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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DO CALVINISMO NA CRIAÇÃO DE UM AMBIENTE FAVORÁVEL À ÉTICA E À MORAL, A PARTIR DA ATITUDE INDIVIDUAL - Parte 2/3


Já no século XIX, os Calvinistas ingleses, conhecidos como Puritanos[1], que também influenciaram positivamente a política e a economia, continuavam com essa forma característica de vida, de busca pela retidão moral e ética, que não se permitia conviver com uma consciência conivente com a corrupção. Parker, em sua importante obra sobre os Puritanos, intitulada “Entre os Gigantes de Deus”, afirma:

Todos os teólogos Puritanos, desde Perkins, concordavam em conceber a consciência como uma faculdade racional, um poder de autoconhecimento e juízo moral, que trata com questões de certo e errado, de dever e privilégio, lidando com essas coisas autoritativamente, como a voz de Deus (PARKER, 1996, p.117).
                  
E ainda:

A atenção que os puritanos davam à boa consciência emprestava grande força ética ao seu ensino [...], os puritanos foram os maiores pregadores da retidão pessoal (PACKER, 1999. p.11).

Sobre os Puritanos e sua consciência cativa à ética e à moral, por força de sua devoção a Deus, Ryken, em sua reconhecida obra “Santos no mundo”, afirma: “As recompensas do trabalho, de acordo com a teoria puritana, eram morais e espirituais, isto é, o trabalho glorificava a Deus e beneficiava a sociedade” (RYKEN, 2013, p.70).

Apesar dos necessários exemplos de como Calvino e os Calvinistas Puritanos se relacionam com a questão da equidade, da justiça, da moral e da ética, nossa intenção, neste ensaio, é tentar identificar o que há no Calvinismo que cria esse ambiente favorável ao proceder ético e moral.

A produção dessa ética particular, entendida aqui como Modus vivendi, apresentada por Calvino e seus seguidores, é atribuída, principalmente, aos efeitos psicológicos causados pela doutrina da eleição ou da predestinação[2].

A crença nessa sistematização doutrinária calvinista leva o “eleito” a um imenso sentimento de gratidão a Deus, uma vez que, mesmo sem merecer, recebe esta graça extraordinária.
        
Dessa forma, coube aos puritanos, que se consideravam eleitos, viver a santificação da vida cotidiana. Pois o caráter sectário – a consciência de ser minoria e a motivação de ser eleito de Deus – fazia de cada membro dessas comunidades não mero adepto do rebanho mas, mas um vocacionado que se dedicava simultaneamente ao aprimoramento ético, intelectual e profissional (WEBER, 2002. p.21).
                  
Como consequência e em gratidão, o “eleito” passa a viver e a dedicar todos os seus momentos, inclusive atividades seculares, para a “glória de Deus”.

Weber considera a doutrina da eleição ou predestinação como ponto central na produção dessa ética Calvinista:

Consideramos apenas o Calvinismo e adotamos a doutrina da predestinação como arcabouço dogmático da moralidade puritana, no sentido de racionalização metódica da conduta ética (WEBER, 2002, p.91).

Para os Calvinistas, o conhecimento e aceitação dessa verdade escriturística compreende, necessariamente, uma mudança nas próprias práticas, isto é, o conhecimento não pode ser apenas intelectual, antes, precisa descer ao coração e traduzir-se em ações: “O propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a conhecer o seu efeito na sua experiência pessoal” (MARTINS, 2001. p.9).

Um importante Catecismo calvinista dá o tom dos objetivos dessa nova vida outorgada pela graça, já na pergunta inicial: “Qual é o Fim supremo e principal do homem? O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus” (CATECISMO MAIOR, 2007. p.31).
                  
Martins, sobre isso faz uma pertinente colocação:

Quando Deus torna uma pessoa Calvinista [...] esse encontro traz um conhecimento íntimo da voz de Deus, uma total resignação à vontade e aos caminhos de Deus (MARTINS, 2001. p.19).


