, perdeu 29.000 membros.

As estatísticas apresentadas acima, bem como sua fácil constatação, são responsáveis pelo surgimento de um novo e triste espírito dentro da IPB: um misto de inveja (das igrejas que estão “explodindo”), amor (pela IPB, no sentido de querer vê-la “grande”) e ódio (pelos princípios doutrinários e litúrgicos da IPB, que supostamente impedem seu crescimento).

Vivemos uma situação muito parecida com a registrada em  I Samuel 8:1-22, guardadas as devidas proporções, obviamente. O povo de Deus, de fato, havia identificado que algo não estava andando bem:

 Ora, havendo Samuel envelhecido, constituiu a seus filhos por juízes sobre Israel [...]. Seus filhos, porém, não andaram nos caminhos dele, mas desviaram-se [...]. Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram ter com Samuel, a Ramá e lhe disseram: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam nos teus caminhos. Constitui-nos, pois, agora um rei para nos julgar, como o têm todas as nações.

Podemos identificar nesse diálogo os mesmos elementos que constituem o “espírito” que hoje existe na IPB: Inveja (das outras nações que possuíam um rei e que, pelo menos na visão do povo, viviam melhor e sem problemas); amor (no sentido de querer mudar de alguma forma a situação que se apresentava) e ódio (pelos princípios governamentais outrora  estabelecidos). Devemos notar que a preocupação do povo era mais que justificável, porém, o problema não estava nos princípios anteriormente estabelecidos e, sim, em alguns elementos destoantes.  Tal disposição de coração “[...] pareceu mal aos olhos de Samuel [...]. Então Samuel orou ao Senhor”. Samuel identificou, nas entrelinhas, da justa preocupação do povo, esse estranho e triste “espírito” e buscou orientação na palavra de Deus, que demonstrou também Sua reprovação quanto a  essa disposição de coração. “Disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti que têm rejeitado, porém a mim, para que eu não reine sobre eles”. Mesmo depois de demonstrar todos os problemas que o povo teria que assumir, caso fizesse tal opção (dos versículos 9 ao 18), “o povo, porém, não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: Não, mas haverá sobre nós um rei, para que nós também sejamos como todas as outras nações”.

Acaso seria esse também o desejo do coração de muitos membros, pastores, oficiais e líderes da IPB? Será que de fato queremos ser iguais a essas igrejas que estão crescendo? Porque é a elas que nos referimos como um bom exemplo de crescimento.  São elas que são postas lado a lado com a IPB para apontar-lhe a falta de crescimento e os defeitos.

Será que realmente acreditamos que Deus tem aprovado o crescimento de 646,27% da Igreja Universal do Reino de Deus? Os 1.100% da Igreja Renascer? Os 4.900% da Igreja Sara Nossa Terra?

Responder afirmativamente significa admitir que Deus esteja aprovando uma série de esquisitices que são, notadamente, estranhas à Bíblia, como por exemplo, “rosa ungida”, “corrente das mais variadas”, “cair na unção”, “raspar a cabeça”, “palavra profética” (escrita, inclusive) etc. Responder afirmativamente significa também admitir que Deus esteja em pleno acordo com a idolatria hindu dos 33.333 deuses; afinal, essa religião tem mais de um bilhão de membros. E os budistas? Deus também os tem aprovado? E o que não dizer do espiritismo? O Brasil é o maior país espírita do mundo. O espiritismo nega a deidade de Cristo.  Deus tem aprovado isso? É o que afirmaremos, caso chegarmos à conclusão que o crescimento dessas igrejas é obra de Deus e conta com Sua bendita aprovação.

O fato, prezados, é que: crescimento numérico não deve e não pode ser um termômetro para medir se a igreja é ou não de Deus ou ainda se a igreja está bem ou não. Menos ainda quando esse crescimento é fruto de técnicas bem ajustadas e em perfeita sintonia com o pragmatismo. Notem: essas igrejas estão crescendo por causa de técnicas e conceitos filosóficos e não pela pregação da palavra de Deus, aliás, é comum vermos membros dessas igrejas evangelizando? Claro que não! Pregando o evangelho genuíno? Menos ainda!

 Sobre essa questão, Phil A. Newton[2], em seu artigo “Minha passagem pelo Movimento de Crescimento de Igrejas”, afirma o seguinte:

Edificar uma igreja seguindo os "princípios do Movimento de Crescimento de Igrejas" significava anuência ao pragmatismo, ao invés de ao cristianismo bíblico. O pragmatismo pode resultar em crescimento numérico, mas não pode regenerar um homem incrédulo[3].

