Da proposta do colóquio
“Protestantismo no contexto atual”, entendo que devemos pensar sobre a postura
do protestante diante do atual cenário de polarização política em que vivemos.
De um lado, um projeto de poder mais à esquerda e do outro uma forma de
governar mais à direita. Já adianto que gosto dessa polarização. Acho que isso
traz clareza para o eleitor. Aqueles que gostam de um modelo mais à esquerda
(com Estado grande e intervencionista), com todos os seus ônus e bônus (se é
que existem bônus), escolherão candidatos com esse perfil, o mesmo ocorrendo com o eleitor
que prefere um modelo mais à direita (com um Estado mínimo). Vou tentar
direcionar minha fala no sentido de identificar o modelo que mais se adequaria
ao que entendo ser pressupostos basilares do protestantismo e se isso está
acontecendo e por qual motivo.
Inicio minha fala dizendo que,
no contexto atual, sou protestante mas não sou militante político. Já fui. Era
um ativo militante Ptista, ainda que moderado, igual a maioria dos que estão
presentes aqui. Minhas credenciais: votei duas vezes em Lula, duas vezes em
Dilma e nas eleições municipais e estaduais sempre escolhi candidatos mais à
esquerda e quem tivesse doido falasse mal do “companheiro Lula”. Peguei várias
brigas com amigos pastores que ousavam falar mal daquele que se auto intitula
como a “alma mais honesta do país”.
Mudei! Mudei porque entendo que o
que vou chamar de “esquerdismo” traz algumas incompatibilidades teóricas com o
cristianismo, que tentarei, com brevidade, expor.
Abraan Kuypper
(1837-1920), ex-primeiro ministro da Holanda, costumava apontar a existência do
que ele chamava de “sistemas de vida”. Um sistema é uma cosmovisão ampla que
engloba o que vc pensa acerca do homem, de Deus e do mundo. Segundo ele: “Dois sistemas de vida estão em combate
mortal”. De um lado “o Modernismo [...] comprometido
em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a
construir o próprio homem a partir de elementos da natureza”, do outro,
o cristianismo, em linhas gerais. (KUYPER, 2002,
p.19). Nessa mesma linha, referindo-se à concepção materialista
de um filósofo da antiguidade, Heráclito, segundo o qual "o mundo forma uma unidade por si mesmo e não foi criado
por nenhum deus e por nenhum homem, mas foi, é e será eternamente um fogo vivo
que se acende e se apaga de acordo com as leis", diz Lenin: "Eis
aqui uma excelente definição dos princípios do materialismo dialético." (Lenin, "Cadernos filosóficos", pag. 318).
Essa ideia parece representar
bem a polarização que vivemos hoje, também no Brasil. De um lado, um
conservadorismo que tenta recuperar os pressupostos cristãos de família como
“célula mater” da sociedade, que asfaltou o caminho para a civilização
ocidental e do outro lado um modelo mais secularista/materialista que tenta
desmistificar e se colocar numa posição antagônica ao cristianismo. Isso é
muito interessante porque, no final das contas, trata-se de um embate sobre temas
gerais religiosos, sintetizados por Kuypper como sendo “nossa relação com Deus, nossa relação com o homem e
nossa relação com o mundo”. De forma
prática: Deus existe/Deus não existe;
o homem e o próprio mundo são criados/não são criados e todas as outras coisas
decorrentes dessas.
Nesse sentido, então, não é
difícil concluir que Partidos e Políticos de esquerda são, necessariamente, por
conta de sua base teórica, voltados para a construção de um Estado e de uma
Sociedade mais aproximada com os pressupostos do Ateísmo, que é bem diferente de um Estado Laico[1]. Gramisc já deixava isso muito claro ao afirmar:
“A nossa religião torna a ser a
história, a nossa fé torna a ser o homem, a sua vontade e atividade”
(GRAMSCI, 1972a, p. 231) e ainda: “O
mundo civilizado tem sido saturado com cristianismo por 2000 anos, e um regime
fundado em crenças e valores judaico-cristãos não pode ser derrubado até que as
raízes sejam cortadas”[2]. Gramisc também
considerava o Socialismo como uma espécie de “religião” secular que dispensa “a necessidade da religião
para a produção do bem, da verdade, da vida moral” (GRAMSCI, 1972b, p.
116). Por sua vez, Marx já se referia à religião da seguinte forma: “suspiro da criatura oprimida, coração
de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o
ópio do mundo[3]”; Por fim, Gramisc
atribuía à “filosofia práxis”, Marxismo, o papel de, em certo sentido, usar a
religião como uma espécie de “degrau”, para, por fim, superá-la; substituí-la.
Diz ele: “Uma concepção do mundo não pode revelar-se como válida e
impregnar toda uma sociedade até converter-se em uma fé, se não demonstrar que
é capaz de substituir as concepções e crenças anteriores em todos os graus da
vida estatal”[4]. Isto é, usou o
catolicismo para acabar com o catolicismo[5].
