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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 5/11


A segunda controvérsia contra os Maniqueus: O Problema do Mal .


A primeira controvérsia nos conduz, necessariamente, a outra controvérsia entre  Agostinho e os mesmos maniqueus: a questão da origem do mal, que abordaremos apenas rapidamente.

Sendo Deus criador de todas as coisas teria ele também criado o mal? Apesar de ser este um grave problema, considerado como um dos mais profundos, tanto para a Teologia quanto para a Filosofia, não nos deteremos demoradamente nele, pois nossa intenção é demonstrar a eternidade em Agostinho, como já o fizemos  na controvérsia sobre a eternidade de Deus, e o faremos ainda quando tratarmos da controvérsia contra os pelagianos, sempre objetivando a eternidade. Contudo, vale salientar que:

Este mal era explicado de várias maneiras. Kant o considerava como uma coisa pertencente à esfera super-racional, que ele confessa não ter condições de explicar. Para Leibnitz, devia-se às necessárias limitações do universo. Scheiermacher via sua origem na natureza sentimental do homem e Ritsche na ignorância do homem, ao passo que os evolucionistas o atribui à oposição das propensões inferiores à consciência moral em seu desenvolvimento gradativo [...]. De algum modo, o mal do homem está ligado à sua condição de criatura[1].

A “confissão de Westminster”, um importante documento Agostiniano, em certo sentido, via calvinismo, afirma o seguinte sobre a origem de todas as coisas, em seu capítulo III, que trata sobre os eternos decretos de Deus:

Desde toda eternidade, e pelo sapientíssimo e santíssimo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e imutavelmente tudo quanto acontece. Embora Deus saiba tudo quanto há de suceder em todas as circunstâncias imagináveis, contudo não decretou coisa alguma por havê-la previsto como futuras, nem como algo que haveria de acontecer em tais circunstâncias[2].

Assim como Agostinho, e não poderia deixar de ser, devido sua clara influência nas mentes de calvinistas e luteranos, os formuladores dessa Confissão, de fato, criam que as coisas existentes, não eternas, todas elas, sem exceção, foram criadas por Deus; não simplesmente porque previu seu surgimento, antes, por decreto as criou, independentemente, repetimos, de juízos de valores, é criatura? Conseqüentemente e necessariamente, foi Deus quem criou.

No capítulo VI deste mesmo documento agostiniano/calvinista, vemos uma afirmação ainda mais contundente e surpreendente sobre a criação de Deus, e, desta feita, não de uma criação geral, mas da criação do próprio mal ou antes, na ordenação de sua disposição: 

“Nossos primeiros pais [...] pecaram [...]. Segundo seu sábio e santo conselho, aprouve a Deus permitir o pecado deles, havendo proposto ordená-lo para sua própria glória”[3].

Berkhof, interpretando os eternos decretos de Deus, apontados acima, sendo também um pensador de linha calvinista, e, conseqüentemente, muito próximo do pensamento agostiniano, faz a seguinte afirmação: “O decreto eterno de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do mal no mundo, mas não se pode interpretar isso de modo que faça Deus a causa do mal no sentido de ser ele o seu autor responsável”[4]. Continua...


[1] BERKHOF, 1998, p.221
[2] WESTMINSTER, confissão. São Paulo: Ed.Cultura Cristã, 1996, p.5
[3] WESTMINSTER, 1996, p.7
[4] BERKHOF, 1998, p.221

sábado, 5 de setembro de 2015

A QUESTÃO DA ETERNIDADE EM AGOSTINHO DE HIPONA – PARTE 3/11


A primeira controvérsia contra os Maniqueus: O que fazia Deus antes de Criar a terra?

Mas o cerne das principais polêmicas entre Agostinho e os Maniqueus, e a que nos interessa aqui de forma mais direta, foi o embate sobre a pergunta acerca do que fazia Deus antes de criar a terra. Ele apresenta a argumentação maniqueia da seguinte forma:

Certamente estão ainda mergulhados na cegueira do velho homem aqueles que dizem: que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? E acrescentam: se estava ocioso e nada realizava, porque não ficou sempre assim, continuando a abster-se do trabalho? Se existia em Deus um movimento novo, uma vontade nova de criar uma criatura que ele ainda não tinha feito antes, como se pode falar de verdadeira eternidade, onde nasce uma vontade que antes não existia? Mas a vontade de Deus não é uma criatura; é anterior a toda criatura, pois nada seria criado se antes não existisse a vontade do criador. Essa vontade pertence a própria substância de Deus. Mas se algo surgiu na substância de Deus que antes não existia, não é justo denomina-la substância eterna. Pelo contrário, se era eterna a vontade de Deus que existisse a criatura, porque não é eterna também a criatura?[1].