John. F. MacArthur, em seu excelente artigo “Eu quero uma Religião Show”, também comentando sobre esse assunto, afirma, citando George Peters:

O crescimento quantitativo pode ser enganador. Pode não ser mais do que a proliferação de um movimento social ou psicológico mecanicamente induzido, uma contagem numérica, uma aglomeração de indivíduos ou grupos, um crescimento de um corpo sem o desenvolvimento dos músculos e dos órgãos vitais[4].

E isso, creiam, não é a velha desculpa presbiteriana: “O importante é a qualidade e não a quantidade”! Você pode afirmar: “sei de todos os problemas doutrinários dessas igrejas e que elas, de fato, se afastaram da palavra de Deus, porém, o importante é que vidas estão sendo salvas, jovens estão saindo do mundo das drogas”.

Bem, não podemos negar essa “contribuição social”. Assim como os Espíritas, Mórmons e até instituições não religiosas, essas igrejas também têm conseguido livrar muitos do mundo das drogas e do álcool. Contudo, a alegação de que muitos estão sendo salvos é bem questionável.

Uma característica marcante dessas comunidades é que seus membros são, predominantemente, jovens (e sempre foi assim, desde a fundação). Esse fato é bastante elucidativo e nos inquieta a pensar qual destas duas alternativas são verdadeiras: a) o “apóstolo” Hernandes e Cia Ltda detêm os poderes da “fonte da juventude” (e os membros de sua igreja não envelhecem); b) Existe um elevado grau de rotatividade nesse tipo de comunidade (e isso já é totalmente comprovado). Isso revela, de forma inequívoca, o baixo grau de firmeza de fé e verdadeiras conversões. O texto de Mateus 13:3-7, nos ajudará a entender esse fenômeno: 

E falou-lhes muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear e quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram. E outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra: e logo nasceu, porque não tinha terra profunda; mas, saindo o sol, queimou-se e, por não ter raiz, secou-se.E outra caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram.A erva nasce, mas vindo o sol, logo é eliminada. E a busca incessante por novos jovens continua!

Os jovens são atraídos, principalmente, pela “qualidade” e “quantidade” dos louvores. Muitos afirmam ter tido um “encontro” com Cristo por intermédio da “gospel music”, diferentemente do que afirma o Apóstolo Paulo em I Cor 1:21: “Visto como na sabedoria de Deus o mundo pela sua sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar pela loucura da pregação os que crêem”. A ênfase desproporcional à adoração, diminui, de forma sensível, o tempo de estudos e pregações da palavra de Deus; ou seja, o que, de fato, produz salvos é relegado a segundo plano.

Diante de tudo que já foi exposto, entendemos que é uma grande benção crescer, inclusive numericamente. Ninguém é louco o suficiente para afirmar que crescimento numérico não é importante. Contudo, nossa principal preocupação não deve ser essa. Não devemos nem mesmo pensar em encher nossas igrejas. Não devemos ter nenhum tipo de compromisso com a “conversão” dos pecadores como, muitas vezes, movidos pelas estatísticas, somos tentados a ter, como demonstram práticas do tipo: “sejam bem vindos em nome do Senhor Jesus”, “recepcionistas sorridentes”, “apelos” e tantas outras formas de “agradar” o pecador,  convencendo-o  a ficar em nossa igreja.

Nosso dever, nossa tarefa, é tão somente pregar o puro, simples e genuíno evangelho do Senhor Jesus. Sola Scripture! Se as pessoas vão se converter ou não, isso, caros irmãos, não deve ser nossa preocupação e nem é nossa tarefa.

Nossa preocupação deve estar voltada para o fato de que “muitos” de nossos pastores estão se tornando, cada vez mais, “executivos de gabinetes”, isto é, não evangelizam, não visitam, não pastoreiam, não “arregaçam as mangas”, não são exemplos de pessoas que produzem frutos para o crescimento, não da IPB, mas do reino de Deus. Podemos negar esse fato? É só fazer uma pesquisa entre todos os presbitérios e veremos uma realidade uniforme: muitos pastores, pouquíssimas igrejas. Será que está faltando campo? Claro que não; já coragem de trabalhar, provavelmente.