[1] Movimento religioso protestante dos séculos 16 e 17 que buscou “purificar” a Igreja da Inglaterra em linhas mais reformadas. O movimento foi calvinista quanto à teologia e presbiteriano ou congregacional quanto ao governo eclesiástico. Conforme: http://www.mackenzie.br/7058.html, acessado em 31/08/2016.
[2] Aspecto da pré-ordenação de Deus, através do qual a salvação do crente é considerada efetuada de acordo com a vontade de Deus, que o chamou e o elegeu em Cristo, para a vida eterna, sendo a sua aceitação voluntária, da pessoa e do sacrifício de Cristo, uma consequência desta eleição e do trabalho do Espírito Santo, que efetiva esta eleição, tocando em seu coração e abrindo-lhe os olhos para as coisas espirituais. Conforme: http://www.monergismo.com/textos/predestinacao/predestinacao_isaias.htm, Acessado em 28/08/2016.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DO CALVINISMO NA CRIAÇÃO DE UM AMBIENTE FAVORÁVEL À ÉTICA E À MORAL, A PARTIR DA ATITUDE INDIVIDUAL - Parte 1/3


O Calvinismo não é apenas uma sistematização teológica a partir de preceitos das Escrituras Sagradas. Ele é, antes, um Sistema, uma Cosmovisão de Mundo, capaz de refletir sobre as mais graves e profundas inquietações do homem, oferecendo-lhes respostas. Tendo a bíblia como a fonte fundamentadora de sua Cosmovisão, seu olhar sobre o homem, sobre Deus e sobre o mundo tem contribuído para promover grandes avanços na área social, na área econômica, na área política e em muitas outras áreas.

O Calvinismo realmente nos prevê uma unidade de sistema de vida [...]. Devemos perguntar quais são as condições requeridas para sistemas gerais de vida, tais como o Paganismo, o Islamismo, o Romanismo e o Modernismo, e então mostrar que o Calvinismo realmente preenche essas condições [...]. Portanto, como fenômeno central no desenvolvimento da humanidade, o Calvinismo não está apenas habilitado a uma posição de honra ao lado das formas paganista, islâmica e romanista, visto que como estes ele representa um princípio peculiar dominando o todo da vida, mas também satisfaz cada condição requerida para o avanço do desenvolvimento humano a um estágio superior. E isto permaneceria ainda uma simples possibilidade sem qualquer realidade correspondente, se a história não testificasse que o Calvinismo tem realmente induzido o rio da vida humana a fluir em outro canal e tem enobrecido a vida social das nações (KUYPER, 2002. p.28,47).

Lembo, escrevendo sobre isto ainda observa:

O Calvinismo não é somente um sistema teológico completo [....], mas também é uma completa biocosmovisão que determina para o calvinista o ponto de partida para toda a sua reflexão e sua vida prática; que determina enfim diretrizes pressuposicionais de qualquer área da vida e do pensamento (LEMBO, 2000. p.120).

Além disso, o calvinismo é capaz de promover, naqueles que abraçam essa Cosmovisão de mundo, um rigoroso sentido de busca pela Ética, pela Moral e pelas virtudes. Basta um olhar, ainda que não muito atento, para os países que, de alguma forma, foram influenciados pelo Calvinismo e logo ficará evidente que são países com um grau de justiça social e de desenvolvimento extremamente relevantes, como bem observa Weber:

Um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição mista mostrará, com notável frequência, uma situação que muitas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas.O fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente protestante (WEBER, 2002. p.37)

Em tempos de colapsos, de relativismo das virtudes, da falta de Ética e da moral questionável, o Calvinismo tem surgido como sendo um antídoto interessante, já testado historicamente.

Esse ambiente favorável à Ética e à moral não é promovido apenas pelos chamados “calvinistas”. O próprio Calvino, no século XVI, pondo em prática a Cosmovisão de Mundo que tinha, influenciou grandemente, positivamente, e até com certa radicalidade moral, segundo alguns historiadores, a política, a economia e muitas outras áreas[1].

Calvino é um dos teólogos clássicos que mais escreveram sobre o governo civil e em suas ideias firma-se a tradição reformada sobre política. Sua atuação na cidade de Genebra não foi somente teológica e eclesiástica, mas [...] teve intensa atuação na estruturação da sociedade civil daquela cidade, participando igualmente da administração e dos detalhes operacionais do seu dia-a-dia (PORTELA, 1996, p.98).

Calvino, além de ter tido uma grande atuação na esfera Política e na Administração Civil, áreas das mais afetadas pela frouxidão Moral e Ética, também deu grande contribuição escrevendo sobre o tema. Em seu mais famoso trabalho  As Institutas da religião Cristã[2],  no Livro Quatro, capítulo 20, que tem por título “Do Governo Civil”, Calvino dedica 32 seções sobre o assunto.

