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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O AMOR LIMITADO DE DEUS - Parte 3



Dando continuidade à série de postagens sobre “O amor limitado de Deus”, dessa vez estaremos abordando a questão a partir do pensamento do grande filósofo medieval Agostinho de Hipona.  O debate em torno da questão conceitual do binômio  “homem e liberdade” é de vital importância para o esclarecimento desse assunto. Ouso dizer que, não entendendo quem é o homem diante de Deus, não há como avançar nem mais um centímetro na compreensão da Sotereologia Agostiniana/Reformada, portanto, bíblica.

INTRODUÇÃO

Agostinho, ao longo de sua vida, se envolveu em várias controvérsias, por conta de sua aguçada veia apologética. Dentre elas, aquela que foi a mais importante, no que diz respeito à questão da liberdade,  foi o embate travado com Pelágio, por volta de 411 a 412, em Cartago. Pelágio era um monge Britânico, eunuco, natural da Irlanda, que se engajou em intenso conflito contra Agostinho, numa questão que envolvia basicamente o problema do livre-arbítrio e da liberdade.

A ANTROPOLOGIA PELAGIANA

Para Pelágio, o homem continuava habilitado, mesmo depois da queda, a fazer o bem se assim desejasse e que não se fazia necessário uma assistência especial da graça de Deus para que o ser humano O obedecesse.

Ele acreditava que o homem estava habilitado para atender a todos os chamados de Deus e quando Ele o convoca a arrepender-se é porque o homem pode fazer isto, por ele só, sem que seja necessário o auxílio da graça divina; caso contrário, Deus não o haveria ordenado, pois não ordena nada que seja impossível.

As principais reivindicações pelagianas estão diretamente relacionadas à sua antropologia, ao seu conceito de homem, como afirma Sprol, fazendo a seguinte observação acerca da antropologia de pelágio:

Pelágio, destituído da ideia do todo orgânico da raça ou da natureza humana, via Adão meramente como um indivíduo isolado; ele não deu a Adão nenhum lugar representativo, logo seus atos não acarretavam consequências além de si mesmo. Em sua visão, o pecado do primeiro homem consistiu de um único e isolado ato de desobediência ao comando divino [...]. Esse ato de transgressão único e desculpável não gerou consequências à alma e nem ao corpo de Adão, muito menos à sua posteridade, onde todos se mantém ou caem por si mesmos (SPROL, 2001, p.35).

Fica claro no pensamento pelagiano uma visão positiva acerca do homem e isso influencia todo o restante da sua construção intelectual. Para ele a queda do homem não trouxe para si uma repentina destruição, muito menos ainda para sua descendência, como denuncia o próprio Agostinho:

O homem pelagiano goza de perfeito equilíbrio moral. O pecado não atinge sua natureza, mas seu mérito. Quando peca, torna-se culpável de sua má ação. Perdoado volta à sua perfeição. Não é prisioneiro de uma inclinação mórbida para o mal (AGOSTINHO. A graça, 1999. p.105).


A ANTROPOLOGIA AGOSTINIANA

Agostinho discordava de Pelágio essencialmente quanto à sua antropologia, de tal forma que as outras discórdias adviam dessa.

Diferentemente de Pelágio, Agostinho entendia que a queda trouxe consequências extremante severas para o primeiro homem; e não somente para ele mas também para toda sua descendência. Ele não o via como um indivíduo isolado mas, essencialmente, como o representante legal de toda a raça humana, como afirma: “Deus, autor das naturezas, não dos vícios, criou o homem reto; mas o homem, depravando-se, por sua própria vontade, e justamente condenado, gerou seres desordenados e condenados (De Civ. Dei, XI, 27).

Para Agostinho, com a queda, em certo sentido, veio também uma privação da liberdade, isto é, o homem que outrora não tendia nem para o bem nem para o mal, depois da queda, adquiriu certa tendência para o mal, passando a conviver com uma natureza pecaminosa que passa a seus herdeiros de forma hereditária, ou seja, essa natureza passa a habitar no homem, coisa que inicialmente não existia. A morte física vem também ao homem depois e só depois da queda e como consequência dela.