Nossa preocupação deve estar voltada para nossos oficiais, presbíteros e diáconos, que vivem na mesma inércia, com um agravante: são responsáveis diretos pela falta de identidade doutrinária da IPB. E quanto aos membros que vivem apontando a falta de crescimento da IPB? Bem, esses merecem um certo desconto, pois, não possuem nenhum bom exemplo, porém, só criticam, também não produzem.  Esquecem que a responsabilidade de comunicar o evangelho é individual. Vivem dizendo: “a IPB não evangeliza”, quando deveriam dizer: “eu não estou evangelizando, preciso obedecer, urgentemente, ao “ide” do mestre. 

Devemos pregar “a tempo e fora de tempo”, como nos diz o verdadeiro Apóstolo[5] de Cristo em II Tm 4:2. Devemos pregar não porque “almas estão indo para o inferno, enquanto estudamos nossa teologia”, como afirmam alguns. Aliás, essa é uma afirmação teológica, saibam as pessoas que dela fazem uso ou não. Estão indo para o inferno aqueles pelos quais Cristo derramou seu precioso sangue? Isso equivale a dizer que o sacrifício de Cristo não foi eficaz. Não podemos esquecer que todos aqueles pelos quais cada gota do Bendito sangue foi derramado, indubitavelmente, serão salvos, nenhum a mais ou a menos, pela pregação de palavra, nossa responsabilidade. O sangue expiatório do Cristo não escorreu por todos, mas apenas pela sua igreja: “Cuidai pois de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele comprou com seu próprio sangue” (Atos 20:28). Em plena harmonia com esse ensinamento, a Confissão de Fé de Westminster, interpretando as escrituras, afirma que “todas aqueles eleitos, antes da fundação do mundo, serão salvos e virão à Cristo e nenhum deles se perderá”.  Portanto, esse argumento de “almas caminhando para o inferno”, definitivamente, não deve ser nossa motivação para pregar o evangelho e não será nossa pregação que  mudará essa preordenação divina.

Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação[6].

A nossa (única) motivação para pregar o evangelho deve ser outra. Devemos pregar porque Cristo mandou pregar e pronto. Devemos pregar por obediência aos mandamentos do senhor, sabendo que esse foi o meio pelo qual Deus decidiu chamar eficazmente seus eleitos.

Pregar o evangelho é um imperativo de Cristo. Assim aprendemos, conforme  registrado em Mateus 28:19-20: ”Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado”.

Nesse texto, devemos observar que a ordem para “ensinar todas as coisas que Cristo ordenou” é tão imperativa quanto a ordem para evangelizar. É “Ide” também. Esse, queridos, deve ser nosso grande desafio.

Queremos crescer, podemos crescer; mas não como muitas igrejas estão crescendo. Podemos e queremos crescer como Igreja Presbiteriana do Brasil. Uma igreja que tem a bíblia como Única Regra de Fé e Prática; uma igreja que põe o homem no seu lugar de criatura decaída e que reconhece a total Soberania de Deus.

Caros irmãos, não nos interessa crescer de qualquer forma, com uns membros atrofiados e outros desproporcionalmente alongados, como muitas igrejas “mutantes” estão crescendo. Queremos crescer o crescimento que provém de Deus:

E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor (Efésios 4: 11-16).


[1] Fonte: Revista Veja, Edição Nº 26
[2] Um dos pastores que estudaram no Instituto de Crescimento de Igreja, fundado por McGravan, que em 1965 se uniu ao Seminário Teológico Fuller, em Passadena (Califórnia), principal reduto do “movimento de crescimento de igreja” (de onde as “super-igrejas” tiram toda sua base filosófica para apoiar suas práticas), onde chegou a ser aluno de C. Peter Wagner, o principal porta-voz do Movimento de Crescimento de Igrejas.
[5] O Apóstolo Paulo,  mesmo tendo escrito, pela inspiração divina, quase metade do Novo Testamento, precisou defender e reafirmar seu apostolado, pois muitos não o tinham como tal, a exemplo do que está registrado em II Coríntios capítulo 11. Muito me estranha o fato de alguns se auto-denominarem “apóstolos”,  tendo, inclusive, a ousadia de Escrever o que chamam de “palavra profética”  e ninguém questionar isso. Membros, inclusive da IPB, têm se referido a esses “falsos apóstolos” com um certo tom de sacralidade, e, isso é extremamente preocupante.
[6] Confissão de Fé de Westminster, Capítulo X.I.

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