Escrevendo sobre os governantes, Calvino deixa claro que é inconcebível que vivam de forma corrupta. Ele entendia a atuação do governo civil quase que como um ministério divino, conforme observa Portela, citando-o, no livro 4 capítulo 20:

Se eles cometem qualquer pecado isso não é apenas um mal realizado contra pessoas que estão sendo perversamente atormentadas por eles, mas representa, igualmente, um insulto contra o próprio Deus de quem profanam o sagrado tribunal. Por outro lado, possuem uma admirável fonte de conforto quando eles refletem que não estão meramente envolvidos em ocupações profanas [...], mas ocupam um ofício por demais sagrado, até porque são embaixadores de Deus (PORTELA, 2009, p.99).

E ainda, em seu tempo,

Genebra foi o primeiro lugar na Europa a ter leis especiais que proibiam [...]; sendo comerciante, cobrar além do preço permitido ou roubar no peso e também (e isso se estendia aos produtores) estocar mercadorias para fazê-las faltar no mercado e assim majorar o preço (NICODEMUS, 1998, p.131).

Calvino parece ter entendido como ninguém que:
                  
A compreensão do cristianismo como um sistema total de vida é fundamental para nosso engajamento nas questões de desenvolvimento, busca de equidade e justiça social em nosso tempo (LEITE, 2006. pg.57).

Biéler deixa isso muito claro ao citar as palavras de Calvino:

Os pobres aí estão como testemunhas do ministério de Jesus Cristo, destinados a serem reconhecidos como tais pelas pessoas de fé [...] e os ricos são ricos senão para exercer o ministério do rico, segundo Deus, que consiste em reconhecer que a parte suplementar que recebeu é precisamente destinada aos pobres (BIÉLER, 1990. p.643).

E ainda:

O homem é apenas o fiduciário dos bens que lhes foram entregues pela graça de Deus. Ele deve, como o servo da parábola, prestar contas até o último centavo do que lhe foi confiado, e seria no mínimo perigoso gastar qualquer deles apenas para seu prazer, em detrimento da glória de Deus. (BIÉLER, 1990. p.127).


[1] Embora não tenha ocupado nenhum cargo governamental, Calvino exerceu enorme influência sobre a comunidade, não somente no aspecto moral e eclesiástico, mas em outras áreas. Ele ajudou a tornar mais humanas as leis da cidade, contribuiu para a criação de um sistema educacional acessível a todos e incentivou a formação de importantes entidades assistenciais como um hospital para carentes e um fundo de assistência aos estrangeiros pobres. Conforme: http://www.mackenzie.br/7034.html, acessado em 31/08/2016.
[2] As Institutas: Calvino produziu ao todo oito edições do texto latino (1536-1559) e cinco traduções para o francês. A 1ª edição tinha apenas seis capítulos; a última totalizou oitenta. Equivale em tamanho ao Antigo Testamento mais os Evangelhos sinóticos e segue o padrão geral do Credo dos Apóstolos. Visava ser um guia para o estudo das Escrituras.Livro I:    O Conhecimento de Deus, o Criador: o duplo conhecimento de Deus, as Escrituras, a Trindade, a criação e a providência.Livro II:   O Conhecimento de Deus, o Redentor: a queda e a corrupção humana, a Lei, o Antigo e o Novo Testamento, Cristo o Mediador – sua pessoa (profeta, sacerdote, rei) e sua obra  (expiação).Livro III: A Maneira Como Recebemos a Graça de Cristo, Seus Benefícios Efeitos: fé e regeneração, arrependimento, vida cristã, justificação, predestinação, ressurreição final.Livro IV: Os Meios Externos Pelos Quais Deus nos Convida Para a Sociedade de Cristo: a igreja, os sacramentos, o governo civil. Conforme: http://www.mackenzie.br/15914.html, acessado em 02/09/2016.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ELEIÇÕES, BIOMETRIA E A MUTABILIDADE DO HOMEM EM CONTRAPARTIDA COM A IMUTABILIDADE DE DEUS



Como as coisas mudam! Faz muito tempo  que trabalho em eleições como mesário. Usar a digital sempre foi um suplício para os eleitores. Ninguém queria ser visto com o polegar sujo de tinta. A hora de assinar o caderno de votação era também a hora de revelar um drama pessoal: "não seio assinar", murmurava a eleitora analfabeta. Lá vai o mesário pegar a temida "almofada de carimbo": mela o dedo, como dizemos pras bandas de cá. Finalmente a digital é impressa no caderno. Eleitora liberada pra votar. 