Agostinho afirma de forma bastante clara que o pecado corrompeu a natureza humana, criada por Deus, sem vicio nenhum, e não somente seu mérito, como pensava Pelágio. Esse ponto de seu pensamento é essencial para entendermos sua antropologia. Devemos ficar atentos para seu pensamento de que o homem foi criado com uma natureza boa, sem nenhuma propensão ao mal, ao pecado e que esta natureza foi, de fato, modificada, acrescentada, depois da queda com uma mórbida tendência à concupiscência, como afirma,

A natureza do homem foi criada no princípio sem culpa e sem vício. Mas a atual natureza, com a qual todos vêm ao mundo como descendentes de Adão, tem agora necessidade de médico devido a não gozar de saúde. O somo Deus é o criador e autor de todos os bens que ele possui em sua constituição: vida, sentidos e inteligência. O vício, no entanto, que cobre de trevas e enfraquece os bens naturais, a ponto de necessitar de iluminação e de cura, não foi perpetrado pelo seu criador, ao qual não cabe culpa alguma. Sua fonte é o pecado original que foi cometido por livre vontade do homem. Por isso, a natureza sujeita ao castigo atrai com justiça a condenação (AGOSTINHO. A trindade, 1995, XIV, 15).

E ainda:

A alma não pode conceder a si mesma a justiça que uma vez recebida não mais a possui. Recebeu-a quando foi feita criatura humana e perdeu-a, em consequência do pecado (AGOSTINHO. A graça, 1999. p.114).

Podemos resumir o entendimento de agostinho acerca do homem em quatro fases distintas:

a)     Capacidade para pecar, capacidade para não pecar (posse peccare, posse non peccare);
b)   Incapacidade para não pecar (non posse non peccare);
c)    Capacidade para não pecar (posse non peccare);
d)   Incapacidade para pecar (non posse peccare).

O primeiro estado corresponde ao estado do homem na inocência, antes da Queda; o segundo estado do homem natural após a Queda; o terceiro estado do homem regenerado; e o quarto do homem glorificado.

Homem Pré-Queda
Homem Pós-Queda
Homem Renascido
Homem Glorificado
capaz de pecar
capaz de pecar
capaz de pecar
capaz de não pecar
capaz de não pecar
incapaz de não pecar
capaz de não pecar
incapaz DE PECAR

A capacidade original do homem incluía tanto o poder para não pecar como o poder para pecar ( posse non peccare et posse peccare ). No pecado original de Adão, o homem perdeu o posse non peccare (o pode para não pecar) e reteve o posse peccare (o poder para pecar) - o qual ele continua a exercer. Na concretização da graça, o homem terá o posse peccare retirado e receberá o mais alto de todos, o poder para não ser capaz de pecar, non posse peccare (AGOSTINHO. Correction and Grace, XXXIII ).

Aqui está a chave para o entendimento da antropologia Agostiniana, que influencia sua visão de  moralidade e da ética.

Como fica claro, Deus, em sua essência bondosa, criou o homem bom e perfeito e lhe dotou da maior dádiva de todas, só concedida ao homem: a liberdade, que é, em si, essencialmente boa. De sorte que o homem, no estado pré-queda é absolutamente livre, não tendendo nem mesmo para o bem, podendo escolher, sem nada que o sugestione, o bem e a felicidade eterna. Contudo, com a possibilidade de escolher o mal, a desobediência. Do contrário, onde estaria a liberdade?

Podendo ele escolher o bem, resolve deliberadamente escolher o mal. Acaso haveria culpa em Deus por ter concedido dádiva tamanha, tendo, inclusive, advertido o primeiro homem do perigo e consequências da desobediência? Caindo o homem, trouxe sobre si e sobre aqueles que representava legalmente, todos os males existentes, tornando-se não somente vítima de si mesmo, mas também merecedor e único causador de todos os males que lhe sobrevém, sendo sua culpa transmitida e imputada a todos os seus descendentes, que já nascem pecadores e que, por sua natureza amante do pecado, tem prazer no pecado. Segue-se, então, o plano redentivo de Deus para resgatar alguns homens e trazê-los de volta à felicidade, só que, dessa vez, no seu último estágio, sem a possibilidade de cair novamente.

Proximo ponto: A CONSEQUÊNCIA LÓGICA DA ANTROPOLOGIA AGOSTINIANA: A PREDESTINAÇÃO. Aguarde!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O AMOR LIMITADO DE DEUS - Parte 2



Expiação limitada

O terceiro e, talvez, o mais polêmico dos pontos do calvinismo - a Expiação Limitada -, foi formulado para combater a ideia de Expiação (redenção) Universal pura e na sua versão formulada pelos seguidores de Armínius. Para eles, a morte de Cristo foi extensiva a todos os homens, sem exceção.