Esse tipo de visão de mundo,
reverbera na sociedade pela defesa de pautas que confrontam diretamente a
moralidade cristã, como por exemplo: aborto,
toda a agenda LGBT, incluindo a teoria Queer, mais conhecida como ideologia de
gênero, um Estado grande, intervencionista, que interfere até mesmo na criação
dos filhos, diminuição das liberdades individuais, como se ver em países onde o
socialismo avançou mais, diminuição das liberdades religiosas, da mesma forma
(em alguns países com severas perseguições a cristãos), controle social das
mídias, etc.
Dito isso, penso que o
protestante que ainda insiste em votar e defender partidos e políticos esquerdistas
estão remando na contramão do cristianismo e do modelo forjado por ele no mundo
ocidental e ajudando a construir uma nova ordem social, incompatível com o
cristianismo. Não é coerente votar fortalecendo a “ideologia marxista”, ateia e
anticristã por definição e, ao mesmo tempo, orar por missionários que sofrem
perseguição em países com esse viés ideológico. Em última análise, votar
significa escolher entre uma cosmovisão cristã (que não tem nada a ver com
igreja, num sentido mais amplo) e a cosmovisão secularista/marxista. Uma
antagônica em relação à outra. Por isso mudei!
Mas, não tivesse esse
entendimento teórico, como cristão protestante, também me sentiria na obrigação
de mudar de lado ou de, pelo menos, votar diferente. Não me sentiria à vontade
em continuar votando num modelo que se corrompeu tanto que acabou por
estabelecer a Cleptocracia, no dizer
do ministro Gilmar Mendes. Continuar a apoiar esse esquema criminoso seria
pecar contra o oitavo mandamento, conforme a interpretação do Catecismo Maior
de Wesminster, em sua pergunta de nº 142: 142. Quais são os pecados
proibidos no oitavo mandamento? Os pecados proibidos no oitavo mandamento,
além da negligência dos deveres exigidos, são: o furto, o roubo [...] a
recepção de qualquer coisa furtada; as transações fraudulentas [...] o suborno,
[...] os meios ilícitos de vida, e todos os outros modos injustos e pecaminosos
de tirar ou de reter de nosso próximo aquilo que lhe pertence, ou de nos
enriquecer a nós mesmos; a cobiça, a estima e o amor desordenado aos bens
mundanos.
Os números da corrupção são
astronômicos. Só a Operação Lava Jato, que envolveu basicamente a corrupção no
âmbito Petrobras já recuperou R$ 4.069.514.758,69,
até outubro de 2019, de um total já previstos em acordos de leniência,
colaboração, TAC e renúncias voluntárias chega a R$ 14,3 bilhões[6]. Por
conta disso e de muitos outros crimes, praticamente toda a cúpula do PT já foi
condenada e presa ou está aguardando em liberdade o dia do encarceramento
final: José Genuíno, presidente do PT, preso; José Dirceu, homem forte do PT,
ministro chefe da casa civil, preso, Antônio Palocci, ministro da economia,
preso; João Vacari, secretário do PT, preso; Delúbio Soares, tesoureiro do PT,
preso; e, finalmente, o poderoso chefão, Luis Inácio Lula da Silva, preso
depois de duas condenações em segunda instância, aguardando o julgamento de
pelo menos mais sete processos e por aí vai. Alista é grande.
Por tudo isso, penso que,
assim como eu, muitos protestantes mudaram foram ler um pouco, observar e voltaram
a um realinhamento com a Cosmovisão Cristã, tão importante à construção do
mundo ocidental. Claro que muitos protestantes ainda ousam gritar “Lula Livre”,
mas estão sendo incoerentes com o que dizem crer, na minha humilde opinião.
[1]
Um Estado
secular ou estado laico é um conceito do secularismo onde o
Estado é oficialmente neutro em relação às questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião.
O Estado secular deve garantir e
proteger a liberdade religiosa e filosófica de cada cidadão,
evitando que alguma religião exerça controle ou interfira em questões
políticas. Difere-se do estado
ateu - como era a extinta URSS - porque no último o estado se opõe a qualquer
prática de natureza religiosa. Entretanto, apesar de não ser um Estado
ateu, o Estado Laico deve respeitar também o direito à descrença religiosa”.
Conforme: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_secular.
Para saber mais, acessar: http://filosofiacalvinista.blogspot.com/2013/05/breves-reflexoes-sobre-laicidade-do.html.
[2]
A ESCOLA DO MST: REVOLUÇÃO ANTICRISTÃ E ASSALTO À SAGRADA ESCRITURA http://www.puggina.org/artigo/outrosAutores/a-escola-do-mst-revolucao-anticristaeassalt/3279).
[3] (MARX,
Karl. “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”. In: Temas de Ciências
Humanas. Vol. 2. São Paulo, Editorial Grijalbo, 1977, p. 2.)
[4]
GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1966, p. 20
[5] Decreto contra o comunismo foi uma
designação popular de um documento da Igreja Católica, publicado pelo Santo Ofício no
dia 1 de Julho de 1949, durante o
pontificado do Papa Pio XII. Este documento afirmava a excomunhão automática ipso facto (ou latae
sententiae) de todos os católicos que,
em obstinação consciente, aderem ao ateísmo e ao materialismo associado
ao comunismo e
às doutrinas marxistas. Além deste célebre documento de 1949, outros decretos
contra o comunismo também foram publicados pelo Santo Ofício entre as décadas
de 1940 e 1950.