Lembro-me de uma senhora que, depois de algumas eleições usando a digital, chegou "toda toda". Dessa vez seria diferente. Agora ela já sabia "desenhar o nome". Um grande avanço! Também já fui esculhambado por ter insinuado que uma eleitora deveria usar o polegar, antes mesmo de pedir-lhe pra assinar. “Eu sei assinar, tá pensando que soou analfabeta é?”, esbravejou ela com toda razão.
Mas, as coisas mudam. Nós mudamos! "Mudo sem cessar", dizia o filósofo francês contemporâneo Henri Bergson. O salmista, ao pensar sobre a brevidade e mutabilidade da vida, também afirma: "O homem é como um sopro; os seus dias, como a sombra que passa (Salmos 144:3-4). 

Somos seres sujeitos ao tempo e ao espaço. Nossa mutabilidade é incondicional. Mudamos, queiramos ou não! 

Essa eleição com biometria é prova inequívoca disso. Primeiro porque quase não temos mais eleitores analfabetos. Segundo porque agora todos precisam usar a digital. Terceiro porque, se der algum problema na digital e o eleitor tiver que assinar o caderno, como ocorre algumas vezes, ele ficará muito irritado. Antes ninguém queria usar a digital, fazia questão de assinar. Somente sob forte constrangimento a digital era usada. Agora, ninguém quer mais assinar, só usar a digital. Usar a digital é sinônimo de evolução tecnológica e não mais de analfabetismo. 

Será que nos tornamos  - todos - analfabetos? 

Em contrapartida à nossa mutabilidade temos a imutabilidade de Deus, em "quem não pode existir variação ou sombra de mudança (TG 1:17). Agostinho de Hipona reconhecia isso. Dizia ele: “Porventura, Senhor, tu és eterno, já não conheces o que te digo? Não vês no tempo o que se passa no tempo? Por que motivo te narro então tantos acontecimentos? Não é, certamente, para que os conheças por mim, mas para despertar meu amor por ti" (CONFISSÕES XI, 1.1). "Até a razão nos ensina que não é possível nenhuma mudança em Deus, visto que qualquer mudança é para melhor ou para pior. Mas em Deus, há perfeição absoluta, melhoramento e deterioração são igualmente impossíveis”, como dizia o teólogo holandês Louis Berkoff. Reflitamos, pois, então, sobre nossa mutabilidade e sobre o atributo incomunicável da imutabilidade de Deus. Isso dará uma dimensão de quem nós somos e de quem Ele é. Aliás, só Ele É.  

domingo, 2 de outubro de 2016

A NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DO DIA DO SENHOR - 3/3



Como já dissemos, o Dia de Descanso é, antes de qualquer coisa, um grande benefício para o homem. Quando acordamos no DOMINGO – nosso dia de DESCANSO, pela manhã, devemos orar agradecidos a Deus: “Senhor, obrigado porque não estou obrigado aos meus afazeres cotidianos neste dia. Não vou pegar ônibus lotado, metrô lotado, não vou me cansar com meus trabalhos exaustivos, enfrentar trânsito e todas as dificuldades que são próprias dos outros dias da semana.

Mas, dissemos DOMINGO? Se o mandamento manda guardar o SÁBADO, porque, então, guardamos o DOMINGO?

Antes, precisamos entender algo sobre estes dois termos: PRINCÍPIO e NORMA.

Tanto o termo “Princípio” como o termo “Regra ou Norma” foram emprestados do vocabulário jurídico. O princípio é mais geral e abrangente; sua atuação é mais ampla e geralmente não pode ser modificado, por ser um elemento fundante e regulador. A norma é mais específica, restrita e pode sofrer variação.

No caso da guarda do dia de descanso também existe um PRINCÍPIO e uma REGRA.