Uma pergunta, porém, não quer calar: teria Cristo morrido, de fato, também por aqueles que passarão toda a eternidade no inferno?

Se a resposta a essa questão é afirmativa, então, devo concluir que o sacrifício de Cristo não foi tão perfeito e eficaz quanto o Deus trino pretendia? Devo concluir que Deus, ainda que tenha boa vontade em salvar todos os indivíduos, não tem poder suficiente para levar a termo a sua própria vontade?


Em favor de quem Cristo morreu? Morreu por todos? Quais foram aqueles em favor dos quais derramou Ele o seu sangue?  


A questão do propósito limitado da morte de Cristo (Expiação Limitada) tem sido alvo de inúmeras e intensas controvérsias. Certamente o nosso Senhor Jesus Cristo tinha alguma determinação absoluta em vista, quando subiu à cruz. Certamente tinha Ele um propósito bem definido, e, assim sendo, necessariamente, tinha que ser cumprido.


Se este propósito de Cristo incluísse a totalidade da humanidade, por certo, toda a humanidade teria que ser salva. E, isto, como sabemos, não ocorrerá!

Cristo não morreu para possibilitar a salvação de toda a humanidade, mas para assegurar a salvação de todo aquele que o Pai lhe deu (Jo 10:29). Cristo não morreu simplesmente para possibilitar o perdão dos pecados, mas para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo (Hb 9:26-28).

Propósito Limitado da expiação


O propósito limitado da expiação é uma conclusão lógica da escolha eterna. Se Deus escolheu alguns desde o princípio e se a vontade de Cristo era a vontade do Pai (Hb 10:7; Jo 6:38), nada mais óbvio do que chegarmos à conclusão de que
Cristo subiu naquela cruz apenas para salvar os que foram eleitos antes da fundação do mundo. Vejamos: Jo 6:37,39; 17:1,2,6,9 e 24.

Analisando a questão da expiação no V.T., em Levíticos 1:4-5 e outros textos, podemos ver que a culpa da pessoa era como que transferida para o animal. Aquele que oferecia o animal em sacrifício era considerado perdoado do seu pecado, da sua culpa. Uma vez por ano o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos para oferecer sacrifício, com sangue, por si e pelo povo (Lv 16:17-24, 23:28; Hb 9:7) e o povo era expiado, considerado perdoado. Diz-se que o animal expiou o pecado do povo, levando-o sobre si (Lv 16:21). De fato a expiação do V.T. era uma tipologia da morte de Cristo (GI 1:4; Hb 7:27; Rm 3:24-25).

Diante desses fatos bíblicos perguntamos: Em favor de quem foi oferecido este resgate? Ou quem foi expiado com a morte de Cristo?

Se respondemos que tudo isto foi em prol da raça humana inteira, então foi cancelada a divida de todo ser humano. Se Cristo levou sobre si o pecado de toda a raça humana, então ninguém mais perecerá; ninguém sofrerá a condenação final. Deus não pode exigir o pagamento de uma divida por duas vezes. Uma vez do fiador, que derramou seu sangue, e depois outra vez da mão do devedor. Ou teria o sacrifício expiatório de Cristo sido insuficiente?

O fato é que Cristo não saldou a dívida de todos (1 Pd 3:19; Jo 8:21; Mt 25: 41). Dizer que Cristo morreu por todos é dizer que foi substituto e fiador de toda raça humana. “Dizer que Cristo morreu por todos é dizer que Ele levou sobre si a maldição de muitos que agora levam sua própria maldição, é dizer que sofreu a punição de muitos que agora sofrem a sua própria punição no inferno”.

Por outro lado, dizer que foi ferido pelas transgressões do povo de Deus, que deu sua vida em resgate de muitos e que morreu pelas suas ovelhas é dizer o que dizem as escrituras. Vejamos alguns textos: Ef 1:4,5;Jo 10:16; 13:1; 17:19; 10:11; 11:49-52; At 20:28; Mt 20:28 Is 53:8.

Quando Cristo deu a sua vida na cruz do Calvário, deu-a por suas ovelhas, os eleitos! Não são todos os homens que estão incluídos na expressão “minhas ovelhas”. Portanto, Cristo não deu sua vida por todos os homens. Aos que estavam ao seu redor, ele disse: “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10:26).


Os reprovados, os não-eleitos, os descrentes não estão incluídos no número daqueles por quem Cristo deu a sua vida. Ele morreu só pelas suas ovelhas” (SPENCER, 1992. p.39).

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