Fica claro a intenção dos maniqueus, que usando o método socrático-argumentativo, tentam deixar Agostinho em situação embaraçosa entre duas encruzilhadas não gratas: se reconhece a mudança na vontade de Deus caí no precipício de negar-lhe a eternidade; se por outro lado admite a existência co-eterna das coisas admite integralmente o pensamento dos maniqueus. 

Para responder aos questionamentos sugestionadores dos maniqueus, Agostinho, cautelosamente, leva a indagação para um outro norte, procurando estabelecer parâmetros para sua resposta e ao mesmo tempo esvaziar a pergunta dos maniqueus, uma vez que para Deus não há passado nem futuro, mas apenas um eterno presente, isto é, Deus tudo vê, de forma compacta e ao mesmo tempo, no “esplendor de sua sempre imutável eternidade”. Agostinho reconhece o esforço deles para conhecer as coisas eternas, mas adverte: nunca conseguirão chegar a esta compreensão; pelo menos enquanto não se desvencilharem das realidades passadas e futuras.

Para Agostinho, não cabe sequer a pergunta sobre o que Deus fazia antes da criação ou ainda, porque não quis criar antes o que criou depois?  Essas questões pressupõem mudança e mudança é antítese de eternidade:

A imutabilidade de Deus é necessariamente concomitante com sua  esseidade. É a perfeição pela qual não há mudança nele, não somente em seu ser, mas também em suas perfeições e em seus propósitos e em suas promessas. Em virtude deste atributo ele é exaltado acima de tudo quanto há, e é imune de todo acréscimo ou diminuição e de todo desenvolvimento  ou decadência em Seu Ser e em suas perfeições [...]. Até a razão nos ensina que não é possível nenhuma mudança em Deus, visto que qualquer mudança é para melhor ou para pior. Mas em Deus, a perfeição absoluta, melhoramento ou  deterioração são igualmente impossíveis[2].

Eles – os maniqueus – estavam  querendo achar um Deus que em sua própria natureza é livre, por sua eternidade e soberania, preso aos mesmos caprichos de suas consciências. Estavam usando as lentes erradas, jamais compreenderiam que, em certo sentido, “o princípio” não o é em relação a Deus e sim em relação às criaturas. Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele. Em Deus não pode haver e não há movimentos, pois isto é próprio da criatura finita e não de criador infinito, como afirma agostinho:

O céu e a terra existem e, através de suas mudanças e variações, proclamam que foram criadas [...], e todas as coisas proclamam que não se fizeram por si mesmas: Existimos porque fomos criados; mas não existimos antes de existir, portanto não podíamos ter criado a nós mesmos[3].

Como poderia uma obra de arte existir antes da existência do seu criador? Se a pintura é contemplada e enche cada vez mais partes do corpo até ficar todo ele tomado de um sentimento estético indescritível, ela – a pintura – estará sempre proclamando que foi criada; até mesmo seu valor é avaliado não pela sua beleza em si e sim pela importância do seu criador; maior honra terá a obra em proclamar que é criatura e nunca se dirá co-existente com seu criador, do contrário não seria criatura e muito menos dirá ser a causa de sua própria existência e, ainda que possível fosse, já estaria denunciada sua falácia, numa simples contemplação.

Assim também é o sentimento da criação toda em relação ao seu criador, apenas com uma diferença: a tela produzida é posterior ao seu criador porém, este, por ser também criatura de um criador, só pode criar a partir de um outro corpo; ao contrário, a criação de Deus, afirma Agostinho em sua confissão e conversa com seu criador:

Certamente não fizestes como o artista, que se serve de um corpo para formar outro corpo, imprimindo-lhe segundo a inspiração do espírito, a imagem que seu olhar interior descobre [...] nem tinha à mão matéria alguma com que modelasses o céu e a terra [...] portanto, disseste uma palavra e as coisas foram feitas, com a tua palavra os criastes[4].
















[1] Conf.,XI.10.12
[2] BERKHOF. Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Ed.Luz para o caminho,, 1998.p.61
[3] Conf., XI. 3. 4
[4] Conf.,  XI.3, 5

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