O PRINCÍPIO é: “Trabalhar seis dias e descansar um”. Assim como ocorre em todo princípio regulador, não há negociação. Ou seja, não tem como modificar esse princípio para, por exemplo, “trabalhar cinco dias e descansar dois” ou mesmo “trabalhar os sete dias e não descansar nenhum”. É função do Princípio estabelecer  que um dia em cada sete deve ser reservado para o descanso, mas não é o princípio que estabelece qual será este dia, a NORMA o fará. O Princípio é maior que a NORMA e a REGULA.

A NORMA é responsável por estabelecer qual será este dia de descanso, ordenado pelo PRINCÍPIO. No Velho Testamento a NORMA estabeleceu que “o dia de descanso seria o sétimo, o sábado. 

Perceba que é o PRINCÍPIO que regula a NORMA e não o contrário. Ou seja, não é possível mudar o que estabelece o PRINCÍPIO, isto é, “trabalhar seis dias e descansar um”. Já a NORMA, como toda norma, pode sofrer modificação, bastando para isso mudar a situação ou a percepção do legislador.

A essa altura você já deve ter percebido que o que estamos dizendo é que o DIA DE DESCANSO, em si, pode ser mudando pelo legislador competente; só não pode ser mudado o PRINCÍPIO que estabelece a necessidade do descanso. Ou seja, não é possível afirmar a não necessidade do "dia de descanso".

Os reformadores do século XVI, ao que parece, não entendiam assim, em relação ao 4º mandamento. Eles:

Tinham seguido Agostinho e, em geral, o ensino medieval, negando que o domingo fosse, em qualquer sentido, um dia de descanso. Eles afiançavam que o sábado, prescrito pelo quarto mandamento, era um mandamento tipicamente judaico, prefigurando o “descanso” proveniente do relacionamento com Cristo (PACKER, 1996, p.257).

Packer chega a dizer que os Reformadores chegavam a ser incoerentes, pois seguiam Agostinho, que negava o Domingo como dia de descanso, e, ao mesmo tempo:

Defendiam a autoridade divina e a obrigação de observar o quarto mandamento, requerendo que um dia em cada sete fosse empregado na adoração e serviço de Deus (e não guardavam o sétimo, como previa o mandamento – grifo nosso), admitindo somente as obras de necessidade e de misericórdia (PACKER, 1996, p.259).

Fechando a questão sobre esse assunto, diz Packer:

Nesse ponto, os Puritanos foram à frente dos reformadores [...]. Eles, contudo, corrigiram essa incoerência. De forma virtualmente unânimes, insistiram que [...], havia um princípio de um dia de descanso [...] após cada seis dias de trabalho (PACKER, 1996, p.258).

A Confissão de Fé de Westminster é clara em entender a existência do PRINCÍPIO e da NORMA no quarto mandamento. Vejamos:

Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele (aqui temos o princípio – grifo nosso); desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana (aqui temos a norma que estabelece o dia – grifo nosso); e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor (aqui também temos a norma que modifica o dia – grifo nosso), e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão (WESTMINSTER, XXI, VII).

Vejamos os textos que demonstram o dia em que Cristo ressuscitou, bem como qual era o dia que a igreja primitiva e, posteriormente, a igreja apostólica usavam para suas reuniões, depois da ressurreição de Cristo. É fora de qualquer dúvida e é absolutamente claro que os cristãos primitivos não continuaram guardando o sábado:

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida” (Jo 20:1);

“Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco" (Jo 20:19);

Passados oito dias, estavam outra vez ali reunidos os seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco” (Jo 20:26);

No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite (Atos 20:7);

Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia.  No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for (I Cor 16:1-2).

"Achei-me em espírito, no Dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta" (Apoc 1:10).  

Historicamente a expressão "Dia do Senhor" tem sido interpretada, especialmente por teólogos ortodoxos como um sinônimo para o "Domingo", por conta da Ressurreição de Cristo.

Em Sermão pregado na manhã de Domingo de 13 de Abril de 1873, sobre o dia do Senhor, Spurgeon disse:

 "O primeiro dia da semana comemora a ressurreição de Cristo, e, seguindo o exemplo apostólico, temos constituído o primeiro dia da semana como nosso dia de repouso. Isso não nos sugere que o repouso de nossas almas deve ser achado na ressurreição de nosso Salvador? Não é certo que uma clara compreensão da ressurreição de nosso Senhor é, através do Espírito Santo, o meio mais seguro de trazer paz as nossas mentes? Ser participante da ressurreição de Cristo é desfrutar desse dia de repouso que resta para o povo de Deus. Nós que temos crido no Senhor ressuscitado entramos no repouso, assim como Ele mesmo repousa a destra de Deus. Nele descansamos porque Sua obra foi consumada e Sua ressurreição é a garantia de que aperfeiçoou todo o necessário para a salvação de Seu povo, e nós estamos completos Nele".

É justo dizer que algumas interpretações entendem o "Dia do Senhor" ou o "Dia de Descanso", o Domingo, apenas como uma figura do descanso eterno. Porém, Certamente, encontramos na Ressurreição de Cristo, igualmente, os dois grandes motivos que serviram de base para o estabelecimento do Dia de Descanso, no VT (veja a postagem 1/3 dessa série sobre o Dia do Senhor), visto que a Ressurreição de Cristo é a causa fundante de toda a realidade espiritual. Afinal de contas, "se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé" (I Cor 15:14). São eles:

a) A CRIAÇÃO - à semelhança de Êxodo 20:2-11 (ver 2/3)


E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas (II Coríntios 5:17).


Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura (Gálatas 6:15).


Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras (Apocalipse 21:1-5).


b) A LIBERTAÇÃO DA ESCRAVIDÃO - à semelhança de Deuteronômio 5:14-15 (ver 2/3)



Em verdade, em verdade vos asseguro: todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado (João 8:34).

Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição, sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus (Romanos 6:5-11). 

Por fim, algumas questões bem práticas:

a) As pessoas no VT conseguiam guardar o mandamento porque se preparavam para isso: “de que, trazendo os povos da terra no dia de sábado qualquer mercadoria e qualquer cereal para venderem, nada comprariam deles no sábado, nem no dia santificado; e de que, no ano sétimo, abririam mão da colheita e de toda e qualquer cobrança (Neemias 10:31) e “Naqueles dias, vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam trigo que carregavam sobre jumentos; como também vinho, uvas e figos e toda sorte de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado; e protestei contra eles por venderem mantimentos neste dia (Neemias 13:15). Devemos fazer o mesmo;

b) Veja o que ensina o Catecismo Maior de Westminster: 118. Por que é o mandamento de guardar o sábado (=Dia do Senhor ou Domingo) mais especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores? O mandamento de guardar o sábado (=Dia do Senhor ou Domingo) é mais especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores, porque estes são obrigados não somente a guardá-lo por si mesmos, mas também fazer que seja ele observado por todos os que estão sob o seu cuidado; e porque são, às vezes, propensos a embaraçá-los por meio de seus próprios trabalhos (Ex 23:12).

c)  Assim como cabia à liderança do povo no VT cuidar para que o DIA DO SENHOR fosse observado, cabe à liderança da Igreja hoje fazer o mesmo: “Conselhos e pastores devem mostrar-se ATENTOS e ZELAR cuidadosamente para que o dia do Senhor seja santificado pelo indivíduo, pela família e pela comunidade” (PRINCÍPIO DE LITURGIA DA IPB. Capítulo I, Artigo 4);

d)  Se não conseguir guardar o dia inteiro, como prevê o mandamento, comece aos poucos: vá à igreja pela manha e à noite, pelo menos; descanse um pouco e assim você já terá dado um importante passo para a guarda desse mandamento bendito, estabelecido para nosso próprio bem.

e) Apesar da existência de um "Princípio", que estabelece, claramente, que devemos "descansar um dia a cada seis trabalhados", esse princípio não nos autoriza a definirmos qual será o dia de descanso, como adequação às nossas necessidades e agendas. A norma do VT, atendendo a esse princípio eterno, estabeleceu o sétimo dia para ser o dia de descanso e a do NT mudou para o primeiro dia da semana, por conta da Ressurreição de Cristo. Não podemos definir, por nós mesmos, o dia a ser escolhido para ser o "dia descanso". Apenas alguém com autoridade inspirativa pode mudar a norma. Isto é, ninguém pode dizer que seu "dia de descanso" é a segunda-feira, por exemplo. Apenas a bíblia pode mudar a norma e só a vemos definindo o sétimo dia (no VT) e, depois, mudando para o primeiro dia (no NT, porque Cristo ressuscitou no primeiro dia da semana; dia em que os apóstolos, com autoridade inspirativa, passaram a se reunir com a igreja de Cristo). 

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